Um grupo de dez pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) criou uma nova utilização para as cinzas do bagaço in natura da cana-de-açúcar. A tecnologia patenteada é um processo de obtenção de uma sílica, importante material para o desenvolvimento de diversos produtos, como tintas, cosméticos, pneus de carro, revestimentos e filtros de água e na indústria petrolífera.
O diferencial do produto é a utilização de uma rota inovadora para a obtenção de sílica gel a partir das cinzas desse resíduo e com a utilização de materiais de baixo custo, facilidade no processo de síntese e diminuição no consumo da energia necessária para sua obtenção. O bagaço da cana-de-açúcar, inclusive, é o maior resíduo da agroindústria brasileira. Estima-se que, a cada ano, sobrem de 5 a 12 milhões de toneladas deste material, que corresponde a aproximadamente 30% da cana moída. Coordenadora do Laboratório de Tecnologias Energéticas (Labten), local onde os testes ocorreram, Luciene da Silva Santos realça o aspecto residual e renovável da matéria-prima usada.
“Esse processo contribui para a preservação do meio ambiente, visto que faz a reutilização do bagaço da cana, podendo agregar um maior valor comercial bastante importante à cadeia de produção da cana de açúcar e do etanol de primeira e segunda geração. Uma das vantagens no processo é o baixo custo, se comparado com outros processos de produção de sílica, pois há a diminuição no consumo da energia necessária, contribuindo para um melhor aproveitamento dos recursos energéticos. Isso pode ser um diferencial econômico quando utiliza-se essa tecnologia, pois poderá gerar diminuição nos preços dos produtos derivados da sílica produzida”, pontua a professora do Instituto de Química (IQ).
A docente acrescenta que a sílica é um produto de elevado valor agregado, aplicado em diversos setores industriais e sendo inclusive considerado um dos principais constituintes da indústria de base moderna. No invento, a metodologia inovadora adotada acaba na obtenção de um material de ótima pureza. É o que destaca José Alberto Batista da Silva, inventor que, na época do depósito de pedido de patente, em 2017, era aluno do Programa de Pós-graduação em Química (PPGQ).
O cientista enumera que o resultado é alcançado apesar de a cinza do bagaço possuir composição variável, tanto em sua morfologia, tamanho e forma das partículas, como em sua composição química, de acordo com as diferentes condições de temperatura e tempo de incineração.
“A sílica do bagaço de cana, também denominada sílica MP2, pode ser utilizada em vários processos industriais, por exemplo como suporte para processos de adsorção de compostos de enxofre no diesel, aplicabilidade essa utilizada nessa patente nos testes que fizemos, em que se utilizou na síntese de peneiras moleculares do tipo MCM-41, e posterior impregnação com metais para a utilização na retirada do enxofre do diesel”, explica o hoje professor da rede estadual na Paraíba e no Rio Grande do Norte.
A tecnologia apresenta um Technology Readiness Level (TRL) entre três e quatro. Os TRLs são níveis de prontidão tecnológica, um método para estimar a maturidade das tecnologias em uma escala que se estende até nove. Há um “protótipo” ou produto já sintetizado, em escala de bancada, em torno de 10 gramas. Luciene Santos frisou que há a necessidade de escalonamento, ou scale up, para uma produção em planta piloto de até um quilo e, futuramente, em escala industrial.
Patenteamento
Depositado em abril de 2017, o Processo de Obtenção de Sílica Proveniente da Cinza in natura do Bagaço da Cana-de-Açúcar recebeu a concessão definitiva da patente nesta terça-feira, 10. A pesquisa que originou o invento contou também com a participação de José Carlos Florêncio de Andrade, Etemistocles Gomes da Silva, Renata Martins Braga, Dulce Maria de Araújo Melo, Valdic Luiz da Silva, Rafael Viana Sales, Fernanda Maria de Oliveira e Keverson Gomes de Oliveira. Em suas áreas específicas, os cientistas deram sua contribuição tanto no desenvolvimento do processo como na preparação do material, na caracterização dos materiais obtidos e na própria discussão dos resultados e revisão do texto da patente.
“Trata-se da culminância de toda uma pesquisa, desenvolvida por alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado, principalmente os pesquisadores da pós-graduação, José Alberto Batista da Silva, Valdic da Silva e Keverson Gomes de Oliveira, que sob a nossa orientação, contribuíram de forma decisiva para que se chegasse a um resultado reconhecido como inovador pelo Inpi, gerando um produto de alcance industrial”, coloca Luciene.
Valdic faz coro com as palavras da coordenadora, acrescentando que a obtenção de um processo inovador no campo da investigação científica pode trazer inúmeros benefícios acadêmicos e econômicos para a Universidade e para a sociedade em geral, que poderão usufruir do invento, e para os pesquisadores envolvidos na pesquisa e toda a comunidade científica que desenvolve pesquisas com esses materiais. Tanto ele como José Alberto e Valdic são oriundos da graduação em Licenciatura em Química pelo Ensino a distância (EaD) da UFRN e depois fizeram mestrado e doutorado no PPGQ.
“Como receptor na época de muitos dos conhecimentos gerados na e pela pesquisa, posso atestar o quanto a patente fomentou de forma significativa o aprendizado dos envolvidos nessa pesquisa, desenvolvendo suas aptidões acerca do assunto e corroborando para o desenvolvimento de outros estudos”, afirma Valdic da Silva.
Luciene Santos agradece à contribuição da Direção do IQ, dos técnicos da Central analítica, e do Laboratório de Peneiras Moleculares (Labpemol) pelas análises de caracterização dos materiais. “O trabalho em grupo está fazendo a diferença no nosso caso”, finaliza a docente.
Fonte: Agecom/UFRN