Cientistas brasileiros descobriram fatores genéticos que fazem diferença entre a vida e a morte de bebês cujas mães contraíram o vírus zika. A descoberta explica por que a maioria das mulheres com zika na gravidez tem filhos saudáveis, mas algumas deram à luz bebês com microcefalia e outros distúrbios neurológicos severos.
Publicado na revista Science Signaling, o estudo abre caminho para, no futuro, desenvolver meios de detectar que gestantes correm maior risco de ter o bebê afetado por malformações severas, caso sejam infectadas pelo zika. Embora tenha circulado menos desde 2018, o vírus não desapareceu – este ano há mais de 2.000 casos de infecção notificados – e cientistas consideram provável que nos próximos anos possa voltar a circular com maior intensidade.
Os pesquisadores identificaram alterações moleculares associadas aos casos mais graves da infecção, conhecida como síndrome da zika congênita. São manifestações neurológicas severas, das quais a microcefalia é a mais conhecida, mas não a mais grave, pois alguns bebês são tão afetados que sua condição é incompatível com a vida.
O vírus afeta o funcionamento de genes ligados à formação do cérebro e dos ossos do feto em desenvolvimento. As alterações foram encontradas por meio da análise molecular dos cérebros de oito bebês que morreram até 48 horas após o nascimento, em decorrência das malformações causadas pela zika.
O trabalho é fruto de cinco anos de investigação e da parceria de 32 cientistas de 11 instituições de pesquisa de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Paraíba, entre as quais as universidades de federais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais (UFRJ e UFMG), a Universidade de São Paulo (USP), o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Butantan, o Instituto Estadual do Cérebro e o Instituto de Pesquisa Professor Amorim Neto (Ipesq), em Campina Grande, na Paraíba. O estudo faz parte da Rede Zika, apoiada pela Faperj.
A síndrome da zika congênita provoca distúrbios neurológicos severos, como microcefalia, ventriculomegalia, calcificações, malformações em várias áreas do cérebro, distúrbios nos olhos. Também leva a uma condição chamada artrogripose, uma malformação óssea que atinge pernas, braços e coluna.
Os oito bebês natimortos eram filhos de um grupo de mulheres grávidas com sintomas de zika e acompanhadas pelos cientistas de outubro de 2015 a julho de 2016, nos estados do Rio de Janeiro e da Paraíba, ambos duramente atingidos pelo zika naqueles anos.
Num estudo sem precedentes no Brasil, os cientistas fizeram uma análise molecular em camadas. Isso significa dizer que estudaram o genoma (os genes), o transcriptoma (o RNA que o “lê”) e o proteoma (as proteínas). Com isso, puderam identificar padrões que fossem comuns aos bebês. Viram que o zika altera o funcionamento de 252 proteínas, principalmente da matriz extracelular do cérebro.
– Esse é o primeiro estudo que revela alterações moleculares associadas ao zika na gestação – destaca uma das autoras do trabalho, Ana Teresa Vasconcelos, do LNCC.
Basicamente, o zika afeta a produção de colágeno. E o colágeno é que permite que as células do sistema nervoso possam aderir umas às outras para formarem o cérebro. O zika também prejudica a formação do colágeno nas veias e artérias que irrigam o cérebro.
– As vias de colágeno eram muito alteradas nos bebês. O vírus deflagrou uma cascata de problemas que os matou – explica Renato Santana, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
O colágeno é chave para compreender como o zika mata e como identificar as mulheres de maior risco. Os cientistas descobriram que os bebês eram filhos de mulheres que tinham uma mutação nos genes de colágeno. Todas tinham uma cópia desses genes, mas como cada gene tem duas cópias, elas não sofriam qualquer problema.
Seus bebês herdaram também a mutação, que não lhes traria maiores problemas se não tivessem sido infectados, por meio da mãe, pelo zika. Essa alteração deixou o bebê mais vulnerável ao ataque do vírus.
– Os distúrbios neurológicos causados pelo vírus são resultados da interação de fatores genéticos e ambientais (a infecção). Assim, saber se uma mulher carrega essas mutações poderá ser um preditor da severidade do ataque do vírus ao feto – observa Santana
Ele agradece às famílias que permitiram as biópsias de seus filhos:
– Se não fosse a extrema generosidade delas, não teríamos avançado contra o zika.
Fonte: Jornal O Globo
Imagem: Márcia Foletto/Agência O Globo