O legislativo brasileiro, através da Lei nº 14.994/2024, tornou, por meio de suas atribuições legais, o Feminicídio um crime autônomo, deixando, portanto, de qualificar o delito de homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal, passando a ser tratado no 121-A.
Nomeada como “pacote antifeminicídio”, a referida Lei possui como objetivo central agravar a reposta penal dada à violência contra as mulheres, funcionando como instrumento de combate à violência de gênero, uma entropia de contornos estruturais e sociais, cujos dados são alarmantes. Isso porque, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no ano de 2023, sendo esse número 1,6% maior que o registrado em 2022.
Muito vem se discutindo sobre as reais implicações dessa mudança e o que, no plano da política criminal, isso possa significar. Essa preocupação tem como ponto de partida a elevada pena cominada ao novo delito, isso porque, o que antes era de 12 a 30 anos, agora passa para 20 a 40 anos, podendo, ainda, ser aumentada de 1/3 até a metade em circunstâncias específicas. Nas palavras do ilustre magistrado e professor Alexandre Moraes da Rosa
“Estamos testemunhando, portanto, o nascimento da primeira previsão legal abstrata de uma pena máxima de 40 anos no Brasil. ”
Para muitos, essa alteração não apenas indica uma evolução no entendimento jurídico, mas também sublinha a urgência de uma abordagem mais sensível às questões de gênero no âmbito das Ciências Criminais. Acreditam, ainda, que a necessidade de tratar o feminicídio como um crime autônomo é, portanto, uma resposta à demanda por justiça e proteção às mulheres, que frequentemente enfrentam a brutalidade decorrente de relações marcadas por desigualdades estruturais. Conforme destaca o professor Luiz Regis Prado.
“A nova redação imprime à legislação penal uma perspectiva de gênero. Reconhece-se que as mulheres são vitimadas não apenas pelo ato de homicídio em si, mas por uma violência que se ancora na histórica subalternização e objetificação do corpo feminino.'”
Como já exposto, antes da modificação legislativa, a violência letal contra a mulher era incluída no tipo penal do homicídio qualificado, em sua forma genérica. Entretanto, essa perspectiva se revelava limitada para discernir as nuances de um crime cujas motivações estão profundamente ligadas a padrões históricos de opressão e misoginia.
Dessa forma, essa transformação reflete um esforço claro para fortalecer a resposta penal à violência de gênero, evidenciando uma preocupação crescente com a gravidade desse tipo de ilícito. Essa nova abordagem legal não apenas impõe penas mais severas aos atos de violência, mas também permite tratar de forma específica os dados do delito, o que consequentemente, contribui para uma política criminal mais eficiente.
Outrossim, é mister ainda frisar que, apesar do aumento da pena representar um avanço significativo no combate a violência contra a mulher, é necessário compreender que a alteração, isolada, se torna insuficiente, visto que não enfrenta os padrões culturais que se perpetuam. Ademais, o carácter repressivo da pena não possui o condão de alterar o contexto sociocultural que enseja a cultura delituosa, o que, de forma objetiva, reflete a carência de ações que previnam a lesão ao bem jurídico tutelado, que seja proteção da mulher. Logo, o ato de legislar tão somente a mudança da reprimenda, desconsidera essa dimensão e não é capaz de alterar o status quo de uma sociedade com esse diagnóstico e, por consequência, a sua cultura delituosa.
Para uma proposta efetiva, é fundamental observar que a legislação esteja atrelada a mecanismos que estimulem uma mudança estrutural, reconhecendo que prevenção é tão importante quanto a retribuição penal para promoção da justiça e do direito.
* Nathalia Gadelha, Marcelli Gomes e Karoline Cardoso
Crédito da Foto: Reprodução/Painel Diário
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