Nos últimos anos, a inclusão financeira tem ganhado crescente relevância como tema estratégico para o desenvolvimento econômico e social. No Brasil, milhões de pessoas permanecem à margem do sistema financeiro formal, o que compromete seu acesso a serviços essenciais, como crédito, investimentos e contas bancárias.
A bancarização, processo pelo qual indivíduos anteriormente excluídos passam a ter acesso a serviços bancários formais, é vista como uma ferramenta crucial para a redução das desigualdades sociais e para a promoção de uma economia mais inclusiva.
Este artigo visa examinar, sob uma ótica jurídica, os desafios e as perspectivas da inclusão financeira no Brasil, com ênfase nas populações vulneráveis. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 3º, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre os quais se destacam a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, e a promoção do bem de todos.
A inclusão financeira pode ser entendida como um desdobramento desses objetivos, uma vez que o acesso a serviços bancários e financeiros é essencial para a plena participação na economia formal e para a melhoria da qualidade de vida.
Além disso, o art. 170, da CF/88 consagra os princípios da ordem econômica, que devem ser regidos pela busca do pleno emprego e pela redução das desigualdades. Nesse sentido, a inclusão financeira das populações vulneráveis se alinha com o princípio da função social da economia, enquanto possibilita o acesso a crédito e a outros serviços essenciais, promovendo a autonomia econômica e a cidadania dessas populações.
O Brasil possui um conjunto de marcos regulatórios que visam promover a inclusão financeira, sendo o Banco Central do Brasil o principal órgão responsável por regulamentar e supervisionar o sistema financeiro. Em 2010, foi lançado o projeto “Agenda BC+”, que busca, entre outros objetivos, ampliar o acesso da população aos serviços financeiros por meio de medidas de incentivo à bancarização e ao uso de instrumentos de pagamento digital.
A Lei n.º 12.865/2013, que dispõe sobre arranjos de pagamento e instituições de pagamento, é um exemplo de como a regulamentação tem se adaptado às novas realidades do mercado, permitindo que fintechs e outras empresas de tecnologia possam oferecer serviços financeiros à população. Essa legislação facilitou o surgimento de soluções como carteiras digitais e contas de pagamento, que têm sido fundamentais para a inclusão de milhões de brasileiros no sistema financeiro.
Outro marco importante foi a Lei n.º 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que estabelece diretrizes para o tratamento de dados dos consumidores e garante maior segurança jurídica às operações financeiras, protegendo especialmente os direitos de grupos vulneráveis, que são muitas vezes mais suscetíveis a fraudes e abusos no uso de seus dados.
No contexto das políticas públicas, o programa de simplificação de contas bancárias, como as contas digitais de baixo custo e a criação de modalidades específicas de contas para beneficiários de programas sociais, também se destacam como importantes iniciativas para promover a bancarização. O auxílio emergencial pago durante a pandemia de Covid-19 foi um catalisador para a inclusão de milhões de brasileiros no sistema financeiro, por meio da abertura de contas digitais em instituições como a Caixa Econômica Federal.
Apesar dos avanços, diversos desafios persistem no processo de bancarização das populações vulneráveis. A barreira tecnológica, por exemplo, é um fator relevante, especialmente em regiões remotas e entre a população idosa, que muitas vezes enfrenta dificuldades no uso de serviços digitais. O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que garante a proteção contra práticas abusivas e o direito à informação adequada e clara, é essencial para que esses consumidores possam ser devidamente informados e assistidos na utilização dos serviços financeiros.
Ademais, a inclusão financeira também esbarra em questões de desconfiança e falta de educação financeira. Muitas pessoas ainda veem os bancos como instituições inacessíveis ou temem os custos envolvidos na abertura e manutenção de contas. Nesse contexto, a educação financeira, prevista como uma das atribuições da Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), instituída pelo Decreto n.º 7.397/2010, é crucial para que os consumidores possam compreender seus direitos e fazer uso consciente dos produtos e serviços bancários.
A inclusão financeira no Brasil está intimamente ligada ao avanço tecnológico e às reformas regulatórias em curso. O desenvolvimento de sistemas como o PIX, que permite transferências instantâneas e gratuitas, e o Open Banking, que visa fomentar a competitividade no setor bancário, promete ampliar ainda mais o acesso da população aos serviços financeiros. Contudo, é fundamental que o desenvolvimento dessas inovações seja acompanhado de uma robusta proteção jurídica aos consumidores, especialmente os mais vulneráveis, garantindo que o sistema financeiro seja acessível, inclusivo e seguro.
A promoção da inclusão financeira demanda, portanto, uma atuação coordenada entre o Estado, o sistema bancário e as instituições financeiras alternativas, com base em um arcabouço jurídico que assegure a efetividade dos direitos constitucionais e legais das populações mais vulneráveis. Somente com um sistema financeiro mais inclusivo e acessível será possível alcançar os objetivos de justiça social e desenvolvimento previstos pela Constituição Federal.
*Advogado Henrique Damião Filgueira
Crédito da Foto: Reprodução