Os vínculos cultivados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com variadas Instituições de Ensino Superior (IES) internacionais constituem-se como um valioso recurso para o fomento intelectual e cultural no ambiente universitário. Alguns dos grandes benefícios oriundos destas colaborações é tanto a jornada de professores para o exterior quanto a recepção de professores estrangeiros. Estes docentes, já detentores de vasta experiência, adquirem uma distinta bagagem cultural e acadêmica, fornecendo aos alunos novas perspectivas metodológicas e educacionais.
Rita de Cássia Maria Neves, do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social (PPGAS), é uma das professoras que vivenciaram os aspectos positivos do intercâmbio acadêmico e cultural. A oportunidade se concretizou em virtude do Programa Institucional de Internacionalização (PrInt), mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). De março de 2021 a fevereiro de 2022, realizou na Universidade de Bordeaux o seu pós-doutorado, o qual teve como direcionamento a investigação das práticas de cura e o sistema de saúde em tempos de covid.
Uma vez que o cenário global marcado pela pandemia e seus desdobramentos não permitia a visita aos locais que realizavam tais práticas de cura, ela centrou sua pesquisa em uma análise comparativa do enfrentamento ao covid-19, voltando-se às ações do poder público do Brasil e da França. A docente revela que foi um desafio estar em outro país e em outra universidade justamente em um período assolado por uma pandemia.
“Quando cheguei lá, descobri que meu voo foi o último permitido entre França e Brasil. Acho que ‘medo’ foi a palavra que me acompanhou durante o tempo que permaneci em Bordeaux. Eu tinha muito medo de contrair a covid”, revela. Apesar disso, conta que conseguiu realizar entrevistas, conversar com diversas pessoas acerca do sistema público de saúde francês e desenvolver bem seu objetivo.
O período catastrófico para a saúde global, outrora objeto de incertezas e receios para a professora, contrasta com o êxito acadêmico derivado das vivências na França. Rita menciona que os laços estabelecidos à época ainda perduram e que, atualmente, também co-orienta uma tese de doutorado de uma estudante da Universidade de Bordeaux. “Os programas de apoio à mobilidade internacional nos fazem estabelecer relações com outras instituições e nos possibilitam fazer parte de outras redes do conhecimento”, completa.
Janaina Weissheimer, do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL) e também bolsista do PrInt, é mais uma das beneficiadas pelo bom funcionamento deste intercâmbio. Pesquisadora na área de neurociências da aprendizagem (campo que estuda o funcionamento cerebral com vista a compreender o processo de aprendizado), ela fez seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Irvine (UCI).
O trabalho foi uma continuidade de uma colaboração existente desde 2021, que acontecia de maneira remota, com o grupo Bilingualism, Mind and Brain Lab, coordenado pela professora Judith Kroll. Um dos exemplos do significativo avanço na pesquisa de Janaína, proporcionado graças ao pós-doutorado, foi a participação em eventos científicos de relevância internacional, como o Psychonomic Society 2023 (Califórnia) e o congresso Neurobiology of Learning and Memory (Irvine).
A professora destaca a qualidade dos pesquisadores brasileiros, bem como os méritos da internacionalização universitária e da mobilidade internacional docente. “Estudar em outros países nos oportuniza o contato com técnicas e equipamentos de ponta que raramente estão disponíveis aqui. Compartilhar nossa expertise com grupos de pesquisa e firmar colaborações bilaterais é um caminho muito promissor para o desenvolvimento técnico-científico do país e a formação de futuros pesquisadores que possam ter as mesmas oportunidades mais adiante”, declara.
Em 2023, Ana Rafaela Luz de Aquino Martins, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas (PPGCO), esteve na Universidade da Flórida (UF) para o seu pós-doutorado. A professora trabalhou com a introdução de bactérias periodontopatogênicas (aquelas que têm o potencial de desencadear doenças nos tecidos que envolvem os dentes) em modelos animais, com o objetivo de provocar a periodontite experimental (uma doença inflamatória que afeta a gengiva).
A investigação abrangeu também uma etapa de análise de microRNAs (pequenas moléculas de RNA que desempenham um importante papel na expressão gênica) e de que modo estas moléculas estão associadas ao combate natural que nosso corpo realiza a doenças periodontais (como a gengivite e a periodontite). O trabalho, então, mostra-se extremamente relevante no campo da saúde, pois possibilita uma melhor compreensão dos mecanismos de doenças bucais e, por conseguinte, auxilia na elaboração de tratamentos mais eficazes para combater estas patologias.
Segundo a professora, essa metodologia de pesquisa é realizada quase que exclusivamente pelo College of Dentistry da UF, conduzida pelo professor Kesavalu Lakshmyya. “Minha experiência no pós-doutorado possibilitou o ganho de conhecimento sobre técnicas específicas de cultivo de bactérias periodontopatogênicas, anaeróbias estritas e a possibilidade de introduzir essa técnica de indução de periodontite experimental na UFRN”, completa.
Ana pontua que o estudo empreendido foi primordial para o estabelecimento e o desenvolvimento de pesquisas conjuntas, facilitando até mesmo a ida de alunos da UFRN para a UF. Além disso, ela aponta para a pluralidade dos laços firmados, que contemplaram não somente seu supervisor, como também outros docentes da instituição.
