O que havia acontecido? Há dias que não nos vemos- há exatos três dias -e seu semblante não parecia assim tão carregado do tipo que esconderia alguma coisa. Esconderia? E quando enfim nos reencontrarmos, será que para ela esse dia vai ser apenas como outro qualquer? Ou será que ela vai conseguir perceber que se passaram três dias desde que meus olhos vaguearam desalentados a fim de lhe encontrar também olhos e nariz e boca e tudo o mais que lhe houvesse a assinatura, porque assim me saltam às órbitas meus olhos como abelhas magnetizadas correndo até sua íris do mesmo modo como um inseto qualquer correria a uma flor?
Então houve aquela vez em que quase …e aquela outra.. mas quis sempre o destino- ou Deus- que não lhe dissesse, que ficasse guardado comigo, que apenas lhe dedicasse, ainda que tenham me dado uma boca cheia de dentes e uma língua e um hálito- que tento conservar com gosto de hortelã para quando eu lhe disser- e talvez seja por isso que minhas mãos tremam tanto como agora e eu permaneça calado como quis o destino ou Deus.
E mesmo assim, calado, como quis o destino ou Deus, isso nunca me desanimou de todo porque o semblante dela tem qualquer coisa de sinuoso uma curva um convite ao acidente- sobretudo quando levanta uma das sobrancelhas sem avisar- E sei que ela me lê como uma carta de tarô, porque apesar de não lhe oferecer nem meia palavra sobre o que quero lhe dizer, sou, a exemplo de um inferno, todo intenção.
E foi de repente- sem que ao menos percebesse, como um par de faróis que se acendem em nossa direção- a vi, o ônibus estacionando e ela a dar com a mão: “O dia”, era hoje. Sua aparência a exemplo da minha boca seca também não dizia nada a mim como eu não dizia a ela. Nada sobre o que aconteceu por onde esteve durante esses três dias em que não pegamos o mesmo ônibus em que costumamos pegar no mesmo horário. Nada. E meus olhos, que nunca foram muito de escutar, fizeram pouco caso. Contentaram-se apenas em observava-la. Então ela veio, caminhando em minha direção. Nossos olhos se entrecruzaram. Passou. Sentou-se ao fundo.