Ainda que seja uma pauta delicada e altamente complexa, tratar da temática do suicídio é primordial para o desenvolvimento de mecanismos de prevenção. Diante dessa realidade, pesquisadores investigaram as maneiras como mulheres brasileiras, entre 1980 e 2019, tiraram a própria vida. O artigo, publicado na revista PLOS e disponível gratuitamente, explora a influência da idade, na época em que o ato foi cometido, e as características geracionais, focando nos métodos mais utilizados no Brasil: estrangulamento, enforcamento, armas de fogo e autointoxicação.
O estudo revelou que a escolha dos métodos de suicídio sofre forte influência de fatores como acessibilidade e questões culturais, algo que reflete normas de masculinidade e feminilidade. Os pesquisadores identificaram que a violência de gênero é um aspecto significativo no comportamento suicida feminino, o que está associado a razões como desigualdade, falta de acesso a serviços de saúde mental e violência na infância e na vida adulta.
No que concerne às regiões brasileiras, as maiores taxas de suicídio por enforcamento, estrangulamento e sufocamento (ENF) arma de fogo (AF) foram observadas na região Sul, 2,42 e 0,60 a cada 100 mil mulheres. O Centro-Oeste registrou um número maior por autointoxicação (AUT), com 1,52 suicídios para cada 100.000 mulheres, enquanto o Nordeste apresentou as menores taxas por AF, com 0,13 suicídios por 100 mil mulheres. O Sudeste, por sua vez, teve as menores taxas de suicídio por ENF e AUT com, respectivamente, 0,85 e 0,77 por 100 mil mulheres.
Os dados coletados foram obtidos por meio do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Por conta das limitações envolvendo a má certificação dos registros de óbito e a subnotificação, os pesquisadores propuseram um método baseado em redistribuição proporcional por ano e faixa etária para a correção dos suicídios por ENF, AF e AUT. Após o ajuste, houve um aumento de 34,62% nos registros por esses meios. O maior aumento percentual foi observado durante as décadas de 1980 e 1990, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.
O trabalho foi realizado por Karina Cardoso Meira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGDEM/UFRN); Raphael Mendonça Guimarães, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP); Glauber Weder Santos Silva, da Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte (Sesap); Rafael Tavares Jomar, do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Eder Samuel Oliveira Dantas, do Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN (Huol/UFRN).
Para Karina, autora principal do artigo, o estudo ressalta o impacto das desigualdades de gênero e da violência na vulnerabilidade feminina ao suicídio e reforça a necessidade de estratégias de prevenção adaptadas a contextos regionais e grupos específicos, considerando fatores como faixa etária, métodos preferidos e acesso a redes de suporte psicossocial. “A discussão também aponta que mudanças culturais e econômicas, como crises econômicas no Brasil e transformações no mercado de trabalho, que ampliaram a sobrecarga de trabalho para as mulheres mais jovens devido à dupla ou tripla carga, influenciam comportamentos suicidas ao longo de gerações”, explica.
“É importante destacar que as mulheres mais jovens têm utilizado meios mais letais, como o ENF em substituição à autointoxicação. Resultado que é preocupante, pois temos dificuldade em reduzir acesso a esse método fora de ambientes institucionalizados como hospitais e ambientes prisionais”, completa a pesquisadora.
Imagem: Capa do livro – O Suicídio de Émile Durkheim
Fonte: Agecom/UFRN
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