Desconforto, aflição e medo. Sentimentos difíceis de serem suportados por qualquer pessoa, mas que ganham uma amplitude ainda maior quando são infligidos a pessoas idosas. Uma obra mal executada foi o que tirou a tranquilidade do sono e motivou um casal de idosos a buscarem a Justiça para terem garantido um dos direitos mais básicos que o cidadão deve dispor: o direito à moradia.
A situação vivenciada pelos idosos deu-se início com uma construção no prédio vizinho à residência deles, localizada na Rua Estrela do Mar, no bairro de Ponta Negra, em Natal. Segundo os autores, a empresa que executou a obra e seus responsáveis lhes causaram diversos danos materiais e morais que foram ocasionados em decorrência dos vícios construtivos do empreendimento.
Diante do caso, o juiz Fábio Antônio Correia Filgueira, da 12ª Vara Cível de Natal, condenou os réus, solidariamente, a indenizarem os autores pelos danos ocasionados à sua residência, consistente nas fissuras na área da piscina, da churrasqueira e de parte do encanamento de água, que foi desativado, todos identificados em laudo pericial, cuja quantificação será objeto de apuração em liquidação de sentença por arbitramento.
Fábio Filgueira também condenou a empresa e o responsável pela obra a pagarem, a cada um dos autores, a importância de R$ 8 mil, a título de indenização por danos morais, a incidir correção monetária e juros de mora.
A ação judicial
O casal ingressou com ação judicial cobrando indenização por danos materiais e morais a empresa CRAL Construções e Empreendimentos Ltda e o “Dono da Obra”, sob a alegação de que em 25 de março de 2013 os autores e seus vizinhos perceberam que o prédio em construção, localizado vizinho à sua residência, havia rachado e apresentava fortes indícios de desmoronamento.
Os autores disseram que, diante desse fato, o Corpo de Bombeiros foi acionado e, no mesmo dia, interditou o prédio e as cinco casas localizadas ao redor da edificação, privando-os de terem acesso à sua residência, fato que causou-lhes diversos transtornos e prejuízos. Acrescentaram que a obra encontrava-se em fase de demolição, sem que, no entanto, houvesse qualquer expectativa quanto ao seu término, já que estava paralisada.
Assim, requereram, liminarmente, o ressarcimento dos valores gastos até o momento, no valor de R$ 3.200,00, acrescido de indenização fixa e mensal para os demais gastos provisórios, desde a data que saíram de suas residências, em valor a ser atribuído pelo Juízo até que fossem resolvidas todas as pendências existentes, com o retorno dos autores à sua residência.
Eles também pediram a condenação dos réus a indenizar os danos morais e eventuais danos materiais causados pela demolição na moradia deles. O casal, posteriormente, noticiou a nos autos a desinterdição de sua residência pelo Corpo de Bombeiros, em 10 de maio de 2013.
O homem apontado como o “dono da obra” alegou não ser parte legítima para ser responsabilizado judicialmente, uma vez que não é o “dono da obra”, nem responsável pela construção do prédio, tendo atuado apenas na fase de demolição após o evento danoso. Outro também apontado como “dono da obra” também negou tal responsabilidade. A empresa CRAL não apresentou defesa.
Reconhecimento do direito dos idosos
O magistrado aplicou ao caso as disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o serviço de construção civil prestado pelos réus enquadra-se como produto e os autores figuram como consumidores por equiparação da relação de consumo, já que alegam terem sofrido danos em decorrência da interdição de sua residência por causa da ameaça de desmoronamento do prédio vizinho, cujas obras estavam sendo executadas pelos réus.
Com base nos artigos 186 e 927 do Código Civil o juiz decidiu pela responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana por parte da empresa. Isto porque ele constatou que, em se tratando de responsabilidade civil pelo fato do serviço, o construtor, o incorporador ou o dono da obra respondem, nos termos do art. 12 do CDC, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, construção ou montagem.
O juiz Fábio Filgueira esclareceu que, para o CDC, tanto a construtora, responsável pela edificação do empreendimento interditado em razão de risco de desabamento, quanto o proprietário da obra (Flat) nas plantas do projeto estrutural e o terceiro envolvido que, conforme sentença prolatada em outro processo, admitiu, em depoimento, que, à época da aquisição do edifício em construção, conhecia a situação de ruína do imóvel, bem como da necessidade dos vizinhos saírem das suas casas em razão do embargo da obra, respondem solidariamente pela reparação dos danos eventualmente ocasionados aos autores.
Para o juiz, a conduta dos réus (edificação do prédio sem observância das normas técnicas), o dano (patrimonial ou moral) e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano estão amplamente demonstrado nas provas anexadas aos autos, a exemplo das matérias jornalísticas feitas à época dos fatos, e não impugnadas pelos réus e o laudo pericial juntado ao processo. Ele considerou também o fato da linha de defesa adotada pelos réus se prender, exclusivamente, na sua ilegitimidade passiva, uma vez que ambos negam ser o “dono da obra”.
“Em relação ao ressarcimento moral, estão presentes os pressupostos básicos da responsabilidade civil, no que toca ao prédio vizinho à residência dos autores, em razão da inobservância, pelos demandados, das normas técnicas aplicáveis à construção civil, ocasionando fissuras/trincas/rachaduras no imóvel dos autores, além do risco de desabamento do edifício em construção, colocando em risco a integridade física dos moradores da casa, tanto que o imóvel foi interditado, trazendo desconforto e aflição para os demandantes, sobretudo por se tratarem de pessoas idosas”, concluiu.
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Fonte: TJRN