Criados desde 2018, em uma ação pioneira do Brasil, os comitês regionais de investigações de transmissão vertical das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) têm importância fundamental no enfrentamento à sífilis congênita, examinando os casos de transmissão vertical da doença e auxiliando as esferas na tomada de decisões no combate à sífilis. A sífilis é uma das infecções sexualmente transmissíveis mais antiga e que continua sendo um desafio em diversos países.
Para compreender o trabalho realizado por esses grupos, a doutora Thereza Cristina Mareco, do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN), também professora na Universidade Brasília (UnB), desenvolveu uma pesquisa em todo o Brasil durante seu doutorado, numa colaboração internacional entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Aberta de Portugal (UaB). Parte dos resultados estão no artigo Análise de uma estratégia nacional de vigilância em saúde para redução da transmissão vertical da sífilis: o caso dos comitês de investigação do Brasil publicado na revista international Journal of Infectious Diseases (IJID Regions), periódico oficial do grupo International Society for Infectious Diseases (ISID).
O estudo analisou a efetividade dos comitês em todos os estados do país, com exceção do estado de São Paulo, que, na época, optou por não participar do estudo. Foram identificados pontos fortes e fracos desses grupos e mostrado que esses desempenham papel fundamental na ampliação do entendimento sobre o processo de investigação da sífilis no cenário brasileiro. Contudo, Thaisa Santos, co-orientadora da tese, explica que foram evidenciadas, no estudo, necessidades que o Ministério da Saúde do Brasil desconhecia. “A política de comitês de investigação epidemiológica é uma inovação do Brasil para a saúde global. O Ministério da Saúde do Brasil foi pioneiro nessa estratégia nos anos 1990 e 2000, quando diminuiu a mortalidade materna. No entanto, o artigo apontou que eles não funcionam da mesma forma no caso da sífilis congênita. Esse achado é de grande impacto para a saúde pública no Brasil”, enfatizou.
Para Marquiony Santos, pesquisador do LAIS/UFRN e coautor do artigo, o estudo convoca os gestores a revisitar a relação de custo-efetividade dos comitês, contribuindo para a indução de futuras políticas públicas que aprimorem as ações de combate à sífilis. “Essa reavaliação possui o potencial de instaurar mudanças substanciais, reconfigurando a estrutura, a operação e as diretrizes dos comitês para que, de forma mais efetiva, possam contribuir para a diminuição da transmissão vertical da sífilis”, explicou.
Para Thereza Mareco, essa iniciativa é um ganho para a saúde pública do Brasil, considerando que esclarecer questões sobre os comitês fortalece ações do Ministério da Saúde do Brasil no plano de estratégia da erradicação da sífilis. “Este artigo traz uma importante contribuição para a saúde pública do país, tratando de um tema de relevância nacional e internacional”, reforçou.
Segundo o professor Ricardo Valentim, diretor executivo do LAIS/UFRN, esse tipo de estudo é importante para que as autoridades de saúde pública, em todos os níveis da federação, possam analisar os conhecimentos produzidos, para, a partir deles, tomarem decisões mais efetivas em relação à condução das políticas públicas de saúde no país. “Neste caso em especial, para a eliminação da transmissão vertical da sífilis, algo totalmente possível quando se tem disponível estudos como esse, que trazem evidências científicas para a condução da política pública de saúde. Esse é o papel da ciência e das universidades, contribuir para condução e formulação de políticas baseadas em evidências”, disse.
A importância da pesquisa realizada foi reconhecida pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), da qual o Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL/UFRN) faz parte. Para a chefe do Serviço de Gestão da Inovação Tecnológica em Saúde, da Diretoria de Ensino, Pesquisa e Inovação da Rede Ebserh, Adriana Anunciatto Depieri, a sífilis congênita é um problema de saúde pública que ainda desafia o Brasil e requer que repensemos nosso modelo de organização da assistência e da vigilância. “Essa pesquisa traz luz a um problema de saúde pública de relevância nacional, cuja detecção precoce é essencial para evitar a transmissão vertical e consequentes malformações no feto”, opina.
