Os estudos etimológicos são estudos da realidade que nos envolve e que, de certo modo, criamos. Tais estudos nos reservam interessantes ensinamentos, e nos ajudam a definir nossa identidade.
Um desses interessantes ensinamentos nos remete ao século XVI, quando, no Concílio de Trento, estabeleceu-se que os registros batismais deveriam conter, a partir daquele momento, não só o prenome (em geral inspirado pela Bíblia ou pela biografia de um santo ou uma santa), mas também o sobrenome.
Até então, para distinguir pessoas de mesmo prenome, usava-se o local de nascimento. Esse recurso foi bastante copiado aqui no Brasil, basta vermos Paulo de Tarso, Rita de Cássia, José de Arimateia, Francisco de Assis, Maria de Fátima e tantos outros nomes de procedência religiosa.
Com a decisão da Igreja, muitos adotaram, na hora de batizar seus filhos, o “cognome profissional” que antes se utilizava no dia a dia para identificar o pai daquela família e seus descendentes, pois não era incomum que o ofício do pai fosse aprendido pelo filho. O filósofo Jean-Paul Sartre, certamente, teve antepassados que exerceram a profissão de alfaiate. Essa antiga e importante profissão fixou-se num sobrenome em francês, espanhol, italiano, inglês e alemão. Em francês, alfaiate era “sartre”, do latim “sartor”, aquele que faz e remenda roupas.
Os dicionários poucos dizem sobre o que as palavras dizem. Por isso a etimologia atrai a atenção daqueles que esperam algo mais do que definições convencionais. Cada morte e cada renascimento das palavras, ao longo do tempo, promovem o andamento do pensar, sobretudo quando nos mantêm em contato com o arroubo de suas origens.
Entrando na área jurídica e na política, temos palavras muito interessantes. Cuidar das atividades de uma cidade ou Estado é ciência complexa. Em grego, chamava-se “politiké”, em referência à “pólis”, a cidade-estado grega. A ciência jurídica consiste em “ministrar justiça”, “iura dare”, como diziam os latinos.
A palavra candidato vem do latim “candidatus”, isto é, vestido de branco (candidus). Na antiguidade, aquele que disputava um cargo público e precisava angariar votos vestia-se de branco, procurando encarnar a pureza e manifestar as melhores intenções.
Senado – “senatu”, em latim – era o lugar onde os mais velhos se reuniam para tomar decisões sobre os melhores rumos do Império Romano. “Senado” vem de “senex”, isto é, “velho”, palavra muito respeitada, pois os mais velhos têm mais experiência e, supostamente, mais sabedoria. Dai também o nosso pronome de tratamento “senhor”, e o adjetivo “sênior”.
O vereador e suas veredas. Há duas possibilidades: vereador e verear são parentes próximos, significando este verbo o caminhar pelas veredas (ruas e avenidas são veredas), a fim de constatar problemas da cidade, ou “vereador” é aquele que verifica, que observa a verdade (veritas) das práticas políticas, do modo de governar.
Desembargador é quem abre portas. Na porta fechada, trancada, foi colocada uma barra. Em latim vulgar, “imbarricare” era colocar esse obstáculo, impedindo saída e entrada. Daí a importância de alguém possa desembargar processos, trazer soluções. O prefixo “des” se encarrega dessa tarefa. A palavra “desembargador” firmou-se a partir do século XV.
A rigor, a penitenciária deveria ser lugar de arependimento e mudança de vida, conforme a palavra latina “poenitentia”, “pesar”, “contrição”. A palavra “arrepender-se” procede do latim vulgar “repoenitere”, isto é, sentir o peso da culpa e dela querer libertar-se.
O “processus”, em latim, é movimento para a frente, avanço, desenvolvimento. O que está em processo está em progresso. O prefixo “pro” indica essa ação em união com o verbo “cedere”, “andar”, “caminhar”.
No latim, o verbo “absolvere” reunia uma série de significados positivos: “perdoar”, “libertar”, “deixar ir embora”. O verbo “solvere”, que compõe a palavra maior, referia-se, entre suas várias acepções, ao ato de levantar âncora e deixar o navio partir: “solvere navem”. “O coração prudente adquire o conhecimento; o ouvido dos sábios procura a instrução.” Pr 18,15
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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