Recepção internacional
Na UFRN, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PPG) é o órgão responsável pela coordenação de todas as atividades em âmbito de pós-graduação, incluindo a mobilidade internacional docente e demais questões provenientes deste tópico. No que concerne à recepção de pesquisadores de outras partes do globo, a PPG atribui um professor-tutor (da própria UFRN) para cada um deles, visando a uma boa permanência e a um adequado acompanhamento para as atividades pressupostas.
Uma dessas visitantes é Debra Waters, professora da Universidade de Otago (Nova Zelândia) e Universidade do Novo México (Estados Unidos), que permaneceu na UFRN entre agosto e setembro deste ano. Durante o primeiro semestre letivo de 2024, ministrou para os alunos do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde (PPGCSA) a disciplina New trends in health sciences – emerging exercise approaches for geriatric syndromes (em tradução livre, Novas tendências nas ciências da saúde – abordagens emergentes de exercício físico para síndromes geriátricas). Detentora de vasta experiência na área, trabalha a temática de envelhecimento ativo e saudável há mais de 20 anos, tendo elaborado estudos tanto na Nova Zelândia quanto nos Estados Unidos, além de diversas colaborações internacionais multicêntricas.
A vinda da pesquisadora é uma continuidade de um trabalho anterior iniciado com Eduardo Caldas, professor do Departamento de Educação Física (DEF) e tutor de Waters. Eduardo foi em 2023 à Nova Zelândia, onde trabalhou como professor visitante e desenvolveu estudos, ao lado dela, sobre a relação entre comportamentos físicos de 24 horas (sono, atividade física e tempo sedentário) e aptidão funcional com indicadores de envelhecimento saudável. A partir disso, surgiu o Estudo New Advances in Tracking Aging through Lifestyles (Estudo NATAL), liderado por Eduardo Caldas em parceria com Waters e pesquisadores das universidades de Manitoba (Canadá), Syracuse (Estados Unidos) e Castilla-La Mancha (Espanha).
Esse estudo busca investigar potenciais relações entre comportamentos físicos de 24 horas e aptidão funcional (a capacidade fisiológica para a execução das atividades diárias de forma independente) com eventos cardiovasculares adversos e quedas em pessoas idosas com 80 anos ou mais, residentes na cidade de Natal (RN). O trabalho também contempla mobilidade acadêmica de alunos do PPGCSA para a Universidade de Otago ainda em 2024.
No mesmo mês, a UFRN contou com a presença de Bertrand Laforge, professor de física na Universidade Sorbonne (França), e pesquisador associado ao Centro Europeu de Energia Nuclear (CERN). Ele atua na detecção de novas partículas a partir de estudos feitos no Grande Colisor de Hádrons (LHC), um instrumento fundamental tanto para o avanço da física enquanto disciplina, quanto para o progresso geral do conhecimento humano. Uma das descobertas primordiais do LHC, por exemplo, foi o Bóson de Higgs, chamada também de “partícula de Deus”, que mudou a maneira como se compreendem o universo e as forças fundamentais da natureza.
No Instituto Internacional de Física (IIF/UFRN), foi um dos palestrantes do evento International School on Collider Physics. Além disso, ministrou outras três palestras sobre machine learning (aprendizado de máquina), sediadas no mesmo local. As atividades contaram com o apoio de Farinaldo da Silva Queiroz, professor do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE), e tutor de Bertrand.
A vinda de Laforge ocorreu em consequência de um acordo proposto por Farinaldo, assinado em julho de 2023 pela Secretaria de Relações Internacionais (SRI). A assinatura consolidou uma parceria histórica entre o CERN e a UFRN, que se tornou a primeira universidade brasileira a possuir um acordo com o Futuro Colisor Circular que deverá ser construído no CERN.
Farinaldo trabalha com física de partículas e astropartículas, área que tem como foco desvendar os mistérios do universo utilizando mecânica quântica, relatividade e cosmologia. Nesse sentido, um dos projetos de alcance internacional coordenados pelo docente é o Busca por Física Nova no CERN e em Telescópios de Raios Gama, que envolve vários países como Estados Unidos, França, Suíça, Chile e Canadá.
Ele se dedica ainda a ações de divulgação científica nessa área com apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) por meio do projeto Ensino de Partículas e Astropartículas (EPA), indicado ao prêmio internacional de educação Péter Murányi em 2021. As ações desenvolvidas incluem a produção de ebooks, pôsteres e vídeos educativos voltados a escolas de ensino básico.
O professor destaca a necessidade da interlocução do ambiente acadêmico e social e da visibilidade que a divulgação científica proporciona. “É fundamental que nós, cientistas, possamos diminuir a distância que existe com a sociedade. Precisamos estreitar essas relações e mostrar o impacto do investimento em nossas pesquisas e o benefício social, de maneira geral”, completa Farinaldo.
