A The Lancet Regional Health, uma das principais revistas científicas do mundo na área de saúde, traz, em sua mais recente edição, um artigo com os resultados do projeto Sífilis Não. O artigo intitulado Use of Interrupted Time Series Analysis in Understanding the Course of the Congenital Syphilis Epidemic in Brazil é um trabalho científico de autoria de um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, todos vinculados ao Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN).
Com o título em português Uso da Análise de Séries Temporais Interrompidas na Compreensão do Curso da Epidemia de Sífilis Congênita no Brasil, o artigo publicado na The Lancet foi desenvolvido por meio de cooperações técnicos-científicas nacionais e internacionais com cientistas da Universidade Harvard, nos Estados Unidos; da Universidade de Athabasca, no Canadá; da Universidade de Coimbra, em Portugal; da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e da Universidade Federal do Espírito Santo, ambas no Brasil.
Como uma das revistas mais importantes do mundo científico, os periódicos da The Lancet têm amplo alcance global, com mais de 84 milhões de visitas anuais no seu site e 141 milhões de artigos baixados em seus endereços eletrônicos.
Todo o trabalho é baseado na tese do professor Rafael Pinto, doutorando do Programa de Pós-graduação em Sistemas e Computação da UFRN, sob a orientação dos professores Lyrene Silva e Ricardo Valentim, ambos da UFRN.
O artigo apresenta achados científicos importantes no âmbito do enfrentamento à sífilis no Brasil, ao mesmo tempo em que discute resultados baseados na utilização de métodos computacionais, com robustos modelos estatísticos de regressão linear para medir a efetividade de políticas públicas de saúde. A regressão linear é uma forma matemática que os cientistas utilizam para observar e demonstrar tendências, ou seja, se os casos estão subindo ou reduzindo.
Os cientistas conseguiram demonstrar no artigo a efetividade das ações de intervenção do projeto Sífilis Não no território brasileiro. Os resultados apontam que, caso o conjunto de ações do projeto não tivessem sido implementadas, o Brasil poderia ter vivenciado um aumento de 28,79% dos casos de sífilis congênita nos municípios brasileiros – definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde – até o final de 2019.
De acordo com os pesquisadores, os resultados são animadores, pois conseguiram demonstrar que os métodos computacionais aplicados contribuíram para avaliar a efetividade de políticas públicas de saúde. “Isso é muito inovador e impactante, pois permite a utilização de novas metodologias de avaliação e monitoramento das políticas públicas de saúde, o que fortalece a gestão pública e fortalece o controle social”, disse o professor Ricardo Valentim.
Outro achado científico importante, discutido no artigo pelos autores, também com base nos algoritmos computacionais elaborados por eles, é que o Brasil, depois de mais de uma década, conseguiu mudar a tendência das notificações dos casos de sífilis. O país mantinha, até 2018, aumento de casos ano após ano. No entanto, a partir de 2019, foi verificada redução dos casos de sífilis adquirida, em gestantes e congênitas. Apesar de ainda ser necessário superar vários desafios, por exemplo, o de eliminar a transmissão vertical da sífilis congênita no país, os cientistas consideram esse um dado importante, pois não é fácil, e nem trivial, mudar uma trajetória negativa de notificação de casos depois de mais de 10 anos de aumentos sucessivos.
Os métodos computacionais aplicados correlacionaram essa mudança positiva de tendência às intervenções do projeto Sífilis Não. “Os casos passaram a reduzir no Brasil depois deste projeto. Esse fenômeno já não era registrado no Brasil há muito tempo, mais de uma década com registros de aumento de casos não é fácil de superar”, ressaltou Rafael Pinto, um dos autores do artigo.
O cenário da sífilis no Brasil
Nos anos de 2019 e 2021, o Brasil registrou redução nos casos de sífilis em todo o território, modificando uma tendência de mais de uma década. Os dados mais expressivos dizem respeito aos casos de sífilis congênita, que apontam para uma maior testagem das gestantes e tratamento, evitando a infecção do bebê, ou seja, reduzindo a transmissão vertical, algo desejável e preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os dados são do Boletim Epidemiológico – Sífilis 2021, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, divulgado no último mês de outubro do mesmo ano, com informações obtidas por meio de levantamentos realizados em todos os estados brasileiros.
