Você conhece a Pristimantis rupicola? Não? Pois eu te conto: a Pristimantis rupicola é a mais nova espécie de anfíbio descrita para o bioma Caatinga. E o Hoplocercus spinosus? Esse é um lagarto, também da Caatinga, bioma que apresenta uma rica herpetofauna, que inclui anfíbios, tartarugas e crocodilianos, serpentes e lagartos.
A preservação da fauna e da flora de qualquer bioma é importante para garantir o equilíbrio da natureza. Por isso, e também pela importância da preservação das espécies na qualidade de vida das pessoas, na alimentação e na cura de doenças, por exemplo, estudar os animais tem sido uma prática científica que se consolidou ao longo dos séculos. Na UFRN, diversos pesquisadores, em diversos laboratórios, atuam na pesquisa com animais, como, por exemplo, o Laboratório de Anfíbios e Répteis do Centro de Biociências (CB), ligado ao Programa de Pós-Graduação em Sistemática e Evolução.
O professor Adrian Garda é um desses pesquisadores, com trabalhos publicados no Brasil e no exterior, e também um dos idealizadores da página Herpetofauna da Caatinga – Anfíbios e Répteis do Domínio das Caatingas do Nordeste Brasileiro. A publicação online criada pelo Laboratório é resultado de 11 anos de trabalho de um grupo que reúne professores, alunos, ex-alunos e colaboradores.
Na página Herpetofauna da Caatinga, qualquer pessoa pode conhecer um pouco mais sobre sapos, tartarugas e cobras, por exemplo, observando imagens e sons desse animais e de outros que constituem famílias e espécies endêmicas, isto é, que só ocorrem na Caatinga. Além dos nomes científicos, algumas têm informações até sobre quando foram descobertas. O pesquisador explica que espécies de tartarugas e crocodilianos não são exclusivos da Caatinga, pois podem ocorrer também em outros biomas, como Cerrado, Floresta Atlântica ou Amazônia.
A página foi lançada no dia 22 de maio, o Dia Mundial da Biodiversidade. Embora ainda esteja em desenvolvimento, lá o visitante já encontra listas para todas as espécies conhecidas para o bioma da Caatinga, bem como fotos e sons dos anfíbios. Em breve, poderão ser encontradas fotos para os outros animais, bem como descrições textuais e vídeos para cada uma das espécies.
Trabalho coletivo e importância da preservação
O professor Adrian Garda, responsável pela publicação da página, destaca a colaboração de pesquisadores, inclusive de outras instituições, como as universidades federais da Paraíba (UFPB), da Bahia (UFBA) e do Ceará (UFC) e universidades estaduais de Feira de Santana (UEFS) e do Maranhão (UEMA). Parcerias, algumas de longa data, que, segundo ele, “foram fundamentais para a construção do conteúdo”.
A produção das fotos, áudios e de vídeos feitos pelos pesquisadores foi financiada por meio de trabalhos registrados em órgãos de fomentos à pesquisa, como CNPq, Capes e outros, permitindo o deslocamento de equipes e visitas a diversas localidades.
O pesquisador acrescenta que o conhecimento de quais espécies ocorrem em um determinado bioma “permite entender como ele se diferencia dos outros biomas do país. Assim, nos permite valorizar o que temos na nossa região”. Além disso, acrescenta, esse conhecimento é fundamental também para planejar a conservação dessa biodiversidade.
“Se não soubermos quais espécies ocorrem no nosso bioma e onde elas ocorrem, como vamos protegê-las para gerações futuras?”, indaga, para depois acrescentar: “a nossa identidade cultural com o lugar onde vivemos é fundamental também: o sertanejo, de posse dessa informação, tem nas mãos mais um item de valoração cultural do seu lugar, da sua identidade. Esse laço estreito das pessoas com o lugar onde vivem é chave para a valorização e a preservação das espécies”.
Sobre o uso alimentar e medicinal de répteis e anfíbios
Pergunto ao professor Adrian Garda se no Brasil, mais especificamente no Nordeste, as pessoas se alimentam de algum tipo de réptil ou anfíbio. Faço um paralelo com o fato de que em outras partes do mundo, como na China, a população se alimenta de animais silvestres, o que ganhou notoriedade com a disseminação da pandemia da covid-19.
Ele responde que sim, e faz questão de esclarecer que: “é bom lembrar que tanto répteis como anfíbios dificilmente são fontes de patógenos como o covid. A fisiologia desses animais, que chamamos de animais de sangue frio, é muito diferente da nossa. Com isso, é praticamente impossível um vírus, bactéria ou fungo especializado em atacar répteis e anfíbios conseguir ‘saltar’ de hospedeiro e infectar humanos. Isso no Brasil me parece preocupante no caso da Amazônia, onde costumeiramente a população se alimenta de macacos”.
Na Caatinga, segundo o professor, algumas espécies de répteis são consumidas pela população, estando incluídos aí o tejo (Salvator merianae), o camaleão ou iguana (Iguana iguana), jacarés e tartarugas. O consumo de anfíbios é menos comum, e a espécie mais comumente consumida é conhecida como rã-de-peito ou rã pimenta (Leptodactylus vastus). Outras espécies do gênero Leptodactylus, menores e conhecidas como caçotes (Leptodactylus troglodytes, L. fuscus, L. macrosternum, entre outras), são comumente usadas como iscas para pesca.
O uso medicinal
Um dos pontos mais importantes na pesquisa com esses animais está relacionado às descobertas medicinais. Isso porque todos os anfíbios têm toxinas na pele. Algumas dessas espécies podem ser venenosas para nós humanos, se entrarem em contato com as nossas mucosas desprotegidas (olhos, boca, nariz etc).
Segundo ele, “todos têm essas toxinas porque suas peles não são recobertas por escamas, pêlos ou penas. A pele úmida é fundamental para os anfíbios respirarem. Mais de 50%, e em alguns casos 100%, da respiração dos anfíbios ocorre pela pele, por isso eles são tão sensíveis à poluição. As toxinas servem como defesa contra bactérias e fungos, que podem contaminar a pele desses animais”.
Essas substâncias na pele dos anfíbios podem ser usadas pelos humanos como antibióticos. O professor Adrian Garda disse que “hoje uma promissora linha de pesquisa em diversos laboratórios do mundo, inclusive no Brasil, vem identificando substâncias na pele dos anfíbios contra bactérias e protozoários, como os causadores da malária e doença de chagas”.
Fonte: Agecom/UFRN