Em todo o mundo, a pandemia do novo coronavírus atingiu fortemente trabalhadores informais que dependiam da movimentação nas ruas e na demanda por serviços e atividades para obterem sua renda. No caso dos empregos domésticos, o impacto foi ainda maior: na área, onde 94,3% dos trabalhadores sem carteira assinada no Rio Grande do Norte são mulheres, dispensas não remuneradas ou, muitas vezes, a necessidade de continuar trabalhando mesmo fazendo parte de um grupo de risco é a realidade de muitas durante a pandemia.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD do IBGE) relativa ao quarto trimestre de 2019, o Rio Grande do Norte conta com 70.978 trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada. Desses, 66.973 são mulheres. Dessas, 31.598 (47,1%) são chefes de família. Os homens, por outro lado, são maioria dos empregados no setor privado sem carteira assinada, mas correspondem a apenas 3% do total de trabalhadores domésticos.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, as trabalhadoras domésticas são algumas das mais expostas ao risco de contaminação pela covid-19. Em uma análise publicada em sua página virtual, o Observatório do Nordeste para Análise Sociodemográfica da covid-19, o Onas, explica que os riscos se devem, em sua maioria, ao fato de que muitas dependem do transporte coletivo para chegar aos locais de trabalho e, além disso, atuam em contato direto com objetos possivelmente contaminados, como talheres, roupas e outros serviços de limpeza, muitas vezes sem os Equipamentos de Proteção Individual adequados para tal.
Apesar da PEC das Domésticas, que deu garantias trabalhistas à profissão, muitas continuam sendo contatadas de forma informal, como diaristas, e a circulação em diversas casas também é outro fator que aumenta o risco de contágio pela doença.
De acordo com as análises e levantamentos do Onas, as mensalistas sem carteira assinada recebem, em média, R$ 476,30 no Nordeste. Elas correspondem a 82,8% do contingente total exercendo a atividade atualmente, o que mostra que a adesão à carteira de trabalho não foi feita na prática pelos empregadores, apesar das novas leis.
No modelo de contratação individual, que não lhes permite garantias trabalhistas ou compensações remuneratórias, muitas acabam dependendo da boa vontade dos patrões para optar por continuar ou interromper os serviços, independente de pertencerem a grupos de risco ou não.
Muitas têm tentado se proteger como podem: evitando pegar o transporte público como possível, buscando a ajuda de parentes com algum transporte particular para levá-las ao local de trabalho, e adotando o uso de máscaras nas atividades diárias.
As dificuldades e receios da categoria, no entanto, não se resumem ao contágio pelo coronavírus. A queda na demanda por serviços desde o início da pandemia teve um impacto econômico considerável na vida de muitas das que dependiam dos serviços para viver. É o caso de Conceição Santiago, de 46 anos. Ela trabalha em dois empregos: como cabeleireira e empregada doméstica, de onde tira a maior parte de sua renda.
De acordo com ela, antes da pandemia, costumava trabalhar em cerca de 10 casas diferentes. Desde o começo do isolamento social, no entanto, o número caiu para dois. “Duas pessoas continuam mandando toda quinzena o que eu ganharia no dia, mas, em geral, houve um cancelamento de muitos dos serviços”, relata Conceição.
Muitas das dispensas, ela diz, não foram necessariamente voluntárias por parte dos ex-patrões, mas também reflexo da crise econômica que já chega às diversas classes sociais: “Muitas das pessoas para quem eu trabalhava foram demitidas, e não têm mais condições de pagar o serviço”, conta Conceição.
Com a redução drástica na renda, que agora consiste basicamente na pensão de aposentadoria do marido, Conceição deu entrada no pedido para o auxílio emergencial do Governo Federal. O pedido foi feito pela primeira vez no dia 8 de abril e, após quase um mês em análise, o sistema informou que ela teria que se cadastrar uma segunda vez.
A segunda solicitação foi feita no dia 5 de maio e, desde então, permanece em análise. “A gente está se virando com o que tem, mas está difícil. Eu sou do grupo de risco, tenho problema pulmonar e outros problemas de saúde. Não pego transporte público, porque meu esposo tem moto, e estou tentando sair apenas para as casas onde estou trabalhando, não vou nem ao supermercado, isso quem faz é meu esposo”, diz Conceição.
O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise covid-19”, elaborado pela ONU Mulheres, explica que os impactos da crise na vida das trabalhadoras domésticas não têm data para acabar: não se sabe, ainda, como ou se as atividades serão novamente requisitadas após a pandemia, o que pode gerar um contingente de milhares de trabalhadores, em sua maioria mulheres, sem ocupação ou remuneração durante a maior crise sanitária na história recente do país.
Crédito da Foto: Adriano Abreu
Fonte: TRIBUNA DO NORTE