A mudança de comportamento foi percebida por meio dos números. A redução nos casos de detecção de sífilis adquirida alcançou o patamar de 26,6%. Já para os casos de sífilis congênita, quando a criança é infectada pela mãe durante a gestação ou no parto, foi de 9,4%. De acordo com o boletim epidemiológico, a sífilis adquirida, agravo de notificação compulsória desde 2010, teve uma taxa de detecção de 54,5 casos por 100.000 habitantes em 2020. Também em 2020, a taxa de detecção de sífilis em gestantes foi de 21,6/1.000 nascidos vivos; a taxa de incidência de sífilis congênita, de 7,7/1.000 nascidos vivos; e a taxa de mortalidade por sífilis congênita, de 6,5/100.000 nascidos vivos.
Essas reduções são resultantes de uma mudança de comportamento da população, impulsionada por políticas públicas e ações efetivamente colocadas em prática. Um dos pontos importantes nesse cenário é o projeto Sífilis Não, com forte atuação em todo o território brasileiro desde 2018. O projeto é resultado de uma cooperação técnica entre a UFRN, por meio do LAIS, e o Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
De acordo com o artigo científico, a questão da epidemia no Brasil mostra resultados importantes com relação à sífilis adquirida, sífilis em gestante, mas principalmente no que diz respeito à sífilis congênita. O que mais chama a atenção é que após a intervenção do Sífilis Não como ferramenta de indução de política pública do Ministério da Saúde esses dados começam a melhorar. É importante destacar que o Brasil vinha aumentando o número de casos em todos os tipos de sífilis até o ano de 2017 e, após o projeto esses dados começam a decair. Essa tendência se manteve também no ano de 2020.
O diretor executivo do LAIS, professor Ricardo Valentim, explica que o cenário aponta para um aumento nas notificações de sífilis em gestantes, numa comparação entre os anos de 2018 e 2020. No entanto, neste mesmo período houve uma redução dos casos de sífilis congênita. Para Valentim, as notificações de sífilis em gestantes representam que essa mulher está recebendo o atendimento adequado durante o pré-natal, mas também apontam para uma redução significativa nos casos de sífilis congênita. Ou seja: a testagem está funcionando e essa gestante está sendo tratada, evitando que a infecção seja transmitida para o bebê. “Isso mostra que o Sífilis Não tem contribuído de maneira importante, como ferramenta de indução de política pública do Ministério da Saúde na redução dos casos de sífilis em todo o país. Esse é um dado que merece ser comemorado, mas sempre alertando a população para a consciência quanto a prevenção, testagem e tratamento em relação à sífilis. Ainda há muito a ser feito no Brasil, pois precisamos reduzir a taxa de sífilis congênita para os patamares aceitáveis, como preconizado pela OMS”, ressaltou o diretor do LAIS.
Projeto Sífilis Não
Lançado em 2017 o Projeto de Pesquisa Aplicada para Integração Inteligente Orientada ao Fortalecimento das Redes de Atenção para Resposta Rápida à Sífilis – também conhecido como Projeto Sífilis Não – é resultado de uma parceria entre Ministério da Saúde, o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). O principal objetivo do projeto é contribuir juntamente com outras ações (federais, estaduais e municipais) no enfrentamento à infecção de sífilis no território brasileiro. Para tanto, o projeto está estruturado em quatro eixos: vigilância; gestão e governança; cuidado integral; e educomunicação.
Outro eixo fundamental do projeto diz respeito às questões de internacionalização da pesquisa. Neste ponto, o LAIS tem feito grandes articulações internacionais com a França, Portugal, Estados Unidos e Espanha, fechando cooperações com universidades que desenvolvem pesquisas com expertises nos eixos do projeto. “Entre eles está o desenvolvimento de tecnologia, inovação, de recursos educacionais, e de comunicação. Por isso, as missões atuais com essas universidades têm este enfoque”, explicou o diretor do Laboratório.
O LAIS tem acompanhado o consenso internacional sobre a importância da cooperação técnica, científica e tecnológica para ampliar o acesso ao conhecimento e novas tecnologias em favor do fortalecimento institucional, da qualidade das políticas públicas e do progresso dos países.
Imagem: Reprodução
Fonte: Ascom/UFRN