As paredes descascadas e as intervenções arquitetônicas realizadas ao longo do tempo no prédio de três pavimentos da antiga loja ‘Paris em Natal’, no bairro da Ribeira, talvez não deem a dimensão correta da importância que o edifício tem para a história da capital potiguar.
A loja, que fica numa esquina de frente para o que hoje é o Teatro Alberto Maranhão, foi inaugurada em 1908. Os proprietários importavam diretamente de Paris os produtos considerados finos, de luxo, para atender a exigente elite de uma Natal que estava em um de seus ciclos de expansão, recebendo um fluxo crescente de pessoas que vinham tanto do interior, fugindo da seca, quanto do exterior.
Os adornos e decoração utilizados na loja vinham de Paris e muita coisa também foi utilizada na construção do teatro, que estava sendo erguido junto com outras grandes obras, como o Grande Hotel, também localizado no bairro da Ribeira, e a Pinacoteca do Estado, na Cidade Alta. No contexto econômico, o período foi marcado pela Revolução Industrial na Europa, que já soprava seus ventos de modernidade por aqui.
“Desde 1599 até o final século XIX Natal é, praticamente, a mesma. Mas, a cidade passa por um ciclo de expansão com o processo de modernização que ocorre no Brasil, de uma maneira geral, com a Proclamação da República, que é um outro modelo de gestão, além de outras questões que estavam ocorrendo na cidade. É só lembrarmos que entre o final do século XIX e início do XX temos a construção da Pinacoteca, que era o antigo Palácio Potengi, do Teatro Carlos Gomes em homenagem ao maestro e que na década de 1950 vai ser renomeado Teatro Alberto Maranhão, além da construção do Grande Hotel, para receber as pessoas que estavam em trânsito. As pessoas que vinham da Europa e Estados Unidos para a América do Sul pernoitavam em Natal por causa dos hidroaviões e a cidade acontecia ali naquela região. Ainda não existiam os hotéis da Via Costeira nem o bairro de Ponta Negra, com suas pousadas”, resgata o professor do Departamento de Turismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DETUR/UFRN), Almir Oliveira.
Nesse mesmo período foi construída a Escola de Artífices, na avenida Rio Branco, no bairro da Cidade Alta. Hoje, o prédio pertence ao Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), que está fechado ao público.
“Espero que reabra em algum momento, inclusive, para voltar a atrair pessoas para aquela região [o professor faz referência à crise pela qual passa o centro da cidade, onde o prédio está localizado] e também tivemos a construção do QG da Polícia Militar (prédio do atual Memorial Câmara Cascudo), perto da Antiga Catedral. A construção do IF é uma das primeiras expansões da cidade, que até então se restringia ao seu núcleo histórico inicial, que é Ribeira, Cidade Alta, um pouco das Rocas, que faz a ligação com o Forte, que é fundado antes mesmo da cidade, e Alecrim, que está começando a tomar forma como área suburbana da cidade. Depois disso só na década de 1930/40 que teremos um novo ciclo, com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial”, esclarece o professor da UFRN.
O pesquisador explica que alguns autores que pesquisam o tema consideram que o prédio da loja Paris em Natal tem estilo arquitetônico Art Nouveau, devido à forte presença de ferros retorcidos como elemento decorativo, que também podem ser observados no Teatro Alberto Maranhão. Já outros defendem que é Art Déco, por causa do também intenso uso de vidro com cortes arredondados.
“As esquadrias foram mudadas, o porta-corpo ficava um pouco à frente da janela, que tinha proteção e adornos em ferro. Também havia uma presença de vidro muito forte. Nesse processo de modernização, Natal começa a ter um uso em massa desse tipo de ornamentação. Isso estava presente nos lustres das casas, na ornamentação, nos móveis com vidro. Toda forma de arte, na verdade, é a retomada de momentos anteriores da própria arte. O Neocolonial, por exemplo, é uma retomada do Colonial. O Neoclássico, retoma o Clássico, a Arte Noveau resgata o Rococó pelo excesso de curvas e ornamentação”, detalha o professor da UFRN.
A restauração
Os recursos para a restauração do edifício da antiga loja Paris em Natal sairão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC Seleções). No local irá funcionar o Centro Cultural Fazeres.
“Além da restauração, é bom lembrarmos que essa revitalização está dentro de uma proposta maior do PAC Seleções, cuja primeira etapa foi ainda no governo Dilma [Rousseff], quando ainda era o PAC Cidades Históricas. Esse é um projeto que está dentro de proposta da Subsecretaria de Cultura do Estado para construção de alguns centros culturais. O edifício sediará o Centro Cultural Fazeres de Natal, que deve pegar a questão do saber fazer, que hoje é muito mais presente nas sociedades como patrimônio na perspectiva imaterial, um local para práticas tradicionais de produção, como a culinária, o artesanato, artes plásticas, visuais… é um espaço para pensarmos essas questões para a cidade do Natal. Também haverá centros semelhantes em outras cinco cidades no Rio Grande do Norte, como Mossoró e Caicó”, revela Almir Oliveira.
A previsão é de que sejam repassados 10 milhões para instalação e revitalização desses centros numa 1ª etapa.
“A finalidade é investir na cultura e, especificamente, na restauração do patrimônio. Esse resgate da loja Paris em Natal faz parte do reconhecimento de uma série de imóveis que podem ser trabalhados na otimização desses centros, para retomada de uma pulsação para a cidade. Afinal, o Centro Histórico não está morto, talvez paralisado. Mas, dependendo dos investimentos, que podem ser feitos por vários setores, como governo federal, estadual, municipal e iniciativa privada, podemos retomar esses locais como espaços de visitação e circulação de pessoas”, projeta o professor da UFRN.
Imagens: Luciano Capistrano e Fatos e Fotos
Fonte: Agência Saiba Mais