Durante o maior período da história de Natal pós-urbanização, intensificada a partir da década de 50, grande parte dos trabalhadores de baixa renda da cidade rumavam em uma direção: da zona Norte para a Sul. Atravessavam de manhã cedo o rio Potengi, símbolo geográfico que demarca uma divisão única entre as zonas da capital, para ir às fábricas e às lojas comerciais, retornando somente para dormir. Até que a chegada das grandes empresas na área, processo iniciado com mais força há aproximadamente 20 anos, alterou as suas características e do povo que lá vive. Hoje, é possível fazer de tudo sem sair da zona Norte, o território de Natal que mais cresce.
Os geógrafos chamam de “espaço dormitório” os locais com as características que a zona Norte tinha até duas décadas atrás. Esses espaços se caracterizam por serem residenciais, onde não existem universidades, indústrias, comércio e outros serviços. Entretanto, a área teve um crescimento populacional estimado em 35% entre 2007 e 2017, o maior entre as quatro zonas da capital, segundo a Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente de Natal (Semurb). O número de moradores chegou a 387 mil. Se na década de 80 um em cada dez natalenses escolhia a zona para morar, hoje são quase quatro em cada dez.
A pesquisadora Joseara Lima de Paula, do departamento de geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, explica em um artigo sobre a expansão do varejo na zona Norte que a mudança de característica na área começou com o interesse do empresariado quando percebeu que o crescimento populacional foi acompanhado da demanda pelo consumo. O Estado reagiu a esse interesse com obras de infraestrutura, construindo a ponte Newton Navarro entre 2004 e 2007 e realizando o Projeto Urbanístico da Redinha para atender uma demanda do turismo.
“A atuação do Estado se dá objetivando o crescimento ainda maior desse mercado consumidor (não só voltado aos moradores da região em estudo, mas também ao público que vem conhecer as belezas naturais das praias do litoral (norte) através da criação de um “corredor” para o turismo”, diz a pesquisadora no artigo. “Dentro desse contexto o espaço da zona Norte tem se tornado um espaço de atração do capital, da especulação imobiliária. Ele vem se caracterizando, nos últimos anos, como espaço econômico em potencial, fato que está refletido principalmente no crescimento do seu setor terciário”, acrescenta.
O interesse das empresas na zona Norte resulta na chegada durante a década de 2000 dos grandes supermercados, bares, restaurantes, shoppings e lojas de todos os tipos, antes restritas ao “outro lado do rio”, como comumente se referem os moradores dela sobre as outras três zonas de Natal. Nos últimos 10 anos esses negócios se consolidaram e se expandiram. “Quando eu comecei a trabalhar, não tinha comércio grande, era só casa, uma loja aqui e outra ali, mas depois da construção dos viadutos isso aqui se transformou”, afirma Emanoel Filismino, 67 anos, que trabalha como ambulante na avenida Tomaz Landim, se referindo às obras de mobilidade próximas dali.
Um efeito imediato disso, segundo o empresário Augusto Vaz, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas, é a geração de emprego para moradores da própria zona. “É muito mais confortável para o empresário contratar pessoas da região por questões de deslocamento do trabalhador. Fica mais barato, o tempo de deslocamento é mais curto. É muito provável que cada vez mais esses investimentos que chegam na zona Norte gerem empregos para a própria zona Norte”, disse.
Dados mais detalhados sobre o emprego na zona são possíveis somente a partir de 2020, com o novo Censo do IBGE. Uma estimativa do quanto está sendo gerado pode ser visto, entretanto, no anúncio feito pela última grande rede a chegar na área, que atua com materiais de construção civil e decoração: 750 vagas de empregos em aberto. A rede fica na avenida Tomaz Landim, mas do lado do município de São Gonçalo do Amarante. A fronteira entre a capital e a cidade é limiar, confundindo muitas vezes o que é Natal e o que é São Gonçalo. Os benefícios com a chegada dos investimentos, entretanto, gera emprego para ambas cidades. Os dois lados, no fim das contas, acabam compondo a “zona Norte”.
Fonte: Tribuna do Norte
Imagem: reprodução/Tribuna do Norte