O Brasil é um dos países mais biodiversos do mundo, porém essa diversidade não se reflete no prato do brasileiro. Estudo feito por cientistas do LabNutrir da UFRN e outras sete universidades mostra que apenas uma em cada 100 pessoas consome alimentos biodiversos. A pesquisa contou com auxílio de técnicas de inteligência artificial (IA), desenvolvidas com apoio do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD/UFRN), para revelar como os fatores sociais influenciam esse consumo.
O estudo contou com os esforços do Laboratório Horta Comunitária Nutrir (LabNutrir/UFRN), coordenado pela professora Michelle Cristine Jacob, do Departamento de Nutrição (NUT/UFRN). Foi descoberto que apenas 1,3% da população consome alimentos biodiversos e que esse consumo varia de acordo com a etnia, condições socioeconômicas e a posição geográfica. A inteligência artificial foi usada para a análise de dados alimentícios de mais de 40 mil brasileiros, coletados pelo IBGE entre os anos de 2017 e 2018, que levou em consideração informações como idade, sexo, escolaridade e segurança alimentar.
Alimentos biodiversos são recursos alimentícios que englobam todas as plantas e animais, silvestres e domesticados, que fornecem comida, combustível e fibras. Eles costumam ser negligenciados ou possuem uso restrito a certos grupos e regiões. Nessa pesquisa, foram analisadas as Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc), cogumelos comestíveis e carne de animais selvagens.
A importância das Panc e de uma alimentação mais biodiversa possui relevância para a qualidade nutricional das dietas. Essas plantas, ainda nos casos em que possuem poucas calorias, podem oferecer um conteúdo importante de micronutrientes e compostos bioativos. “Existe também uma importância ambiental, porque, quanto mais diversificada for nossa dieta, significa que a produção também está mais diversificada”, explica a professora Michelle Jacob. “Uma produção mais diversificada significa um sistema alimentar com mais variedade e menos impacto ambiental, já que muitas dessas plantas precisam de menos água e de outros recursos naturais para serem cultivadas”, complementa.
A equipe de estudo alerta para a importância de se considerar o contexto socioeconômico ao promover o consumo de alimentos biodiversos. É necessário evitar estigmas e percepções de privilégio em torno dessas comidas. “Os consumidores de Panc, ao contrário do que algumas pessoas podem pensar, são indivíduos que estão em vulnerabilidade social: mulheres não brancas que vivem em zona rural e em domicílios em insegurança alimentar. Esses alimentos acabam fornecendo uma rede de proteção para essas pessoas”, informa a pesquisadora.
Outra constatação da pesquisa foi de que indivíduos que consomem cogumelo, geralmente, têm uma renda 10 vezes maior do que quem consome caça. Os consumidores de caça, em geral, vivem em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, fome.
Com a inteligência artificial, foi possível estimar as relações entre as diversas variáveis coletadas pelo IBGE. Essas conexões existem, mas são imperceptíveis com uma leitura humana dos dados devido a sua complexidade. “Treinamos a IA para aprender e compreender essas relações e como elas estão associadas ao resultado desejado. Em seguida, analisamos a importância de cada variável e suas combinações em relação ao resultado. Este campo de estudo é conhecido como Explainable AI”, esclarece o professor Elias Jacob, do Instituto Metrópole Digital (IMD/UFRN), responsável pela pesquisa computacional.
O NPAD tem papel fundamental em diversos estudos da Universidade. Graças ao supercomputador, pesquisadores de todas as áreas do conhecimento podem desenvolver seus estudos com técnicas computacionais de ponta. “A infraestrutura do NPAD nos permite acelerar essa etapa de treinamento dos modelos de aprendizado de máquina. Esse processo exige bastante poder computacional e muita experimentação. Com o NPAD, esse processo se torna bem mais rápido”, afirma o professor Elias Jacob.
Atualmente, a baixa taxa de consumo de alimentos biodiversos reflete uma desconexão preocupante entre a rica biodiversidade do país e sua presença na dieta da população. “Uma em cada 100 pessoas do Brasil consome alimentos biodiversos, mostrando um descompasso entre a biodiversidade que existe ao nosso redor e a biodiversidade que existe no nosso prato”, afirma a professora Michelle Jacob.
Esse estudo ressalta a importância de se implementarem políticas públicas efetivas e campanhas de conscientização culturalmente adaptadas para se incentivar o consumo de comidas biodiversas no Brasil. “Consideramos que é muito relevante a formulação de políticas para aumentar o consumo consciente desses alimentos, porque isso pode ajudar a melhorar a qualidade da dieta das pessoas e promover a segurança alimentar no país”, declara a professora Michelle Jacob.
Fonte: Agecom/UFRN