Com números preocupantes, o diabetes é uma das principais causas de morte por doença no Brasil, ocupando a quarta colocação em documento divulgado pelo Ministério da Saúde em 2018. Dados internacionais também indicam a necessidade de um cuidado maior nesse sentido.
Em um atlas publicado pela International Diabetes Federation (IDF – sigla em inglês para Federação Internacional do Diabetes), o país é o 4º colocado entre os dez países do mundo com mais indivíduos diabéticos, sendo cerca de 12,5 milhões de pessoas diagnosticadas com a doença.
Estima-se que 5 a 10% desse total sejam afetados pelo diabetes mellitus tipo 1, caracterizado pelo ataque do sistema imunológico a células beta, diminuindo drasticamente a capacidade do organismo de liberar insulina. Tal processo faz com que a glicose fique concentrada no sangue em vez de gerar energia. Em geral, aparece na infância ou na adolescência, embora também possa ser diagnosticada na fase adulta.
Tradicionalmente, a doença é tratada com o uso da insulina, mas nem sempre esse método é suficientemente eficaz. Por isso, um estudo realizado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) busca propor um novo tratamento para o diabetes mellitus tipo 1 e as complicações decorrentes dele.
Intitulada Nanoparticle-incorporated chloroquine as a possible anti-inflammatory therapy in type 1 diabetes mellitus (Cloroquina incorporada a nanopartículas como possível terapia anti-inflamatória no diabetes mellitus tipo 1, em tradução livre), a pesquisa tem encontrado resultados muito satisfatórios ao submeter células diabéticas in vitro a um novo tratamento com cloroquina.
“Concluímos que a cloroquina diminuiu a inflamação nessas células e que pode, no futuro, reduzir as complicações que o diabetes mellitus muitas vezes causa nos pacientes”, explica Renato Ferreira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, um dos autores do trabalho.
Testes
Para chegar a essa conclusão, houve cooperação de diversos setores. A unidade de endocrinologia pediátrica do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), sob responsabilidade do professor e médico endocrinologista Ricardo Arrais, recrutou 25 crianças e adolescentes entre 8 e 16 anos de idade com diabetes mellitus tipo 1. Em seguida, o Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas fez, coordenado pela professora Paula
Lima Machado, a cultura das células desses pacientes.
Então, os pesquisadores serviram a cloroquina incorporada às nanopartículas em células primárias e verificaram se isso reduzia ou não o perfil inflamatório. “Muitos trabalhos usam células não primárias já diabéticas ou de outros órgãos que não são de pacientes diabéticos. Suplementam, causam a inflamação e veem a ação da cloroquina. Mas um estudo com células dos próprios pacientes é inédito”, afirma Renato.
As nanopartículas utilizadas no estudo foram formuladas no Laboratório de Tecnologia e Biotecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia (Tecbiofar), pelo professor Arnóbio Silva Junior. Segundo Renato, o aproveitamento da substância é potencializado pela tecnologia. “O uso desse fármaco incorporado nas nanopartículas aumenta a sua biodisponibilidade, melhorando a resposta farmacológica e reduzindo o aparecimento de efeitos adversos”, esclarece o pesquisador.
O que é e por que a cloroquina?
Descoberta em 1934 por Hans Andersag nos laboratórios da farmacêutica alemã Bayer, a cloroquina é mais conhecida por ser utilizada no tratamento da malária. Outras aplicações comuns do medicamento são para casos de lúpus e artrite reumatóide. Mas o que levou os pesquisadores a testar a substância em pacientes diabéticos?
De acordo com Adriana Rezende, orientadora de Renato Ferreira no doutorado e professora do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas, na Faculdade de Farmácia da UFRN, as propriedades anti-inflamatórias da cloroquina poderiam auxiliar no controle da produção de citocinas que levam a complicações precoces em pacientes com diabetes. Assim, com a diminuição das inflamações, tais efeitos como perda de visão, distúrbios na função renal, insuficiência cardíaca e, em situações vasculares mais extremas, amputações de membros inferiores seriam retardadas.
“Tudo isso acontece por um processo de estado hiperglicêmico que gera essa inflamação. O controle desses mecanismos, evitando a hiperglicemia e a inflamação, repercute em um quadro mais tardio no desenvolvimento dessas complicações que levam a comorbidades e até ao óbito, que não acontece pelo diabetes, mas por essas complicações”, explica a professora.
Em experiências recentes, a cloroquina também ofereceu boas respostas para outras doenças, o que inspirou, de certa forma, a pesquisa. Orientado no pós-doutorado por Adriana Rezende, o professor Kleber Silva Farias, do Centro de Educação e Saúde da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), já fez estudos aplicando a substância no tratamento da dengue.
“Fizemos dois grupos controle. A um aplicamos cloroquina e ao outro, placebo. Com isso, observamos que os pacientes que tinham dengue apresentaram melhora nos sintomas. Se já funciona com outros pacientes, por que não com os diabéticos?”, relata o professor Kleber, um dos autores da proposta que originou a pesquisa e alcançou o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo Edital Universal 2014.
Prêmio Procópio do Vale
Ainda que, na avaliação dos pesquisadores, o valor desse financiamento seja abaixo do ideal, destaca-se o bom aproveitamento dos recursos no estudo. Além de resultados práticos que indicam uma iminente melhora na qualidade de vida de pacientes com diabetes mellitus tipo 1, o trabalho tem alcançado reconhecimentos importantes.
No mais recente congresso da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a pesquisa foi contemplada com o Prêmio Procópio do Vale, destinado ao melhor trabalho de tecnologia em diabetes. O estudo foi o destaque entre outros 300, dos quais apenas cinco chegaram à final. “Trabalhamos com duas áreas muito caras: cultura de célula e biologia molecular. Sermos premiados com um trabalho que não é simples, mas é feito com pouco recurso [R$ 30 mil], significa que com mais investimentos é possível chegar a algo ainda maior”, ressalta Renato.
Já Adriana Rezende entende que um prêmio desse porte marca o posicionamento da pesquisa desenvolvida na Universidade. “Torna a instituição uma referência. Nós estávamos em um congresso internacional, com palestrantes externos, os melhores endocrinologistas do país e representantes de outras partes do mundo. Uma premiação nesse meio é um reflexo da competência e da competitividade que a UFRN hoje representa”, afirma a professora.
Enquanto indica ser este apenas o primeiro passo do estudo, Kleber vislumbra uma abertura de caminhos para o desenvolvimento da pesquisa. “Mais à frente, quando submetermos propostas em outros editais, a chance de sermos aprovados é muito maior. Traz um olhar diferente sobre o nosso trabalho”, complementa o pesquisador.
Imagens: Jefferson Tafarel
Fonte: UFRN