No interior do Rio Grande do Norte, histórias de cura, resistência e cuidado se entrelaçam por meio do Projeto Mulheridades, Cultura e Cuidado: Cartografia das Mulheres que Curam. Desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa/UFRN) e financiado pelo Ministério das Mulheres, o projeto mapeia saberes ancestrais de cura, valorizando as mulheres que atuam nesse campo. Ao preservar tradições e fortalecer redes de apoio nas comunidades, o projeto contribui para a saúde regional e local, promovendo a valorização cultural e o empoderamento das mulheres.
Transmitidos por gerações entre as mulheres potiguares, os saberes mapeados nas cidades de Santa Cruz, Currais Novos (Comunidade quilombola de Queimadas) , Caicó (Sítio Juá), São João do Sabugi, Timbaúba dos Batistas, Lagoa Nova, Parnamirim, Ipanguaçu e de São Tomé (Comunidade quilombola Gameleira) incluem práticas de benzedeiras, raizeiras e mães de santo. Essas tradições abrangem o uso de plantas medicinais, técnicas de manipulação corporal e outros métodos que, embora não sejam formalmente reconhecidos pela biomedicina, têm oportunizado bem viver para muitas pessoas.

Coordenado pelas professoras Fernanda Diniz de Sá (Facisa/UFRN) e Mercês de Fátima dos Santos Silva, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSCOL/UFRN), e pela pesquisadora convidada e antropóloga Ester Corrêa, o projeto busca dar visibilidade às práticas tradicionais de saúde, que são fundamentais para a preservação cultural.
O mapeamento das práticas utilizou métodos etnográficos e, por meio de fotografias, textos e desenhos, localizou as mulheres que realizam técnicas tradicionais, identificando os saberes por elas utilizados. A metodologia aplicada para encontrar essas comunidades fortalece não apenas os conhecimentos passados de geração em geração, mas também a identidade dessas mulheres diante das adversidades enfrentadas, destacando o papel da curadora. Durante o ano de 2025, o projeto pretende concluir o mapeamento e finalizar projetos audiovisuais baseados na experiência.

Além disso, o projeto busca expandir a relação entre esses conhecimentos tradicionais e a medicina convencional, reconhecendo sua importância fundamental. As práticas das mulheres curadoras não apenas promovem a saúde, mas também fortalecem a identidade cultural e a resistência das comunidades, sendo consideradas patrimônio cultural. Essas práticas expressam uma profunda conexão entre os seres humanos e a natureza.
Mais do que um resgate ou símbolo cultural, o Projeto Mulheridades celebra a força das mulheres por meio da ancestralidade. As mulheres que curam vivem o cuidado coletivo como um ato revolucionário e acolhedor, capaz de transformar comunidades e reescrever narrativas de enfrentamento social. A iniciativa reafirma a importância de preservar e promover esses saberes, reforçando o papel das mulheres como protagonistas de cuidado e resistência, e evidenciando como suas práticas contribuem para o bem-estar e a formação social.
Agregando saberes
Jaqueline de Medeiros destaca a importância do projeto desenvolvido pela UFRN, ressaltando o valor da troca de experiências e da manutenção dos saberes tradicionais. Moradora de Currais Novos, ela participa regularmente de grupos para compartilhar conhecimentos sobre ervas medicinais e tinturas naturais, práticas que aprendeu durante oficinas realizadas pela universidade.

“Tanta riqueza que auxilia na cura e no bem-estar precisa ser compartilhada. Sou grata à faculdade por trazer esse projeto em comunhão com a comunidade, criando uma rede de apoio e aprendizado coletivo”, afirma Jaqueline.
Além de participar das oficinas, ela integra grupos comunitários onde continua aprendendo, compartilhando informações e produzindo tinturas para melhorar sua qualidade de vida. “Essas práticas fortalecem vínculos e promovem uma rede de apoio entre as mulheres”, reforça.
Maria da Guia Ferreira, também residente em Currais Novos, embora não produza tinturas, exerce na comunidade de Queimadas um papel fundamental de acolhimento e cuidado. Ela valoriza especialmente o legado dos saberes ancestrais preservados na comunidade e reconhece a relevância das ações desenvolvidas pela universidade.
“Esse projeto fortaleceu muito a nossa comunidade, trazendo a possibilidade de ampliar conhecimentos já existentes e valorizando o legado ancestral. Estamos ampliando o que nossos antepassados nos deixaram”, afirma Maria da Guia.
Oficinas
Durante duas oficinas ministradas pela professora Letícia Carvalho, da Faculdade de Engenharia, Letras e Ciências Sociais do Seridó (Felcs/UFRN) e do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Equidade (PET/UFRN), as participantes trocaram experiências e conhecimentos sobre a produção de tinturas medicinais feitas a partir de ervas nativas.

As atividades integraram a oficina Tecendo Saberes Circulares Entre Mulheres na Produção do Cuidado e Cura a partir da Natureza, cujo objetivo foi ensinar técnicas sustentáveis para preparar tinturas usando ervas e álcool de cereais. As mulheres aprenderam métodos de extração, armazenamento correto para preservar propriedades terapêuticas e formas seguras de uso.
“Esperamos que as participantes aprendam a produzir tinturas de ervas e as utilizem no cuidado com a saúde, bem como estejam aptas a ensinar o processo de produção para outras mulheres, uma vez que essas são responsáveis pela criação de territórios de cultura e afeto, onde compartilham seus saberes e exercitam seus saberes de práticas e cuidado mútuo”, revelou Ester Corrêa.
O projeto também procurou alinhar o saber popular às evidências científicas disponíveis, incentivando as mulheres a consultar plataformas online de fontes confiáveis, como as indicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Apesar de muitas das mulheres já acessarem essas plataformas digitais, tivemos a preocupação de indicar plataformas de tradução de conhecimento com informações confiáveis. Assim, estimulou-se a integração dos saberes tradicionais com pesquisas científicas contemporâneas”, revelou a coordenadora Fernanda Diniz de Sá.
Essas ações reforçam o senso de pertencimento e a autonomia das participantes, utilizando o cuidado mútuo como ferramenta essencial para combater desigualdades de gênero e vulnerabilidades socioeconômicas.
“Muitas vezes, mesmo não tendo seu trabalho e práticas reconhecidas, em suas redes de apoio, mulheres empreendem conexões afetuosas que auxiliam no enfrentamento às desigualdades de gênero. Por isso, falar em mulheres que curam e de métodos tradicionais de cura é também falar do que constitui a cultura brasileira e a identidade de um povo, valorizando a cultura nacional a partir do conhecimento e estima desses saberes”, reforçou Ester Corrêa.
Fonte: Agecom/UFRN
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