Pobre, negra e desempregada, Patrícia da Silva, 33 anos, está presa há 88 dias no Centro de Detenção Provisória de Parnamirim, região da Grande Natal, mesmo não havendo qualquer denúncia formal contra ela. O caso é mais um flagrante de violação dos Direitos Humanos pela Justiça do Rio Grande do Norte.
Um pedido de relaxamento de prisão foi negado nesta segunda-feira (24) pelo juiz de plantão da comarca de Santa Cruz sob alegação de que não há urgência no caso. Um pedido de habeas corpus será apresentado ainda hoje.
A vítima foi presa preventivamente em 28 de setembro deste ano, junto com mais 15 acusados, por suposta prática de crime de associação criminosa e tráfico de drogas. Os mandados de prisão foram cumpridos como desdobramento da operação Silêncio, que investigava crime organizado na região de São José do Campestre, município localizado a 103 quilômetros de Natal (RN).
Após as investigações preliminares a partir das prisões, o Ministério Público denunciou 15 pessoas à Justiça e, diante da falta de provas contra Patrícia da Silva, pediu, em 13 de novembro, o arquivamento da denúncia contra ela.
Todavia, analisando-se as provas constante dos autos não foi possível, ao menos até o presente momento, obter-se provas suficientes contra a pessoa de Patrícia da Silva razão pela qual vem o Ministério Público promover o arquivamento do inquérito policial contra a mesma”, diz o pedido assinado pelos promotores de Justiça Emanuel Dhayan Bezerra de Almeida, Fausto de França Júnior, Rafael Silva Pires Paes Galvão, Ana Patrícia Montenegro de Medeiros Duarte e Liv Ferreira Augusto Severo Queiroz.
Em decisão interlocutória expedida no dia seguinte, o juiz da comarca de São José do Campestre Rainel Batista Pereira Filho aceitou a denúncia contra os acusados, mas ignorou o pedido de arquivamento em favor de Patrícia.
A advogada Vani Fragosa soube do caso após visitar uma cliente também presa no Centro de Detenção Provisório de Parnamirim, decidiu assumir a defesa de Patrícia e apresentou um pedido de relaxamento de prisão nesta segunda-feira (24), já negado pela Justiça
– Como o magistrado não se manifestou sobre a liberdade da requerente, acabou tornando a prisão ilegal”, escreveu a advogada no pedido de soltura evocando o artigo 5º da Constituição Federal, para quem todos são iguais perante a lei.
Patrícia da Silva não tem instrução e permanece a maior parte do tempo calada na prisão. Ela mora na periferia de São José do Campestre e tem cinco filhos menores de 18 anos, distribuídos nas casas de vizinhos e familiares da região.
– Patrícia não fala com ninguém, a diretora do centro de detenção disse que não sabia do caso. Os filhos de Patrícia estão espalhados nas casas de vizinhos e tudo o que ela quer é passar o Natal em casa com a família”, disse Vani Fragosa, em contato com a agência Saiba Mais.
Juiz de plantão nega pedido alegando não haver “urgência”:
O juiz de plantão da comarca de Santa Cruz Ederson Solano Batista de Moraes negou nesta segunda-feira (24) o pedido de relaxamento de prisão de em favor de Patrícia da Silva alegando que não há excepcionalidade ou urgência no caso para ser julgado pelo magistrado plantonista.
Analisando os autos, vejo que a matéria ora discutida não possui a excepcionalidade inerente ao regime de plantão, porquanto poderia ter sido requerida durante o expediente normal, não existindo urgência capaz de torna-lo imprescindível e inadiável.
O magistrado se debruça, na decisão, sobre questões corporativas, como uma suposta jurisprudência que o caso poderia criar entre juízes:
Numa análise mais aprofundada acerca da possibilidade, ou não, da apresentação de pedido de relaxamento, em sede de plantão, observa-se que deve prevalecer o posicionamento no sentido da impossibilidade, na medida em que, em demandas vindouras, caso a tese da possibilidade seja aceita jurisprudencialmente poderá haver grave afronta ao princípio do juiz natural, diante da criação de oportunidade para que os causídicos, por exemplo, escolham qual magistrado apreciará suas questões como matéria de plantão, colocando o plantonista na condição de revisor dos atos de seus colegas.
Na decisão, o juiz Ederson de Morais escreve que a advogada fez uma interpretação errada do artigo 5º da Constituição Federal, faz referência a um suposto risco no princípio do juiz natural, mas foi incapaz de enxergar que há uma mulher pobre, preta e desempregada presa há 88 dias sem qualquer denúncia formal contra ela.
Pastoral Carcerária classifica falha judicial como “grave violação aos Direitos Humanos”:
A coordenadora da Pastoral Carcerária Guiomar Veras classificou o episódio como uma “falha do sistema de Justiça e uma grave violação aos Direitos Humanos”. Guiomar soube do caso envolvendo a desempregada Patrícia da Silva pela equipe da agência Saiba Mais e ficou surpresa com a situação da vítima.
Sem dúvida é uma falha do sistema de Justiça que chega ao nosso conhecimento. Não é comum, mas é grave. Entendo como grave porque a privação de liberdade, sobretudo no sistema de uma perversidade incrível como é o sistema prisional, já é traumática para qualquer pessoa. Um único dia que se passe no sistema prisional do Estado já é traumático e o CDP de Emaús não oferece condições sequer para a custódia de pessoas”, comentou.
Questionada sobre a maioria das vítimas de erros semelhantes serem sempre de classes sociais menos favorecidas, Guiomar lembrou que a própria defesa, que deveria ser feita pelo Estado através da Defensoria Pública, falhou também:
O sistema carcerário, em sua grande maioria, é preenchido por pessoas de endereço e cores certas, grau de escolaridade baixo. E erros desse tipo mostram também a fragilidade na defesa, a própria ausência de uma defesa atenta, como passo segundo após a própria prisão. Sem dúvida é uma grave violação aos Direitos Humanos.
Fonte: Agência Saiba Mais
Imagem: Agência Saiba Mais