Embora reconheçamos que todas as áreas do conhecimento são essenciais para a formação humana, consideramos que o trabalho com a linguagem é, de certo modo, especial. Como disse o poeta mexicano Octavio Paz, “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade”.
Como o objetivo, neste espaço, é tornar a leitura mais dinâmica e divulgar regras e curiosidades da língua portuguesa, de modo divertido e simples, fugindo da sisudês gramatical, exemplos do dia a dia foram selecionados a fim de tornar o texto mais construtivo e prazeroso.
Para começar, segue uma dica quanto ao “tamanho do estado”. Há certa confusão em relação ao uso dos termos “Estado” e “estado”. Uma boa alternativa é considerar que se escreve com inicial maiúscula quando empregamos em sentido político: “O desafio do novo governo é diminuir o tamanho do Estado”. Se a ideia é referência à unidade da federação, emprega-se a inicial minúscula: “O estado do RN tem dificuldades financeiras”.
Há pouco tempo, a imprensa só falava em “disputa pela presidência da Câmara e do Senado”. O substantivo “disputa” é uma cacofonia pronta. Um dos mais famosos cacófatos é a frase “Ela é mulher que se disputa”. Para quem quer fugir do polêmico substantivo e da forma verbal, seguem sinônimos de verbos que podem ser transformados em substantivos: atalhar, competir, concorrer, pleitear, rivalizar.
A primeira frase da canção “Língua”, de Caetano Veloso, é “Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões”. O segundo verso diz “Gosto de ser e de estar”. Essa diferença entre os verbos (ser e estar) apareceu no discurso de posse do novo presidente da Câmara, Arthur Lira: “Estarei presidente. Toda glória é efêmera. E na vida pública o essencial não são as pompas, mas o que deixamos como legado”. Mandou muito bem no “estarei” em vez de “serei”. “Estar” indica algo momentâneo; “ser”, permanente.
Quanto às pompas, saiu-se muito bem na concordância da frase “E na vida pública o essencial não são as pompas, mas o que deixamos como legado”, pois se o sujeito se referir a coisas ou objetos, o verbo “ser”, de preferência, não concorda com ele: “o essencial não são as pompas”.
Por falar em política, muita gente pergunta aos jovens se eles já “tiraram o Título de Eleitor”. É importante fazer isso, quando se vai votar, pois tira-se o Título da carteira ou de onde estiver guardado. No entanto, se a ideia é ir a uma repartição competente para se habilitar ao Título de Eleitor, solicita-se a confecção.
Não é de hoje que a letra H (agá) causa confusão. Ela é a única do alfabeto que, em nossas palavras nativas, não tem som. Som mesmo só em palavras vindas do estrangeiro. Mas alguns vocábulos rejeitam a letra, mas aceitam-na em suas derivadas. De “erva” derivam “herbicida”, “herbívoro” e “herbáceo”.
Então, “o que é que a Bahia tem? ” Antigamente, para indicar o hiato – e pronunciar corretamente uma palavra – usava-se o “H”. O acento veio depois. Escrevia-se “sahida”, “bahia”, “pirahy”. Se não houvesse o “H”, a leitura seria “sáida”, “báia”, “pirái”. Mas o Piauí resolveu se modernizar e mudou a grafia de “Piahuy” para a versão atual. Os baianos (sem “H”, assim como todas as palavras derivadas) acharam que dava muito trabalho alterar. O H (agá) era a letra da malandragem, pois, quando alguém desconfiava da versão de outrem, dizia: “Isso é um agá”, “Olha que agá!”. Aos poucos, o “H” vem sendo trocado pelo “L” na gíria.
Curiosidade, também, reside nas cores dos times de futebol. As agremiações futebolísticas, por vezes, são identificadas pelas cores. O alviverde Palmeiras conquistou a Taça Libertadores da América, enfrentando o alvinegro Santos. O time que tem as cores verde e branca também pode ser chamado de “albiverde” (forma menos usada). Essa troca do “V” pelo “B”, ou vice-versa, é mais comum do que se pode imaginar na língua portuguesa, principalmente na formação do grau absoluto sintético. Vejamos: amável – amabilíssimo; incrível – incredibilíssimo; livre – libérrimo; miserável – miserabilíssimo; notável – notabilíssimo.
Voltando aos times, a camisa da seleção argentina é alviceleste (branca e azul). O termo “azulino” identifica o CSA, de Alagoas. As duas expressões soam melhor que “alvicerúleo”, forma de igual modo adequada.
Muito cuidado, pois “alviverde”, “alvinegro” e “alviceleste” não apresentam curiosidade na grafia. Juntam-se os termos que designam as cores sem mais delongas. Mas “alvirrubro” tem uma curiosidade: o duplo “R”. Essa foi a saída para preservar o som do “R” em “rubro” (som semelhante ao de “rato”, “rei”). Se a grafia ocorresse com apenas um “R”, o som seria como o de “carinho”, “Caruaru”. O Clube de Regatas Brasil (CRB), de Alagoas, prefere ser identificado como “regatiano”.
Já que o assunto é futebol, não há hifen que tenha coragem de separar os prefixos “bi”, “tri”, “tetra”, “penta” etc. do termo campeão. “Eneacampeão” (nove vezes) e “decampeão” (dez vezes) são usados geralmente quando os títulos são consecutivos. Quando alguém ou uma equipe vence por onze vezes consecutivas, chamamos “hendecacampeão”. Entenda-se que “a boca do justo medita a sabedoria, e a sua língua enuncia palavras de justiça”. (Sl 37,30).
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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