A evolução da utilização do Direito Penal como meio de controle social e de demonstração de força do Estado sempre foi uma arma bastante eficaz e invasiva no convívio da sociedade e na relação entre violência legítima e ilegítima assim como um refúgio de política e exercício de poder dentro do critério discricionário de combate aos “inimigos do Estado”.
A sociedade hodierna resta desprovida da presença estatal em seus principais anseios e necessidades cujo aumento da criminalidade tende a ser escusa legislativa de medidas inerentes ao direito penal simbólico com uma série de aprovações de leis penais cujo alcance e efetividade muitas vezes não atinge sua justificativa mas serve de anestesia social e calmaria momentânea enquanto outras criminalidades vão surgindo e aumentando.
É neste diapasão que a política criminal se mostra cada vez mais refém de um pretenso medo social da violência mostrada midiaticamente e sustentada politicamente gerando uma demanda por mais atuação do Direito Penal na expectativa de um maior controle e solução dessa violência dentro da sociedade ocasionando uma suplantação do Estado Social pelo Estado Penal.
O sistema prisional brasileiro, por exemplo, apesar de muito bem munido de uma legislação simbólica e precipuamente protecionista embasada no garantismo penal constitucional, em sua realidade nada conota o objetivo ressocializador de sua legislação sobre execução penal que diz propor a docilidade do corpo e a liberdade do homem integrando-o novamente à sociedade.
Assim o garantismo não se resume à praticas libertárias ou de proteção irresponsável de direitos dos presos, mas uma forma de tornar legítimas apenas as práticas penais em que houve sua observância desde o órgão legislador até o aplicador tornando a teoria cada vez mais próxima da prática e ajudando o sistema a se organizar com a presença estatal em todas as suas vertentes, em especial seu desígnio constitucional.
Quanto mais distantes ficam a teoria constitucional da normal penal e a prática, passa-se a fomentar e disseminar ainda mais a criação de práticas paralelas ao poder do Estado cuja ausência ou conivência à violência repressora passa a “permitir” que se crie uma organização daquele grupo de pessoas para alcançar bens e serviços que ele, Estado, não produz ou fornece.
É nesse ambiente e contexto que surgem e se fortalecem as Facções criminosas e níveis de criminalidade que demandam do Estado um aparato e estrutura direcionados e especializados ao isolamento dos presos que denotem maior periculosidade e cujo comando de dentro das prisões ocasionam graves problemas sociais e de violência.
Um dos problemas observados na realidade brasileira foi exatamente a demora em se perceber tais necessidades e de fato buscar soluções em contextos similares como no caso dos Estados Unidos que possuem a maior população carcerária do mundo e estrutura direcionada ao tratamento diferenciado de presos de maior periculosidade.
Em que pese nossa imensa população carcerária, tamanho territorial e diversidade de facções criminosas com lideranças diversas, o Brasil hoje conta com apenas 5 unidade de presídios federais para tal fim o que, ao meu ver, constitui de imediato um problema com relação à alocação e divisão dos presos.
Outro fator que prejudica é o fato de péssima localização de alguns desses presídios federais próximos ou localizados em áreas de fronteira, o que possibilita, ou no mínimo precisa deixar o alerta, contatos e preparação de resgates com ações criminais estrangeiras, guerrilhas, etc.
Ademais, não obstante a demora com relação à previsão legal não só da existência de presídios federais que no Brasil está previsto na Lei 7210 desde 1984, mesmo havendo a sua expressa criação na Lei 11671 de 2008, ainda estamos pendentes de uma real regulamentação procedimental do regime dos Presídios Federais, o que foi de maneira ainda insuficiente e superficialmente realizado com o advento da Lei 13.964/2019 também chamado de “Pacote Anticrime” que veio alterar dispositivos daquela norma de 2008.
