Realidade demonstrada pela ciência, o aquecimento global traz impactos importantes à vida do planeta. Aumento do nível dos oceanos, alterações no regime de chuvas, desertificação e redução da biodiversidade são alguns dos efeitos decorrentes desse processo que, embora conte com influência de forças da natureza – como a atividade vulcânica -, tem sido acelerado por ações humanas.
Outra consequência é o aumento da temperatura média dos oceanos, fator que também pode acarretar prejuízos ao bom funcionamento da vida marinha. É exatamente esse o tema de um estudo desenvolvido pelo Departamento de Fisiologia e Comportamento (DFS/ UFRN), tratando mais especificamente sobre a donzelinha, peixe muito comum na costa brasileira.
No artigo Donzela enfrenta mudanças climáticas: impactos da temperatura e estrutura do habitat no comportamento agonístico, publicado na revista Plos One, os pesquisadores mostram as mudanças de comportamento da espécie diante de um ambiente mais quente e menos complexo por conta da degradação ocasionada pelo aumento da temperatura. Os resultados reforçam a necessidade de medidas de combate ao aquecimento global.
Considerada uma espécie chave, a donzelinha é capaz de regular o equilíbrio entre os diversos animais que povoam os recifes brasileiros. Ela faz um tipo de jardinagem, cultivando e controlando as comunidades de algas e microinvertebrados, trabalho essencial para a saúde recifal. Por esse motivo, relata a professora e pesquisadora do DFS/UFRN, Ana Luchiari, conhecer o comportamento desse peixe é de suma importância.
“Sabemos que o aquecimento global está causando morte de corais, o que leva ao desgaste dessas estruturas, podendo causar destruição da complexidade do ambiente. As donzelas são territoriais, defendem a toca e estabelecem hierarquia muito precisa com os vizinhos, então pensamos como o aquecimento poderia causar problemas para a espécie. Isso provavelmente geraria danos a toda a comunidade”, explica a pesquisadora, uma das autoras do artigo.
Para descrever bem o repertório comportamental da espécie, alguns experimentos aconteceram. Em laboratório, foram simulados o aquecimento esperado nos próximos cem anos e a destruição da complexidade, ou seja, menos áreas a serem exploradas, locais para se esconder e oportunidades de se alimentar. Durante 14 dias foi concedido um ambiente complexo a alguns indivíduos e um completamente liso a outros.
Ao final desse período, os pesquisadores observaram que os animais mantidos em ambiente mais quente e menos complexo ficaram menos agressivos e se locomoveram menos. Segundo Ana Luchiari, o estudo ratifica o quanto é urgente a preservação desses ambientes para a manutenção das condições da vida marinha.
“A novidade é o efeito deletério comportamental, que deve ser entendido como o último passo de alterações, já que antes disso há várias mudanças bioquímicas, hormonais e cerebrais. Nesse trabalho, mostramos a importância do cuidado com ambientes estáveis e ricos como os recifes, do qual uma quantidade enorme de espécies depende para se alimentar e se reproduzir”, afirma a pesquisadora.
Como mudar o cenário?
Ações humanas têm sido determinantes para a degradação do meio ambiente. Em diversos lugares do mundo, com o isolamento social e a menor circulação de pessoas impostos pela pandemia do novo coronavírus, não foram raros os avistamento de animais silvestres que há muito tempo estavam escondidos, águas de rios e mares parecendo mais limpas e, especialmente, os níveis de poluição do ar apresentando queda.
Nesse sentido, Ana Luchiari acredita que a atuação de órgãos de controle ambiental e organizações não governamentais sejam fundamentais, além de ações educacionais para a conservação da natureza. A pesquisadora inclui as instituições de ensino nessa tarefa de informar a população acerca da preservação do meio ambiente.
“É nosso papel enquanto universidade levar isso de volta para a sociedade. As pessoas precisam entender quais são os prejuízos do dano ambiental recifal. Parece que isso não vai afetar nossa vida, mas o desconforto térmico, a poluição, o ambiente com mais toxinas já estão aí”, alerta a professora.
De acordo com a pesquisadora, ainda há passos do estudo a serem dados. Os pesquisadores pretendem investigar outros efeitos da atividade humana para esses animais, como a presença de gás carbônico, produtos químicos (a exemplo dos presentes em protetores solares) e partículas de plástico nas águas.
Também assinam o artigo os pesquisadores Thalles da Silva-Pinto, Mayara Moura Silveira, Jéssica Ferreira de Souza e Ana Luisa Pires Moreira, todos do DFS/UFRN, além de Edson Aparecido Vieira e Guilherme Ortigara Longo, ambos do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN. Para conferir a íntegra do artigo, clique aqui.
Fonte: Agecom/UFRN