Ainda segundo Depieri, os resultados do estudo reforçam o papel que a pesquisa, na Ebserh, tem em responder às questões de interesse, dentro das linhas prioritárias do Ministério da Saúde do Brasil. “A publicação dos dados não somente concorre para democratizar os achados e conclusões, mas também para melhorias na organização do sistema de Saúde para efetivamente atingirmos a redução da transmissão materno-fetal da sífilis”, concluiu.
Entendendo a sífilis
A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST), curável e exclusiva do ser humano. Causada pelo Treponema pallidum, essa IST é transmitida por meio do contato com lesões infecciosas ou fluidos corporais. Geralmente, os pacientes desenvolvem manifestações cutâneas, como úlceras genitais e várias complicações, e isso inclui doenças neurológicas, renais, gastrointestinais e hepáticas.
Apesar de ser uma velha conhecida, ainda é negligenciada em grande parte do mundo, dificultando o diagnóstico, especialmente, por ser também conhecida como a grande “imitadora”, em virtude da sua capacidade de mimetizar sintomas relacionados a outras doenças. Por isso, é importante manter a educação permanente em saúde para todos, além de campanhas massivas e frequentes de comunicação em saúde para esclarecer a população.
Apesar da disponibilidade de terapia antibiótica barata e eficaz, a sífilis continua sendo uma doença prevalente nos países em desenvolvimento e ressurgiu como uma ameaça à saúde pública nos países desenvolvidos. A infeção tem uma prevalência global estimada de 36 milhões de casos e uma incidência de mais de 11 milhões de infectados anualmente. Na população adulta sul-africana (15 – 49 anos), em 2017, a prevalência estimada de sífilis entre mulheres e homens foi de 0,50% (95% CI: 0,32–0,80%) e 0,97% (0,19–2,28%), respectivamente.
Nos Estados Unidos, de 2013 a 2017, a taxa nacional anual de casos notificados de sífilis primária e secundária aumentou 72,7%, de 5,5 para 9,5 casos por 100.000 indivíduos. Uma revisão dos estudos de sífilis na Europa Oriental mostrou que, embora a incidência estivesse geralmente em declínio, uma alta prevalência foi relatada em populações-chave, particularmente profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Na China, uma série de questões de ordem multifatorial, como, por exemplo, diferenças de renda e um clima cultural que favorece o ressurgimento do trabalho sexual, estão impulsionando a disseminação da sífilis bo país.
Outro exemplo é o Brasil, que em 2016 declarou epidemia. A sífilis adquirida teve sua notificação compulsória implantada em 2010 no país, com isso, observou-se a taxa de detecção, aumentada de 2,0 casos por 100 mil habitantes em 2010 para 58,1 casos por 100 mil habitantes em 2017. Algo que chama atenção, pois taxas muito altas de casos de sífilis adquirida, quando não tratadas corretamente, podem impactar no aumento de registros em gestantes e, consequentemente, de sífilis congênita (infecção do feto).
Um aspecto importante em relação ao aumento dessas taxas é que elas não representam, necessariamente, um aumento real no número de casos. Quando o Brasil tornou compulsório as notificações de sífilis adquirida em 2010, por exemplo, os registros passaram a ser registrados obrigatoriamente, logo as taxas seguiram aumentando. Outro fator determinante foi a distribuição e disponibilização de testes, pois o acesso mais fácil à testagem é importante para que a vigilância em saúde possa monitorar os cenários epidemiológicos da doença. Países que não testam ou testam pouco podem registrar taxas mais baixas e gerar subnotificações, o que é um risco para a saúde do paciente que não busca tratamento.
Atualmente, a sífilis é uma preocupação de saúde pública nas regiões das Américas devido ao aumento das taxas de notificações. A forma mais efetiva para combater os problemas relacionados à infecção é o diagnóstico e o tratamento adequado. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o adequado é que a taxa de sífilis congênita fique em 0.5 por 1000 nascidos vivos.
Para isso, é importante que a saúde pública atue de forma articulada com outros setores da sociedade, como a educação, o controle social e a comunicação, por exemplo. Manter estratégias de educação em saúde para toda a população, melhorar a qualidade dos dados disponíveis e ter campanhas massivas de comunicação são intervenções de saúde pública universais também necessárias no enfrentamento às infecções sexualmente transmissíveis.
Fonte: Agecom/UFRN