Presentes no solo, nas plantas, no ar, na comida e até dentro de você, os fungos compõem um reino à parte, fundamental para o equilíbrio da vida na Terra. No entanto, seguem entre os organismos menos conhecidos pela ciência. No Brasil, essa lacuna pode começar a ser preenchida com o Fungos-BR, um megaprojeto científico recém-aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que busca posicionar o país na vanguarda do conhecimento e do uso sustentável da biodiversidade fúngica.
Coordenado pelo professor Bruno Tomio Goto, micólogo do Departamento de Botânica e Zoologia do Centro de Biociências (CB/UFRN), o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Fungos do Brasil (INCT – Fungos-BR) será liderado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a partir do CB, com a colaboração do Centro Multiusuário de Bioinformática (BioME), do Instituto Metrópole Digital (IMD) e da Superintendência de Comunicação (Comunica). Contudo, a iniciativa reúne mais de 100 pesquisadores brasileiros e estrangeiros, além de dezenas de estudantes, técnicos e instituições científicas. O objetivo: identificar, preservar, estudar e aplicar fungos em áreas estratégicas, como saúde, energia, agricultura e conservação ambiental.

Estima-se que existam entre 2,2 e 3,8 milhões de espécies de fungos no mundo (algumas projeções falam em até 5 milhões), mas só conhecemos oficialmente cerca de 140 mil. É como se tivéssemos explorado apenas a agulha de um enorme palheiro que esconde uma vastidão de conhecimento biológico, ecológico e biotecnológico. Trata-se de um universo biológico ainda em grande parte oculto — o que levou especialistas a cunharem expressões como “cegueira taxonômica” e “cegueira genômica” para descrever o desconhecimento sobre esses organismos.
Os fungos são tão importantes que, sem eles, as florestas morreriam afogadas em folhas mortas, os animais seriam incapazes de digerir parte do que comem e os humanos perderiam aliados valiosos na produção de medicamentos, alimentos e até combustíveis. É difícil imaginar, mas é verdade: esses organismos discretos, que vivem entre nós — ou melhor, em tudo ao nosso redor —, são tão essenciais quanto pouco compreendidos.

Além de atuarem como recicladores naturais, garantindo o funcionamento dos ecossistemas, eles possuem um alto potencial biotecnológico, podendo ser aproveitados na produção de medicamentos, bioinsumos agrícolas, biocombustíveis e novos alimentos. No entanto, no Brasil, o estudo sobre fungos ainda é limitado, seja pela escassez de especialistas, pela falta de infraestrutura adequada ou pela insuficiência de recursos financeiros para pesquisas de grande porte
Um centro que conecta DNA, ecossistemas e educação
A UFRN será o coração desse projeto, funcionando como centro físico e lógico da rede. Aqui serão mantidos bancos de preservação ex situ (fora do ambiente natural), com amostras de fungos coletados em todo o país, incluindo coleções de DNA genômico, metagenomas (material genético direto do ambiente), sequências genéticas e bancos vivos de espécies fúngicas.
Mas o INCT não quer parar por aí. Um dos focos será o uso de inteligência artificial para analisar dados de biodiversidade, gerando modelos interativos que ficarão disponíveis para pesquisadores. E, talvez o mais interessante para o público geral: o projeto prevê o lançamento do Museu Virtual da Micologia Brasileira (MuViM), além de um aplicativo educativo e ações para popularizar o conhecimento sobre fungos nas escolas e na sociedade.
Outro destaque é a comunicação. Realizado em parceria com a Superintendência de Comunicação da UFRN (Comunica), o Fungos-BR pretende esclarecer, passo a passo, sua atuação, mobilizando a divulgação científica em âmbito nacional. A ideia é informar cada etapa do projeto, além de estabelecer canais de comunicação claros — desde um site com interface amigável até um banco de dados e contatos especializados para atender à imprensa quando necessário.
O que está em jogo?
Conhecer a fundo a biodiversidade fúngica brasileira não é apenas uma questão de ciência — é uma estratégia de soberania e inovação. Em tempos de crise climática, insegurança alimentar e transição energética, os fungos podem ser uma das chaves para uma economia mais verde, circular e inclusiva.

Com o Fungos-BR, o Brasil busca deixar para trás a posição de país megadiverso com baixa capacidade de uso racional de seus recursos e se tornar uma referência global em micologia aplicada. Do cogumelo na floresta à molécula no laboratório, uma revolução silenciosa está em curso — tão silenciosa quanto os próprios fungos, mestres invisíveis que sustentam a vida.
Investimento
O Fungos-BR foi selecionado no maior edital já lançado no país para a expansão e consolidação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a chamada pública nº 46/2024 aprovou 121 projetos, com um investimento total previsto de R$ 1,45 bilhão. O número representa apenas 23% das propostas recomendadas — 521 das 651 enviadas —, o que destaca o grau de competitividade da seleção.
O montante global da chamada é composto por R$ 1 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), além de recursos complementares de R$ 200 milhões da Fapesp, R$ 150 milhões da Faperj, R$ 100 milhões do Ministério da Saúde, R$ 50 milhões da Capes, R$ 50 milhões da Fapemig e R$ 10 milhões da Fapes.
Do total investido pelo FNDCT, 39% foram destinados a projetos das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste — um total de R$ 392,7 milhões, superando o mínimo de 30% exigido no edital, como forma de incentivar o desenvolvimento científico regional.
Com um volume de recursos sem precedentes, a chamada representa um marco na história dos INCTs: o investimento total é cinco vezes maior que o da rodada anterior, e o valor máximo por proposta dobrou, alcançando até R$ 15 milhões. A contratação dos projetos selecionados deve ocorrer até maio, após a conclusão da fase de recursos e a divulgação do resultado final.
Imagens: Jussier Lourenço
Fonte: Agecom/UFRN