Façam completo silêncio, paralisem os negócios, uma flor nasceu no Seridó. Furou o asfalto, combate a violação dos direitos femininos e empodera mulheres no interior do Rio Grande do Norte. O trecho parafraseado do poema A Flor e a Náusea, de Carlos Drummond Andrade, representa o efeito transformador do acesso ao conhecimento relativo à saúde feminina na vida de crianças, adolescentes e mulheres seridoenses. Esse é o principal objetivo do projeto de extensão Direito da Saúde Aplicado à Mulher, do curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres/UFRN).
Unir a igualdade de gênero à garantia do acesso à saúde das mulheres e ao direito médico, área jurídica voltada às normas do exercício do profissional e das organizações de saúde, foi a semente para o projeto de extensão, então, florescer. Para Renata Oliveira Almeida, coordenadora do Direito da Saúde Aplicado à Mulher e professora adjunta do curso de Direito do Ceres/UFRN, a iniciativa surgiu a partir da necessidade de debater os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), entre eles a redução das desigualdades e paz, justiça e instituições eficazes.
O próximo passo: ter a ideia aprovada no edital interno da UFRN. Em março de 2021, com a aprovação do projeto de extensão, o modelo de panfletos impressos e digitais foram os formatos escolhidos para que a informação chegasse até o público-alvo e, sobretudo, com eficácia social dos direitos difundidos. Em construção conjunta, o grupo formado inicialmente por Renata Oliveira, em parceria com o colaborador e professor Oswaldo Lima Jr. e as alunas Ana Cláudia Souza, Jardelly Lhuana, Liandra Julião e Iandeyara Costa, realizou o planejamento estratégico e a produção dos informativos.
Ao todo, seis panfletos foram confeccionados: O direito da saúde aplicado às gestantes no Seridó; Condutas prejudiciais à saúde da mulher seridoense; Proteção à saúde da mulher idosa no seridó; O direito da saúde aplicado à menina no Seridó; O direito da saúde aplicado à mulher no ambiente de trabalho; Direito da saúde da mulher e acesso a medicamentos. Dentre os 25 municípios que compõem o Seridó do RN, as cidades de Parelhas, Currais Novos, Jardim do Seridó e Caicó foram contempladas com a distribuição dos panfletos, além da capital potiguar, Natal. A escolha dos locais foi feita a partir de um levantamento das associações, instituições e órgãos da região que se enquadram nas temáticas definidas.
Embora o grande público tenha sido atingido por meio do perfil do Direito da Saúde Aplicado à Mulher no Instagram, uma parte importante do projeto deu-se pela distribuição dos panfletos impressos destinados àquelas pessoas que não possuem acesso à internet. Os dois formatos, tanto online quanto físico, foram formas de aproximar e aumentar o acesso às informações. Entre os locais que a distribuição ocorreu estão: o Abrigo Monsenhor Paulo Herôncio em Currais Novos; a Escola Municipal Arnaldo Bezerra em Parelhas; o Colégio Diocesano Seridoense (CDS) em Caicó; o CREAS e o CRAS em Jardim do Seridó.
Jardelly Lhuana, colaboradora do projeto de extensão e graduanda do curso de Direito no Ceres em Caicó, fala acerca da importância do conhecimento sobre questões relacionadas aos direitos da saúde aplicados à mulher, além da luta contra a transgressão dos direitos femininos, em especial no interior do estado. “Para o combate a todo e qualquer tipo de violência é necessário que possamos nos reconhecer como sujeitos históricos responsáveis pelas mudanças ocorridas na sociedade, principalmente no contexto em que estamos inseridos”, compartilha.
Material de apoio na sala de aula
Na terra dos geossítios Açude Boqueirão e Mirador, na cidade de Parelhas, mais uma flor nasceu, essa na sala de aula da Escola Municipal Arnaldo Bezerra. Jardelly, também professora da disciplina de História da turma do 9º ano, do turno vespertino, utilizou os panfletos como material de apoio para a aula sobre as lutas femininas e a trajetória do movimento feminista. “O fato de poder levar esse conhecimento aos alunos possibilita que esses mesmos alunos sejam mediadores e propagadores de tais direitos com ênfase a saúde, promovendo uma mobilização organizada para alcançar novas conquistas”, reforça a colaboradora do projeto.
A estudante de Direito conta ainda que, após o uso do livro didático na aula, distribuiu panfletos para os alunos, explicou sobre o projeto Direito da Saúde Aplicado à Mulher, realizou a leitura compartilhada e abriu uma roda de diálogo sobre as informações presentes nos informativos. “Os alunos perceberam que, apesar de ainda haver muita desigualdade de gênero, o fato de saberem da existência de determinados direitos e compreendê-los promove um ambiente propício à reivindicações deles”, complementa. O propósito da atividade era compreender mais sobre os direitos que eles já conheciam e aqueles que ainda eram desconhecidos.
