Um grupo de seis cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) recebeu do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) o patenteamento de uma nova tecnologia inovadora que promete ser mais uma alternativa para o diagnóstico do câncer e de doenças inflamatórias crônicas. O dispositivo que recebeu o registro consiste em utilizar anticorpos altamente específicos direcionados para alguns elementos celulares, chamados de “marcadores”. Essas substâncias são então combinadas com uma molécula fluorescente, situação que permite a visualização das células cancerígenas em um microscópio de fluorescência, por exemplo.
“Esse marcador pode ser uma proteína pró-inflamatória, uma proteína de superfície celular que permita identificar determinada célula, e pode ser alguma proteína específica produzida por esta célula em contextos diversos. São inúmeras as possibilidades. No estudo do câncer, por exemplo, a técnica nos permite identificar quais células estão envolvidas tanto no combate, como também na progressão do tumor, identificar a origem de tumores metastizados, bem como a forma com que essas células atuam, além de nos permitir visualizar algumas das mudanças que as mutações do câncer geram nas células”, pontua Vinícius Barreto Garcia.
Aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPgCSa), ele idealizou, executou os experimentos e escreveu o pedido de patente. No estudo, os pesquisadores usam a técnica da imunofluorescência, ferramenta valiosa para se compreender como as nossas células e órgãos se comportam durante determinada doença e como ambos respondem a tratamentos. O uso do termo valioso não é à toa: como técnica de ponta, a imunofluorescência depende de reagentes caros – especificamente nesse caso, os anticorpos associados ao fluoróforo, partícula fluorescente.
Vinícius explica que a técnica utilizada é também resultado da procura por uma alternativa mais barata, que pode ser produzida pelo próprio laboratório na UFRN, e cujos resultados sejam equivalentes à técnica padrão já consolidada. “Pesquisadores no Brasil frequentemente são expostos a situações em que eles têm que ‘fazer mais com menos’, e nossa invenção é um retrato disso”, frisa o estudante. Na pesquisa, o grupo substituiu o anticorpo associado ao fluoróforo por nanopartículas de ouro. A partir daí, desenvolveram dois protocolos para viabilizar a execução da técnica não só em período padrão (de em torno de 35 horas), como também num protocolo mais curto, de 16 horas. As nanopartículas de ouro possuem propriedades físico-químicas únicas, permitindo a sua interação com membranas e, consequentemente, as suas aplicações biomédicas.
Barateamento e rapidez
“O nosso invento torna a técnica de imunofluorescência mais barata e rápida. Isso é bastante interessante, tanto para a pesquisa acadêmica, como para o diagnóstico. Na época em que estávamos desenvolvendo esses protocolos, a imunofluorescência padrão para 100 amostras nos custava em torno de 6 mil reais e demandava um tempo de 35 horas, enquanto os protocolos com nanopartículas de ouro nos custavam em torno de 2 mil reais e podemos utilizá-las mesmo em protocolos mais curtos, de 16 horas”, explica Raimundo Fernandes de Araújo Júnior.
Atualmente desenvolvendo atividades acadêmicas na Holanda, o professor Raimundo Araújo coordenou os experimentos, cujos resultados pavimentaram parcerias com equipes da Europa e da América do Sul. O docente realça que a patente é fruto de um esforço conjunto entre o Laboratório de Investigação do Câncer e Inflamação (LAICI), que conta com professores do Departamento de Morfologia (DMOR), de Farmacologia (DBF) e do Instituto de Química. Dentro do grupo de inventores envolvidos, estão Ana Luíza Cabral de Sá Leitão Oliveira, Luiz Henrique da Silva Gasparotto, Heloiza Fernanda Oliveira da Silva e Aurigena Antunes de Araújo.
O LAICI, há menos de três anos, ampliou os testes da nanopartícula de ouro aplicada à imunofluorescência em tecidos parafinizados, o que resultou na publicação de um paper. No trabalho, além dos protocolos reivindicados na patente, foi criado mais um protocolo que consiste já na utilização do anticorpo com fluoróforo em conjunto com as nanopartículas. Como consequência, as nanopartículas mostraram-se como potencializadores da fluorescência emitida pelo fluoróforo do anticorpo, permitindo, assim, que o anticorpo fosse utilizado em uma diluição bem maior quando associado às nanopartículas de ouro.
“Consideramos que a tecnologia já está plenamente desenvolvida, pois foi toda pensada para se adequar à realidade do nosso próprio laboratório. Assim, para as nossas pesquisas, ela já é plenamente executável, e também pode ser para qualquer laboratório que utilize imunofluorescência em seus estudos. Mas, sem dúvidas, sempre há espaço para aprimoramentos. Tudo vai depender do tipo de aplicação a que essa tecnologia será destinada”, explica Raimundo.
“A necessidade é a mãe das invenções”
Da monitoria do componente Histologia, no segundo semestre da graduação, a biomédico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mestre em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (2017), aluno de doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde e aprovado recentemente em concurso para docência, são menos de dez anos. O relativo pouco espaço temporal não impediu Vinícius Barreto Garcia de enxergar a ciência como instrumento de produção aplicada de conhecimento voltado para necessidades coletivas.
“No ensino médio eu tinha um professor que dizia que ‘a necessidade é a mãe das invenções’. Elaborar uma patente me permitiu vivenciar essa verdade. É um processo que te apresenta um problema que milhares de outros pesquisadores já conhecem, mas te obriga a pensar numa solução que nenhum deles pensou. Assim, ao ser um cientista-inventor, eu acabo tornando mais palpáveis algumas descobertas científicas que pareceriam um tanto abstratas para um leigo. Uma coisa é você dizer que descobriu um novo gene que está envolvido no processo de metástase. Outra é você apresentar para um paciente com câncer um medicamento inovador que pode frear esse processo, ou até curá-lo. Por isso, os programas de pós-graduação deveriam incentivar mais dos seus alunos a produção de patentes. Nos torna cientistas mais completos e diferenciados”, coloca o doutorando.
Refletindo, Vinícius vai um pouco além. Destaca o processo de patenteamento como item agregador, pois contribui para a relevância da Universidade diante a sociedade, sem falar da relevância para o aprimoramento das pesquisas e dos métodos diagnósticos. “Falando como estudante de doutorado, o processo instiga no aluno pesquisador o seu lado criativo e inventivo, além de ser um diferencial na nossa carreira. Todo aluno de doutorado deve produzir, pelo menos, um paper. Assim, ter artigos publicados é o mínimo que se espera de nós. Uns produzem mais, outros menos. Uns publicam em revistas com mais relevância que outros, mas, embora o esforço para publicar um artigo científico exercite muito o lado investigativo e questionador do pesquisador, esse é apenas um aspecto do valor que um cientista tem para a sociedade. O outro aspecto é a capacidade dele de resolver problemas, e foi isso que conseguimos com essa nossa patente”, finaliza.
Fonte: Agecom/UFRN