Fascinante, misterioso e capaz de aguçar a curiosidade de adultos e crianças, o corpo humano é um universo cheio de detalhes a serem estudados. Desde as fibras musculares aos órgãos responsáveis pelo funcionamento de cada sistema vital, passando pelas articulações e estruturas ósseas, o conhecimento da anatomia permitiu, ao longo dos anos, o desenvolvimento da medicina, a melhoria da qualidade de vida, a criação e o aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas, bem como outros benefícios para a humanidade.
Possivelmente um dos principais símbolos de estudo do corpo humano, os laboratórios de anatomia das universidades formam um sem número de profissionais das mais diversas áreas da saúde. E, assim, como contribuem para a evolução do conhecimento, a maneira de estudar a anatomia também evolui e ganha novos elementos, técnicas e métodos. A plastinação é, certamente, um exemplo disso.
No Brasil, muitas instituições dominam a técnica e a utilizam com maestria. A UFRN, no entanto, foi além e tornou-se a primeira universidade brasileira a construir um laboratório projetado desde o início especificamente para a plastinação. Localizado no Centro de Biociências (CB), sob administração do Departamento de Morfologia, o Laboratório de Plastinação (LabPlast) completa um ano do início de suas atividades e qualifica o ensino, a pesquisa e a extensão praticados pela comunidade acadêmica.
Plastinação é uma técnica que permite conservar espécimes biológicos, como órgãos isolados ou mesmo um corpo inteiro, sem o uso constante de formol, removendo água e gordura e as substituindo por um polímero plástico no interior dos tecidos. Com isso, todas as características anatômicas dessas peças são preservadas, porém secas, sem cheiro e com uma durabilidade maior.
“É benéfico para os estudantes, pois eles deixam de ter contato com substâncias relativamente tóxicas para lidar com uma peça real, natural, sem comprometimento à própria saúde, e também para nós, técnicos e professores, que estamos diariamente no laboratório. O Formol é uma substância que irrita a mucosa do nariz, o olho, e com a plastinação esses problemas são resolvidos”, explica a técnica do Laboratório de Plastinação, Ivana Nicácio.
Todo esse processo, porém, começa com uma boa dissecação, feita pelos técnicos do Laboratório de Anatomia e por estudantes do curso de medicina, fundamental para que as peças fiquem em condições para os passos seguintes. Depois, em câmaras dotadas de tecnologia e segurança adequadas, acontecem os procedimentos de desidratação, impregnação e cura dos polímeros.
O tempo de conclusão do processo de plastinação pode variar de acordo com o tamanho de cada peça. Órgãos menores como coração e rins levam por volta de 30 dias, já membros superiores e inferiores são três meses, enquanto um cadáver adulto chega a um semestre inteiro para ser completamente plastinado. Desde março de 2020, o laboratório produziu aproximadamente 70 espécimes entre órgãos e outros segmentos corporais.
Inicialmente, o material produzido no Laboratório de Plastinação tem o objetivo de atender aos cursos de graduação das áreas biológica e de saúde, em especial à Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa), em Santa Cruz, e à Escola Multicampi de Ciências Médicas (EMCM), em Caicó. Com a produção atual, ainda que impactada pela pandemia do novo coronavírus, o laboratório já construiu um acervo significativo a ser enviado para a EMCM.
No entanto, para além da formação de seus estudantes, o Laboratório de Plastinação abre uma série de possibilidades. Uma delas é na extensão, conforme vislumbra o coordenador do LabPlast, Expedito Silva do Nascimento. Para o professor do Departamento de Morfologia, as peças plastinadas podem ser levadas às escolas de Natal e expostas em espaços públicos de grande circulação, proporcionando conhecimento à população.
“Com o laboratório vamos iniciar diversas parcerias para renovação dos acervos de ciências e biologia das escolas públicas. Tal projeto visa ao fortalecimento do ensino de ciências em nível fundamental e médio”, explica o professor Expedito, apontando para o futuro do LabPlast.
Outra contribuição muito bem-vinda, segundo o coordenador do laboratório, refere-se ao fortalecimento da política museológica da UFRN. A instituição, atualmente contando com quatro museus sob sua administração, amplia as oportunidades de incrementar seus acervos, sobretudo para o Museu de Ciências Morfológicas.
“Uma importante ação de extensão vinculada ao laboratório está associada à elaboração de uma ampla exposição sobre o corpo humano junto ao Museu de Ciências Morfológicas da UFRN. Tal exposição terá caráter itinerante e irá percorrer shoppings, escolas em Natal e no interior do estado do Rio Grande do Norte. O objetivo é a divulgação científica e despertar o interesse da sociedade pelo tema”, afirma Expedito.
Além da extensão, na avaliação do professor Expedito, há ganhos relevantes também em campos de estudo relacionados a materiais. “Adicionalmente, possibilita avanços em pesquisa na área de desenvolvimento de polímeros com forte tendência para criação de novas patentes”, analisa o docente.
Doação de corpos
Todo esse trabalho depende, naturalmente, de que o Laboratório de Anatomia Humana da UFRN disponha de corpos reais. Nesse sentido, a instituição conta basicamente com duas fontes: a aquisição de cadáveres não reclamados junto ao Serviço de Verificação de Óbitos, do Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande do Norte (Itep-RN), e o Programa de Doação Voluntário Para Estudos Anatômicos.
“Eu não posso treinar um cirurgião utilizando um boneco. Esse profissional em formação precisa ter à disposição um modelo que represente a realidade do corpo humano para treinar”, comenta o professor Expedito Nascimento, ao ilustrar o tamanho da importância dos corpos doados à universidade. Para obter mais informações sobre os procedimentos de doação, visite o site do Departamento de Morfologia da UFRN.
Por Marcos Neves Jr.
Fonte: Agecom/UFRN