O jornalismo na visão de muitos é sempre visto com uma seriedade excessiva, já o perfil do profissional jornalista é enxergado como um clichê do William Bonner: sério e engravatado, então quando se fala em algo como Jornalismo em Quadrinhos, algumas pessoas tendem a torcer o nariz. A palestra “Jornalismo em Quadrinhos” com as quadrinistas Helô D’angelo e Cecília Marins, mediada pela jornalista Luiza Vilela, na Butantã Gibicon decididamente fez muitas pessoas ampliarem sua visão a respeito do jornalismo inserido nessa mídia, que devido ao preconceito, não é muito explorada.
Além de também ser considerada por muitos como uma mídia que não é confiável. Entretanto, como bem sabemos, várias outras mídias podem ser consideradas duvidosas devido à disseminação desenfreada de notícias falsas, tanto que o próprio jornalismo acabou sendo desacreditado por causa do excesso de informações circulando cuja veracidade não foi verificada. Os quadrinhos são apenas mais uma mídia na qual o jornalismo pode ser explorado de forma criativa, pois é uma ferramenta nova por meio da qual a forma de fazer jornalismo pode ser reinventada.
Cecília afirmou que um garoto, acompanhado de seu pai, se aproximou de sua bancada, pois a HQ com sua capa agradável e nome inofensivo atraiu a atenção da criança, contudo ao explicar sobre o que se tratava a história do “gibi”, a autora ainda afirmou que talvez se a criança esperasse mais alguns anos, poderia lê-la. Esse momento, apesar de gerar risadas no público presente na palestra, levantou a questão de que precisamos parar de assumir previamente que toda história em quadrinhos seja destinada ao público infantil.
Nesse processo, a autora Helô D’angelo nos contou como criou personagens que representassem as quatro mulheres com quem conversou sem revelar nada sobre quem elas são, além de suas histórias, em sua HQ “Quatro Marias”, reportagem em quadrinhos que conta a história de quatro mulheres que abortaram em algum momento da vida. Já Cecília nos contou que enquanto entrevistava as mulheres na ONG Mulheres da Luz, desenhou um esboço de uma personagem que representaria a mulher em questão no quadrinho de acordo com características que a própria entrevistada dizia que gostaria de ter em sua personagem para diferenciá-la dela própria.
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Esse estilo escolhido pelas autoras foi essencial para que a fonte se sentisse protegida e amparada, pois diferente de método sensacionalista, conversar com a fonte e pedir sua ajuda para criar uma personagem demonstra a vontade das jornalistas de contar sua história sem rodeios e sem constrangê-las também. Afinal jornalismo não é sobre o autor, é sobre as fontes e a arte de contar suas histórias, é sobre saber ouvir as pessoas e “ver elas se verem traduzidas em um quadrinho”, conta D’angelo.
Toda essa atenção sinaliza mais uma característica essencial na profissão de jornalista: a responsabilidade, pois ao realizar uma matéria, seja uma grande reportagem ou uma nota, o jornalista deve ter a consciência de pesquisar o assunto sobre o qual está tratando. Pesquisas essas muito aprofundadas que vemos com clareza em muitas matérias de jornalismo em quadrinhos, mas que estão em falta em jornais televisivos e radiofônicos, muitos deles famosos e aclamados. Logo, quanto mais imparcialidade cobra-se dos jornalistas, menos responsabilidade é encontrada, visto que em diversos jornais, várias vezes vimos jornalistas que estão há muitos anos no ramo sendo irresponsáveis e cometendo erros que não deveriam, em hipótese alguma, dar-se ao luxo de cometer. Como, por exemplo, o caso do jornalista Augusto Nunes agredindo o também jornalista Glenn Greenwald, um colega de profissão e seu entrevistado no momento da agressão, a quem deveria respeitar, apesar das divergências políticas, fato que Nunes simplesmente ignorou, o que caracteriza uma atitude irresponsável e antiética.