A professora Yisi Zhang, da Universidade de Tsinghua (China), foi outra visitante presente durante o mês de agosto. No Instituto do Cérebro, ministrou o minicurso Quantitative natural behavior analysis (análise quantitativa do comportamento), destinado a estudantes de graduação e de pós-graduação com interesse na área de comportamento animal.
Ainda com o ICe, a docente cooperou em duas pesquisas: uma voltada ao estudo do comportamento social do sagui (Callithrix penicillata) e a outra envolvendo métodos de aprendizado de máquina, um recurso que permite o aprendizado de um determinado sistema computacional a partir de dados já existentes, tornando-o capaz de identificar padrões e realizar previsões com base neste conteúdo aprendido. Nesta segunda vertente, Yisi analisou o desenvolvimento de métodos de aprendizado de máquina para a análise de sinais neurais e do comportamento animal.
O estudo de saguis foi realizado no Ethogenesis Lab, coordenado por Daniel Yasumasa Takahashi, professor do ICe. Daniel, tutor de Yisi na UFRN, comenta sobre a importância dessa participação. “Não só ela é uma pesquisadora renomada na área, mas veio de uma das melhores universidades do mundo. Foi uma oportunidade única para os alunos”, diz. Yisi, por sua vez, afirma que uma das coisas que a impressionou foi a paixão e o entusiasmo dos estudantes da UFRN pela ciência. “Eles estavam ansiosos para compartilhar seus projetos de pesquisa e abertos a discutir novas ideias. Eu aprendi tanto com eles quanto eles aprenderam comigo”, conta.
“Meu tempo no Brasil foi transformador de várias maneiras. Pessoalmente, abriu meus olhos para um estilo de vida diferente, onde trabalho e vida pessoal coexistem em harmonia, e onde as pessoas mantêm uma profunda conexão com a natureza”, ressalta. Yisi Zhang considera o ambiente geral mais relaxado, incentivando o foco no que realmente importa na vida. Profissionalmente, ela declara que ganhou uma nova apreciação pela liberdade e criatividade que impulsionam a comunidade científica brasileira. “Essa exposição gerou novas ideias e abordagens que pretendo incorporar em minha própria pesquisa. Foi uma experiência profundamente inspiradora que, sem dúvida, influenciará meu trabalho futuro”, complementa.
Fomento à pesquisa internacional
De acordo com dados levantados até agosto de 2024, a UFRN dispõe de pelo menos 2777 docentes. Destes, 2.391 são permanentes, sendo 2177 do magistério superior e 214 do ensino básico tecnológico. Além disso, possui 44 visitantes, 253 substitutos e 60 temporários. Deste variado quadro, diversos professores são contemplados anualmente, graças a financiamento interno, para diferentes atividades acadêmicas no exterior.
Em 2023, o PrInt possibilitou que 26 docentes da UFRN iniciassem um pós-doutorado internacional. 19 deles da categoria sênior (pesquisador com mais de dez anos desde seu doutoramento) e 4 na categoria júnior (pesquisador que possui até dez anos desde seu doutoramento). Em 2024, até então, 16 professores já iniciaram o processo, sendo 12 seniores e 4 juniores.
Além disso, a PPG, a SRI e a Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq) concederam 350 mil reais à política de internacionalização universitária. O montante foi destinado à participação de docentes da UFRN em atividades no exterior e contemplou, ao todo, 51 professores de diversas áreas do conhecimento.
Rubens Maribondo do Nascimento, pró-reitor de Pós-Graduação, comenta que a internacionalização é fundamental para a formação tanto de novos estudantes quanto de professores. Segundo ele, o acesso a profissionais e técnicas específicas de outras partes do mundo impacta profundamente o trajeto acadêmico. “A UFRN sempre teve clareza de que a qualidade e a excelência dos programas de pós-graduação passam por uma forte internacionalização, no sentido de estarmos atuando em parceria com as mais importantes instituições em cada área do conhecimento.
Plano de Gestão 2023–2027
Promover o intercâmbio acadêmico, cultural e humanístico, de modo a estimular a formação contínua dos professores universitários, é um dos objetivos estabelecidos no Plano de Gestão do período 2023–2027, incluído no indicador 12. O documento prevê um aumento gradual de 0,5% anualmente em relação ao número de docentes participantes de ações internacionais, que incluem pós-doutorados, palestras, aulas, bancas de defesa, entre outras atividades.
De acordo com o reitor José Daniel Diniz Melo, as diretrizes para esse novo período reforçarão o compromisso institucional de avançar na qualidade acadêmica, na inclusão e na inovação. “Em busca do fortalecimento contínuo do valor público da Instituição, o Plano foi estruturado com um Mapa Estratégico, que agrupa os desafios institucionais em três perspectivas inter-relacionadas – Sociedade, Desenvolvimento Acadêmico e Desenvolvimento Institucional – compostas de objetivos estratégicos, mensurados por indicadores e metas”.
Ainda segundo o reitor, as ações da gestão continuarão pautadas pelas lições dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados em 2015, por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. “Esses objetivos reafirmam, a cada dia, o compromisso com uma gestão pautada pela ética, pelos valores democráticos, pelo respeito à diversidade, pela defesa da pluralidade de ideias e da formação cidadã”, completa.
Fonte: Agecom/UFRN