O texto normativo em alguns aspectos deixa margens subjetivas para interpretação à cargo do Juiz da execução para escolha de critérios que poderiam ser mais objetivos e ajudar a impedir arbitrariedades e abusos com relação às garantias individuais uma vez que o regime aplicado aos presídios federais é diferenciado e muito mais invasivo e limitador da intimidade, liberdade e com regras e convivência muito diferentes das encontradas nos presídios comuns.
A começar pelos critérios de inclusão dos presos nos presídios federais conforme previsto no art. 3º da Lei 11671/2008, o qual dispõe que a referida inclusão deve observar oi interesse da segurança pública ou ainda o interesse próprio do preso, o que claramente demonstram análises subjetivas desprovidas até mesmo de parâmetros mínimos de qualificação.
Ora, inicialmente cumpre destacar que toda decisão judicial prolatada de um magistrado em sede de execução penal deve se resguardar e atender o interesse da segurança pública, não sendo este um critério delimitador de circunstâncias objetivas que entreguem ao julgador condições mínimas de estabelecer quem então deve ser preso em um presídio com regime diferenciado do presídio federal.
Outrossim, o critério de interesse do preso, em que pese menor discussão e mesmo que ainda repleto de subjetividade, parece ter entendimento mais objetivo de que deve ser analisada a situação processual e pessoal do preso e se sua prisão em um presídio federal é mais adequada como no caso de presos para extradição que por critérios de relações internacionais muitas vezes ficam em tais presídios.
Outra questão que merece destaque para discussão é o fato de que o Parágrafo único do art. 2º da Lei 11671/2008 apesar de tentar concentrar toda a competência de julgamento de incidentes e alegações que digam respeito não só a execução penal do indivíduo, mas também às questões relacionadas ao regime do Presídio Federal terminou por ocasionar um problema hermenêutico ao estabelecer expressamente que caberia ao juiz de execução penal a competência para julgar as ações “de natureza penal”.
Sem maiores tergiversações vê-se que o referido dispositivo está mal redigido. Deve caber ao juízo da execução penal todas as ações pertinentes à temática e ao caso relacionado à execução de pena em Presídio Federal, mesmo que ajuizada sob a natureza jurídica de ação cível como no caso de uma ação civil pública ou ação popular que diga respeito ao regime diferenciado.
Por fim, mas sem intenção de esgotar uma análise total do regime diferenciado do presídio federal, resta imprescindível ressaltar que uma das principais modificações postas pelo chamado “Pacote Anticrime” foi previsto em seu art. 3º, no qual restou previsto além da extinção da chamada “visita intima”, o monitoramento audiovisual de todas as visitas e conversas do apenado, com exceção de seu advogado por barreiras legais e constitucionais intransponíveis nesta seara legal de norma infraconstitucional.
Em que pese o direito constitucional à intimidade e não violação de correspondências, este, assim como muitos direitos fundamentais, não são absolutos, menos ainda em virtude da justificativa de monitoramento de presos em Presídios Federais, tanto pela própria periculosidade dos presos quanto pela manobra comumente levada por grandes chefes de facções que demandam suas ordens de dentro dos presídios especialmente através das visitas e conversas com familiares pessoalmente ou por cartas.
A previsão legal do monitoramento e extinção da visita íntima é uma medida imprescindível para o maior controle da troca de informações vitais para a política criminal de combate à criminalidade das facções criminosas, assim como ajuda a inibir a própria participação de familiares nessa empreitada criminosa.
Assim, percebe-se que houve uma demora na tentativa e implantação de regimes diferenciados para contenção e isolamento de presos cujo monitoramento específico do Presídio Federal é condição para uma eficiente tentativa de controle de sua atuação junto à criminalidade extramuros.
No entanto, a insuficiência de recursos, a existência de poucos presídios federais, sua má alocação territorial além de uma não regulamentação mais específica e com critérios de inclusão e dilação de prazos de manutenção do apenado em tal regime, terminam por trazer ainda muitos questionamentos jurídicos acerca dos procedimentos e formalidades que podem infringir direitos e garantias fundamentais individuais.
Rodrigo Cavalcanti – Professor de Processo Penal e Advogado Criminalista
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