Um grupo de três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu um dessalinizador solar modular projetado especificamente para atender às condições operacionais do semiárido brasileiro, beneficiando, sobretudo, a população que vive no Nordeste e no norte de Minas Gerais. O equipamento teve seu depósito de pedido de patente realizado na primeira semana do mês de janeiro, sob a denominação Dessalinizador solar modular.
O método de dessalinização assemelha-se aos processos naturais, como a vaporização da água do oceano e a formação de nuvens, mas em uma escala reduzida. Quando a luz solar atinge a bacia contendo água salina, esta aquece e evapora livre dos sais. O vapor de água condensa na tampa transparente do dessalinizador, retornando ao estado líquido. Contudo, a água ainda não está pronta para consumo, pois a eficiência na remoção de sais é tão alta que requer correção da salinidade. Isso é alcançado misturando quantidades definidas da água originalmente salina, como a produzida em um processo chamado de diluição.
Wildson Ursulino Leite explica que o equipamento opera aproveitando exclusivamente o calor solar para retirar sais da água por meio de destilação. Ele ressalta que todo o desenvolvimento do dessalinizador solar modular foi pautado pelo baixo custo de construção, manutenção e operação, além da máxima eficiência, segurança química da água produzida e respeito ao meio ambiente. Para alcançar esses objetivos, a pesquisa buscou aplicar desenhos que minimizassem as perdas por reflexão da luz solar na tampa do dispositivo, bem como a utilizar materiais quimicamente seguros e com propriedades compatíveis com o processo. O método semibatelada, em que o sistema é carregado apenas com um volume inicial de água salinizada, possibilita o funcionamento sem a necessidade de sistemas de controle, bombas ou outros recursos elétricos ou eletrônicos. Isso amplia a capacidade de o dessalinizador ser utilizado em localidades descentralizadas.
“Ele pode ser instalado em unidades de diferentes tamanhos, atendendo desde residências isoladas até comunidades rurais inteiras. A abordagem modular permite a ampliação ou a redução desses dispositivos a partir da mesma plataforma construtiva, por meio da combinação de peças pré-moldadas de concreto leve, semelhante a um quebra-cabeça”, pontua Leite. O cientista defende que, embora isoladamente essa tecnologia não resolva integralmente o desafio da segurança hídrica no semiárido brasileiro, ela se configura como uma alternativa acessível, eficiente e ecologicamente sustentável para atenuar os impactos da seca e contribuir na convivência com esse fenômeno.
Um dessalinizador solar é formado basicamente de quatro componentes: a cobertura ou tampa transparente, responsável por permitir a passagem da radiação solar e a condensação dos vapores de água, necessitando ser inclinada em relação à horizontal para escoamento do destilado; as calhas, usadas para coleta e drenagem de destilado para fora do sistema; a bacia, reservatório de água salinizada propriamente e fica em associação com o material coletor de radiação, o fotocoletor, quando o equipamento é do tipo direto; e, por fim, o corpo, estrutura externa que acomoda os demais componentes e fornece isolação térmica.
Além de Wildson Leite, são inventores envolvidos no patenteamento os professores André Luis Lopes Moriyama e Magna Angélica dos Santos Bezerra Sousa, ambos do Departamento de Engenharia Química (DEQ/UFRN). O trio identifica que o contexto no qual a invenção está imersa é ecológica, econômica e socialmente relevante, já que o semiárido brasileiro abrange cerca de 12% do território nacional e, de acordo com dados do Ministério da Integração Nacional em 2017, com uma população próxima aos 30 milhões de habitantes. Para além disso, segundo a Agência Nacional de Águas, já em 2018, mais de 43 milhões de pessoas foram afetadas por secas e estiagens no Brasil, sendo quase 90% dessas no Nordeste. A Agência observa, ainda, uma preocupante tendência de agravamento desse problema, com a disseminação desses eventos por outras regiões do país.
Grau de maturidade do protótipo
Dois protótipos relativos ao dispositivo objeto do pedido de patente foram construídos e submetidos a testes no solário do Laboratório de Monitoramento e Tratamento e Reúso de Resíduos da Indústria do Petróleo, pertencente ao Departamento de Engenharia Química da UFRN. O Nível de Maturidade Tecnológica (TRL) atribuiu a esses protótipos a nota 7 em uma escala de 1 a 9, indicando que foram testados em ambiente real. Para o grupo de pesquisadores, assegurar a preservação da propriedade intelectual e resguardar os direitos dos criadores e das instituições associadas ao invento são dois dos fatores principais para patentear uma descoberta.
Atualmente na França, em pós-doutorado, o docente André Moriyama salienta que o desenvolvimento de materiais fotocoletores mais eficientes será a principal direção das pesquisas do grupo, com o objetivo de aumentar a produção de destilado nos dessalinizadores solares modulares. Esses materiais desempenham um papel central ao coletar e converter a luz solar em calor para vaporizar a água, destacando-se como componentes vitais para o sucesso do dessalinizador solar.
A técnica
O desenho modular proposto visa facilitar a estocagem, o transporte, a montagem e o escalonamento dos dessalinizadores solares, conferindo vantagens operacionais importantes em comparação a sistemas monoblocos tradicionais. A arquitetura inovadora de baixas áreas de sombreamento privilegia o aproveitamento da radiação incidente nas latitudes operacionais de projeto, mesmo em horários de maiores inclinações solares.
Os módulos pré-moldados de concreto leve de poliestireno expandido conferem leveza e resistência química contra corrosão e contaminação do destilado, além de resistência mecânica satisfatória contra o intemperismo e isolamento térmico eficiente para o processo. A técnica construtiva modular aplicada à bacia reduz o aparecimento de áreas secas prematuras, oriundas da topografia desnivelada do terreno. A modularização da bacia também implica menores gastos energéticos para o aquecimento da água, especialmente em sistemas de grande escala, além de reduzir o percurso convectivo da salmoura nela contida, direcionando a energia solar térmica para o processo de geração de vapor, favorecendo a produção de destilado.
Imagens: Cícero Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN