“E você esperava o quê? Você é desorganizado, não tem métodos, não traça planos, não possui senso algum de profissionalismo e não escuta ninguém. Agora terá que fazer igual ao Plínio Marcos, vender seus livros nos sinais de trânsito”, me disse um amigo, ao responder sobre minhas queixas, de como andavam baixas as vendas do meu livro. Na mesma hora me imaginei junto aos meus livros, disputando espaço entre os ambulantes, vendedores de balas de gengibre e hortelã, em nítida desvantagem, já que balas de gengibre curam rouquidão, dor na garganta, mau-hálito, resfriados, gripes e sabe-se lá Deus o quê mais. Poderia jogá-los pelo ar, enquanto os carros estivessem parados no sinal vermelho, mas certamente cairiam todos sobre minha cabeça, já que o malabarismo nunca foi o meu forte. Quem sabe andar de terno e gravata, batendo nos vidros dos carros, “olá, gostaria de comprar um livro de um autor desconhecido?”. Realmente, os tempos são outros.
Lembro quando os vendedores de livros batiam na porta de minha casa, quando eu era pequeno. Meu pai, orgulhoso de sua enorme estante vazia que preenchia toda nossa sala, vez ou outra, comprava livros. “Olha, quanto anos tem o filho? Seis? Ótimo! Quando ele estiver na faculdade – quem sabe, cursando medicina, já pensou? – e empurravam um livro de biologia. Às vezes, História e Geografia, com ótimas promoções. O velho, que nunca parava para pensar na dinâmica dos acontecimentos históricos e geográficos, ou nas novas descobertas científicas, comprava tudo. Preenchia mais e mais os espaços na enorme estante de mogno. E assim os livros ganhavam sua importância em nossa casa. Porém, até sua morte, meu pai nunca tocou num livro sequer daqueles. E eu, ao contrário do que previa o vendedor, nunca cursei medicina. E, a exemplo do velho, lia o Notícias Populares todos os dias, que era o mesmo que ver sangue.
Por saber que tínhamos uma estante cheia de livros, alguns amigos me pediam emprestado. “Cara, sei que aí na tua casa tem muitos livros, me empresta um! Tá ligado naquela novata? Percebi que ela gosta de ler, então vô chegar nela..”
“Ok. Mas toma cuidado! Essa porra é do meu pai! Tu sabe como é o velho. Ele tem o maior ciúme. Ele sabe exatamente quantos têm nessa estante!” E não importava ao meu intrépido amigo o que estivesse levando. Se era algo sobre doenças venéreas ou Moral e Cívica. Bastava ter apenas um livro à mão. E o que estava levando justamente naquele dia era História do Brasil e Moral e Cívica. Um bom livro. Capa dura. O guardo até hoje. Usei-o muitas vezes como prancheta. Até hoje, trinta e cinco anos depois, ele ainda resiste, com as marcas que ali deixei ainda criança. Cartinhas para garotas, que nunca foram entregues. Versos feitos na adolescência, que nunca foram mostrados a ninguém. Quanto ao conteúdo, História do Brasil e Moral e Cívica, fiz como meu amigo, caguei pra ele.
Vendedores são um tipo natural de predador. Para bater metas, ganhar suas comissões, ou mesmo pela simples sobrevivência, olham suas vítimas sempre nos olhos. São capazes de transformar o mais medíocre dos homens na pessoa mais especial – ou seja, você!- e você ainda sai com aquela sensação “Mas que sujeito mais legal, eu estava mesmo precisando disso!”, da mesma forma como um beduino precisa de areia num deserto. Mas há casos como Walt Whitman que, com uma cesta no braço, vendia seus livros em porta e porta. Henry Miller contava com a ajuda de sua amante-esposa, June Miller para vender, em ambientes suspeitos, seus primeiros textos – ainda que seus leitores os adquirissem mais pelos favores sexuais de sua June, do que pela literatura em si. “É uma questão de como você se projeta. Marketing”, me disseram em outra ocasião. “Se eu nunca tivesse lido um texto seu, não diria nunca que você era um escritor”. Fiquei pensando o que J. D. Salinger faria hoje em dia para vender livros. Ainda que saísse todo engravatado, debaixo desse sol de lascar e dissesse “Bom dia, gostaria de comprar um livro de um autor ainda desconhecido que não gosta de se promover?”, em tempos em que você anda quilômetros para procurar ossos em condomínio para sobreviver, talvez escutasse um certamente sonoro ad infinitum “passe a manhã!”.