No mundo da gramática da língua portuguesa, há uma classe gramatical que muitas vezes é esquecida, quando não é omitida por falta de domínio das regras. Diz o ditado – com o qual não concordo – que “tamanho não é documento”. Minha teoria, neste caso, refere-se ao uso das preposições. Seu emprego adequado possibilita a construção de textos mais coesos e coerentes. Esquecê-las é criar obstáculos para o leitor, assim como as pedras no caminho de Drummond, que repetia: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho”.
Frequentemente, encontramos locuções formadas pela mesma palavra e preposições diferentes. Um desses casos é “a princípio”, “em princípio” e “por princípio”, formas empregadas, vez por outra, de maneira equivocada. “A princípio” equivale a “no início”, “inicialmente”. Esse sentido é o que mais se aproxima de um dos significados do substantivo “princípio” (o primeiro momento da existência de algo, de uma ação ou processo; começo, início). Por isso, “a princípio” deve aparecer em frases como: “A princípio recusei a proposta, mas, após o detalhamento, aceitei-a”. Já “em princípio” significa “antes de qualquer consideração”, “de forma geral”; “por princípio” corresponde a “por convicção”: “O chefe não delegava atribuições, por princípio”.
Duas locuções com a palavra “medida” também são usadas de forma equivocada constantemente: “à medida que” e “na medida em que”. A primeira equivale a “à proporção que”, “conforme”: “A situação do aluno complicava-se à medida que (conforme) o tempo ia passando”. Vale lembrar que “à medida em que” não existe. “Na medida em que” pode ser substituída por “tendo em vista que”, “porque”: “É necessário cumprir as leis, na medida em que elas existem”.
Menos “problemáticas”, mas ainda com a palavra “medida”, temos “à medida de” (em conformidade; segundo; de acordo): “Tomara que o planejado saia à medida do esperado”; e “em que medida” (até que ponto, em que proporção): “Em que medida os primeiros resultados influenciaram a campanha do time? ”.
Saber se um verbo pede ou não preposição e, se pede, qual deve ser a usada é uma das principais dúvidas de quem escreve. O que se constata, em muitas ocasiões, é uma divergência entre a regra e o uso. Na regência verbal, uma preposição faz toda a diferença. É muito curioso o caso de “pedir para”, um dos melhores exemplos do grande fosso que há entre a norma culta e a coloquialidade. Para a gramática tradicional, “pedir para” tem uso muito restrito e só pode ser empregada quando o sentido é o de pedir permissão, autorização: “A aluna pediu para ir ao banheiro”. Esse exemplo equivale a “A aluna pediu permissão para ir ao banheiro”. Contudo, se a ideia é pedir a alguém para fazer algo, o adequado é “pedir que”: “O diretor da empresa pediu que todos tirassem férias coletivas”. Nota-se que não se pede permissão, quase se determina neste caso. Além disso, não se deve usar a locução “pedir para que”. Logo, “O pai pediu que todos ajudassem seu filho”, e não “…para que todos ajudassem…”.
O sentido de “pedir” pode mudar significativamente, de acordo com a preposição que o acompanhe. Quando se pede algo “a alguém”, pede-se que esse alguém atenda ao que foi solicitado. Caso se peça algo “para alguém”, pede-se algo em favor de alguém. A diferença de sentido está entre as preposições “a” e “para”: “O governo pediu apoio ao Congresso” (pediu que o Congresso desse apoio a ele, o governo); “O governo pediu apoio para o Congresso” (pediu apoio em favor do Congresso).
Outro campeão de divergência é o verbo “assistir”. Em seu sentido mais comum, o de ver, presenciar, exige preposição “a”: “Assisti ao jogo final da Libertadores”. No dia a dia, nem sempre o emprego dessa preposição é respeitado, o que altera o sentido do verbo, que passa (sem a preposição) a significar “ajudar, socorrer”. Um exemplo de que essa confusão pode ser séria está nas frases “O excelente cirurgião assistiu a cirurgia por videoconferência” e “O excelente cirurgião assistiu à cirurgia por videoconferência”. Imagine agora se o paciente é um parente seu. Qual das frases você gostaria que fosse a correta? Na primeira, o excelente cirurgião ajudou na cirurgia; na segunda, ele apenas viu, não ajudou ou participou. “Quem guarda a própria boca preserva a vida; quem se descuida do falar causa a própria ruína”. (Pr 13,3).
João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.
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