– Parnamirim, sim!
Aquela afirmação que saía de sua boca estava em todos os cantos da cidade, lembrando-lhe, de uma forma pouco original, o Yes, we can. A cidade, que ficava a uns doze quilômetros da capital potiguar, e que tivera seus dias de glória ainda na Segunda Guerra Mundial, vivia agora uma euforia e um novo fenômeno de migração. No centro de sua bandeira, azul e amarela, havia um foguete de asas, como a espada alada da aeronáutica, e assim tudo parecia apontar para o alto, como as expectativas e os sonhos, subindo, como bolhas de sabão.
Mas certamente não foi aquilo que os atraiu até ali, muito menos suas indústrias, que pouco a pouco abandonavam aquela que já foi um polo de destaque na região, e que agora mais se assemelhava a uma cidade fantasma, assombrada pela ferrugem de ferro-velho retorcido, tomada pelo mato em suas cercanias.
Assim como tantos outros, foram os programas habitacionais do governo federal destinados à população de baixa renda que os seduziu, e a possibilidade de saírem do aluguel. De repente, Parnamirim se encheu de famílias inteiras adquirindo casas em terrenos ermos e distantes. Daquelas estradas carroçáveis, entre pastos para bois, trapaceiros de toda a sorte e donos de pequenas construtoras faziam fortunas com o novo Eldorado.
“Em Natal não há quem possa comprar uma casa. Em Parnamirim, sim!” Riu o corretor ao lhes passar o documento de escritura pública da casa. Admirado com o próprio umbigo e a capacidade de fazer um trocadilho com a campanha da prefeitura. Afinal, todas as dificuldades seriam passageiras. Tudo apontava para cima.
Em Parnamirim foi onde por anos funcionou o maior aeroporto do Estado. Onde estavam instaladas a aeronáutica e suas vilas militares; reflexo do período em que o local havia servido de base aérea para as tropas norte-americanas enviadas ao front, quando ganhou o título que carrega até hoje: Trampoline to Victory. Foi também ali que fora criado, nos anos sessenta, um centro de lançamento de foguetes de sondagem, a Barreira do Inferno. Mas o boom decorrente da especulação imobiliária trouxe também a violência.
Primeiro foi à fiação arrancada da casa – antes mesmo de recebê-la –, deixando-lhes no escuro. Depois, foram os constantes assaltos; três celulares roubados e uma bicicleta. E, por fim, a gota d’água, quando souberam que uma dupla de assaltantes invadiu uma residência próxima de onde moravam e cometeram um estupro. Em pouco tempo descobririam que Parnamirim era mesmo tudo aquilo que sugeria a heráldica de seu brasão, quando a vista se eleva orgulhosa para a flâmula nos pátios das escolas: um enorme, fornido e maciço foguete de asas.
Então quando um jovem casal apareceu em frente à sua porta um dia, respondendo a um anúncio de compra e venda do sonho da casa própria, foi com alívio que os receberam; mesmo sabendo que dali por diante voltariam ao aluguel. O jovem casal não cabia em si de tanta alegria. Não se deram ao trabalho nem de saber mais sobre como era a vida naquela cidade. Só que já no cartório, prestes a assinarem a transferência, resolveram indagar o proprietário e sua esposa a respeito do local de sua futura moradia.
O proprietário pensou naqueles jovens sentados ali à sua frente. Tão semelhantes ao que ele e a esposa foram um dia. Pensou em algo que poderia dizer-lhes. Algum conselho, talvez, que pudesse lhes dar. Pensou em muitas coisas. Mas a única coisa que lhe veio à boca foi:
“Veja bem… também… não é tudo isso que passam na televisão. Violência há em todo lugar… Além do mais, em Natal, não há quem possa comprar uma casa, em Parnamirim, sim!” E todos se puseram a rir. Aliviados, depois daquela explicação, deram-se as mãos, e assinaram o que faltava da papelada.
À noite, sozinho, o jovem esposo não parava de olhar com orgulho para o que agora lhe pertencia. Demorou-se nas assinaturas daquele documento; e no timbre da prefeitura, que estava no canto daquela certidão: um belo, enorme, fornido e maciço foguete de asas!