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Outro fator pontuado pelas quadrinistas é o de que reportagens em quadrinhos podem ser tão sérias quanto uma reportagem fotográfica ou totalmente escrita, porém muito mais acessível e dinâmica, visto que muito mais do que um texto cru, que muitas vezes não é lido em sua totalidade, os quadrinhos tendem a nos fazer enxergar determinada informação por outra perspectiva, algo que não nos seria possível em outras mídias, como a televisão, por exemplo. Segundo as autoras, para fazer uma reportagem em quadrinhos de qualidade, o jornalista deve compreender que os desenhos não servem apenas para ilustrar aquilo que está escrito, mas também para complementar o texto, ou seja, funciona como mais uma forma de transmitir aquela informação.
Quando perguntada sobre quem poderia realizar uma reportagem em quadrinhos, D’angelo afirma acreditar que a formação em Jornalismo seja importante devido ao treinamento que o jornalista adquire em sua instrução para exercer a profissão com responsabilidade, opinião esta que apesar de polêmica, segundo a própria autora acrescenta, esteja correta, pois reportagens jornalísticas, sejam elas em quadrinhos ou não, exigem certa experiência que deve ser adquirida com o tempo e treinamento adequados. Existe uma forma correta de buscar informações, um modo correto de falar com as fontes, um jeito certo de escrever sua matéria, e esses são apenas alguns exemplos de coisas que se aprende na faculdade com a devida orientação.
Sobre processo de escolha da pauta que será abordada pelo quadrinho, as autoras confirmam ser parecido com o de qualquer outra matéria jornalística, porém acrescentam que algumas histórias são muito mais difíceis de passar para o papel, pois transpor um fato para a narrativa em quadrinhos não é pensar apenas na parte artística, mas também em como a história pode ser contada de uma forma coesa.
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Marins ainda conta que existe uma grande diferença entre imparcialidade e o jornalista fechar os olhos para algo, especialmente ao escolher pautas que de alguma forma envolvam política de forma indireta, como aborto e prostituição, ou de forma direta, como nas HQs Persépolis e Maus, nas quais os quadrinistas Marjane Satrapi e Art Spiegelman, respectivamente, entrelaçam suas vidas com acontecimentos e fatos da história de seus países que impactaram diretamente a maneira que enxergam o mundo -, Satrapi conta sobre como o Irã passou de um país totalmente moderno para um país com extremismo religioso e no qual as mulheres perderam gradativamente seus direitos enquanto Spiegelman, sendo um judeu, reflete sobre o nazismo e a vida de seu pai, Vladek Spiegelman, enquanto vivia em um campo de concentração em Auschwitz.
A autora argumenta que especialmente em casos que envolvam política e que muito se busca pela imparcialidade, muitas vezes isso significa deixar o leitor desinformado, quando o próprio jornalista omite informações de interesse público, simplesmente por não querer “ceder” à pressão e ser parcial, pois de alguma maneira essa informação que deve publicar pode desfavorecer alguém.
Acredito que cada jornalista, que encontra um caminho para exercer seu trabalho por meio de uma mídia não convencional, como os quadrinhos, possui criatividade e está muito a frente de seu tempo, pois mais do que tecnologias, mídias como os quadrinhos fazem o jornalismo estar em constante transformação.
Para aqueles que se interessarem em ler as HQs das quadrinistas, basta acessar quatromarias.com a HQ de Helô D’angelo, a da Cecília – Parque das Luzes que já está à venda, para aqueles que quiserem ler a história, basta entrar em contato com a autora para encomendar um exemplar.
Tanto Helô, a Cecília e a Carol estavam presentes em todos os dias da CCXP, para mas informações basta acessar suas redes sociais das meninas e conferir as novidades, além de conhecer um pouco sobre o trabalho delas – @helodangeloarte, @ceciliatangerina e @carolito.hq.
Fonte: O Barquinho Cultural