O educador e ativista ambiental natalense Milton França tem boas lembranças do Ocean Dream, um navio de cruzeiros que fez várias temporadas entre Recife – Natal – Fernando de Noronha. Em 2011, ele fez esse trajeto com a família, numa época em que a grande ambição do poder público era ter um terminal marítimo de passageiros contíguo ao porto de Natal que livrasse os turistas do incômodo de desembarcar a céu aberto, dividindo espaço com os navios de carga.
E embora o terminal tenha sido inaugurado em maio de 2014 e, mesmo assim, testemunhado um declínio progressivo nas escalas de cruzeiros passando pela cidade desde então, a pandemia da Covid-19 acaba de dar um golpe de morte nas boas lembranças de Milton.
Na índia, junto a dezenas de outros navios da categoria, o Ocean Dream será totalmente desmanchado em breve, um destino selado desde que a ex-dona da embarcação, a Pullmantur Cruzeiros, que operou no Nordeste e no sudeste do Brasil junto com a CVC, faliu no ano passado.
“Toda sua frota foi liquidada para pagar os credores e as ações trabalhistas, num movimento seguido por outras empresas menores de cruzeiro que não resistiram à inatividade imposta pela pandemia durante o ano passado”, lembra Milton.
Entre elas, está a inglesa Cruise & Maritime Voyages, que desde o início da pandemia foi obrigada a vender 34 navios de cruzeiros. Um custo alto demais para ser suportado pelas empresas cujas receitas simplesmente evaporaram por conta da proibição das viagens.
A previsão é que as poucas empresas operadoras de navios de cruzeiros que ainda estiverem de pé no fim deste ano estarão sem parte significativa de suas frotas, usando o dinheiro levantado para investir em novas embarcações mais seguras, ecológicas, econômicas e, claro, maiores para obter ganho de escala.
Desde já, Milton França, que há anos estuda projetos alternativos para uma área portuária aproveitando o estuário do rio Potengi, afirma que saímos no prejuízo. As limitações do atual porto de Natal, que só permitem a entrada de transatlânticos compactos de até 700 passageiros, por conta, entre outras coisas, das dimensões da ponte Newton Navarro, “já nos alija de uma possível retomada das temporadas de cruzeiros”, acentua o pesquisador.
No caso do Ocean Dream, as memórias no navio ainda estão presentes para muitos natalenses, já que ele operava no roteiro Recife-Natal-Noronha desde o início regular dessa atividade turística e econômica em 1990 e, para Natal, nas temporadas 2011/2012 e 2012/13.
Milton lembra que ele foi o maior navio de passageiros a operar no roteiro quando ainda pertencia à empresa de navegação espanhola Pullmantur. Antes, estava ao serviço da italiana Costa Crociere com o nome Costa Tropicale.
“Fez várias temporadas no sudeste e sul do Brasil, com base em Santos e Rio de Janeiro, sendo que alguns roteiros incluíam Uruguai e Argentina, o que reforçou todo um saudosismo por parte dos brasileiros, marinheiros de primeira viagem em cruzeiros”, resume o pesquisador.
O maior cruzeiro a operar em Noronha e Natal tinha capacidade para 1451 passageiros, mas pelas restrições de desembarque que tem Noronha, só operava com metade de sua capacidade.
Por isso mesmo, os navios que imediatamente precederam e sucederam o Ocean Dream, respectivamente, foram o Blue de France e o Louis Aura. “Além desses quem não lembra do Funchal, todos com capacidade abaixo de 1000 passageiros?” – indaga Milton, saudoso.
Mas se a situação já era difícil antes da pandemia, com Natal registrando quedas anuais nas escalas, “agora que muitos navios estão sendo vendidos como sucatas para empresas de desmanche, será cada vez mais complicado retomar a operação de cruzeiros em Noronha, paralisada em 2014, que vai muito além dos entraves da legislação ambiental”, afirma o pesquisador.
A consequência disso, segundo ele, é a lógica: “O Terminal Marítimo de Passageiro de Natal se consolidou como um elefante ou baleia branca e a urgência de se pensar num uso efetivo, viável e adequado do equipamento que nos custou aproximadamente 75 milhões de reais”.
Aliás, como curiosidade, o navio Funchal será um dos poucos a escapar aos desmanches em massa de navios de cruzeiros, já que foi comprado por uma organização britânica e está sendo reformado para servir como hotel-escola flutuante. “Nada mal para um cinquentão dos mares”, comemora Milton França.
Fonte: Agora RN
Imagem: divulgação