Conhecimento que combate a violação dos direitos femininos
A turma na qual se desenvolveu a ação com os panfletos é formada em sua maioria por mulheres na faixa etária de 13 a 15 anos. Apesar de o Rio Grande do Norte estar distante de Santa Catarina (SC), as idades dessas alunas são próximas à da criança de 11 anos vítima de estupro, que teve o caso repercutido amplamente no país nos últimos dias, após ter o procedimento de aborto legal inicialmente negado pela justiça catarinense. Por conta da violação desse direito feminino, a professora Renata Oliveira reflete sobre a necessidade do conhecimento dos direitos da saúde aplicados à mulher para evitar as violências contra o corpo feminino e a sua saúde psíquica.
Segundo Oliveira, o caso da menina de 11 anos evidenciou um debate imprescindível que, embora seja antigo, ainda está remanescente na dinâmica social atual. Isso porque, no Brasil, de acordo com Artigo 128 da Lei nº2.848 de 1940, o aborto é legalizado em casos em que a gravidez coloca em risco a vida da gestante ou que é resultante de estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou que também é permitido o aborto se o feto for anencéfalo. “O conhecimento voltado ao direito da saúde da mulher de forma ampla, direta e simplificada é um meio que acreditamos que possa ser útil para garantia desses direitos”, acrescenta.
Para todas as idades
Democratizar a informação sobre os direitos da saúde da mulher de todas as idades para a promoção efetiva da saúde, desde a menina à mulher idosa seridoense, é uma das propostas do projeto. Os integrantes receberam um retorno positivo dos locais onde os panfletos foram distribuídos. No município de Caicó, o Conselho Tutelar afirma que a atividade desenvolvida pelo Direito da Saúde Aplicado à Mulher é louvável, maravilhosa e interessante, por conta do trabalho para garantir a proteção da saúde feminina. Já para o Conselho Municipal do Idoso de Caicó, os informativos foram definidos como um material com diversos conhecimentos expostos de forma clara e lúdica.
Com ilustrações e diagramação assinadas pela colaboradora do projeto e estudante do curso de Direito do Ceres em Caicó Liandra Julião, os panfletos possuem estética suave e formatação simples para que o consumo das informações seja acessível. Nos informativos, é possível entender: o que é violência obstétrica e como denunciar; tipos de violências; quais medicamentos são gratuitos e onde podem ser adquiridos; tipos de assédio no ambiente de trabalho e onde denunciar. Em todos os folhetos é reforçada a necessidade de a mulher estar informada sobre seus direitos, para, assim, reivindicá-los e denunciar violações.
Conforme Jardelly, o uso dos panfletos de maneira educativa e informativa contribui, sim, para o empoderamento das mulheres no Seridó e, por consequência, no país. “Empoderar-se pressupõe conhecer e reconhecer minha (nossa) participação enquanto cidadãos constituídos de deveres, mas também de direito”, fala. Para ela, ter o conhecimento sobre os direitos femininos é indispensável para exigi-los a quem os deve garantir. Ela reforça: “Ainda mais quando o recorte espacial está totalmente inserido no nosso contexto social e de vivências cotidianas”.
Em um país com a maioria da população formada por mulheres, a repercussão do projeto educativo no Seridó, em consonância com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes, do Ministério da Saúde, a qual visa garantir a integridade e o cumprimento das políticas públicas voltadas à saúde da mulher, impactou a vida de várias mulheres seridoenses. “É nesse sentido que esse projeto se preocupa com a democratização do direito da saúde na região do Seridó. O conhecimento dos direitos que lhe assistem consiste no primeiro passo para a busca pela concretização”, reforça a coordenadora do projeto.
Próximos caminhos
O projeto de extensão, mais uma vez, floresceu no clima semiárido do Seridó. Neste mês foi lançada, nas redes sociais do projeto, a cartilha Direito da Saúde Aplicado à Mulher no Seridó-RN. “O novo produto surgiu a partir da informação que nos foi fornecida, por uma parte das instituições que compõem o nosso público-alvo, de que a versão impressa dos folhetos publicados em 2021 estava sendo mais utilizada que a versão online, dada a falta de recursos tecnológicos”, enfatiza Oliveira.
Para suprir a demanda apresentada pelas entidades que participaram da primeira etapa do projeto, a cartilha reúne todos os conteúdos dos seis folhetos informativos divulgados anteriormente. Já publicada de maneira online, a cartilha ainda será impressa e distribuída nos municípios seridoenses, A intenção do novo formato compilado de informações, segundo Renata, é para facilitar o acesso à informação e o manuseio prático. A professora acredita que o novo material será mais durável e poderá ser mais amplamente utilizado em escolas e unidades de saúde.
O projeto deseja continuar florescendo, plantar novas sementes e colher novos frutos e, principalmente, educar por meio da informação o maior número de mulheres. O próximo passo é a elaboração de uma segunda cartilha, agora com a temática dos direitos sexuais e reprodutivos, com abrangência nacional. O novo produto será resultado da parceria com o Grupo de Trabalho Direito à Saúde da Mulher, coordenado pela advogada Débora Gozzo, da Comissão da Mulher Advogada, da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo. Para Renata, o conhecimento é como um poder que, aliado ao Direito, contribui para a preservação e o restabelecimento da saúde das meninas, adolescentes e mulheres.
Fonte: Agecom/UFRN