MPF pede que prefeitura de Natal consulte comunidade local sobre ações no Complexo da Redinha e suspenda lei de concessão

Complexo Turístico da Redinha em Natal com vista para a ponte Nilton Navarro - Foto: Kleber Teixeira/Inter TV Cabugi

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma ação civil pública para exigir a participação da comunidade tradicional local nas decisões sobre as intervenções do Complexo Turístico da Redinha, em Natal, e para pedir a suspensão do projeto de concessão do empreendimento à iniciativa privada.

Depois de ser inaugurado em dezembro e fechar as portas em janeiro, o Complexo Turístico da Redinha, que abriga o antigo Mercado da Redinha, reabriu de forma temporária no dia 6 de fevereiro após negociações entre comerciantes e a prefeitura.

A nova previsão de fechamento é nesta segunda-feira (10). O objetivo do Município é lançar um novo edital de concessão à iniciativa privada, já que o primeiro deu deserto, sem empresas interessadas. A prefeitura informou que não há um novo prazo para reabertura.

Na ação civil pública, o Mistério Público Federal citou que a prefeitura aprovou a concessão da gestão da área a iniciativa privada sem consultar a população.

“Ribeirinhos, pescadores artesanais, marisqueiras, barraqueiros e pequenos comerciantes, historicamente vinculados ao território, sofrem sem sua fonte de subsistência”, citou o MPF.

➡ A Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) faz parte da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e tribais, da qual o Brasil é signatário.

Em nota, a prefeitura de Natal informou que viu a ação com “estranheza” e citou que “a convenção não se aplica aos quiosqueiros”. Questionou também o motivo de se ouvir a comunidade após a conclusão da obra e afirmou que “o equipamento a ser licitado à iniciativa privada trará mais prosperidade para região”. (Veja a nota mais abaixo).

O procurador da República Camões Boaventura, autor da ação, citou que intervenções em áreas de relevante valor étnico e social não podem ocorrer sem a garantia dos direitos das populações que habitam o local há gerações.

“Buscamos reafirmar o dever do poder público em promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo, preservando a integridade da comunidade e seu modo de vida”, defendeu.

Veja reportagem abaixo de quando o Mercado da Redinha foi reaberto, com previsão de fechamento a partir de 10 de março:

O que pede a ação

A ação do MPF pede que:

  1. A Justiça Federal que determine, em caráter de urgência, ao município de Natal que não adote qualquer nova medida administrativa ou legislativa referente à Redinha, sem a realização de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) à comunidade tradicional local;
  2. A imediata suspensão da Lei Municipal 7.74/24, que regulamenta a concessão do Complexo Turístico da Redinha à iniciativa privada. A lei foi aprovada em regime de urgência na Câmara Municipal e sancionada pelo município, no final do ano passado.
  3. Pagamento de indenização pelos danos morais coletivos causados à população.

As obras do Complexo Turístico da Redinha incluem o mercado público, os quiosques da praia e o espaço de guarda, entrada e saída de embarcações.

Os quiosques antes existentes foram demolidos e permaneciam pendentes da construção das novas instalações até este mês de março, citou o MPF.

A reforma do mercado foi concluída após vários atrasos e, segundo o MPF, “sem o consenso da comunidade nem a devida assistência aos comerciantes desalojados”.

O que diz a prefeitura

A prefeitura emitiu a seguinte nota:

“A Procuradoria Geral do Município enxerga o ajuizamento da ação do MPF com estranheza, em razão de a convenção não se aplicar aos quiosqueiros, consoante ensina o Professor Catedrático da USP, Cassio Zen, nos seguintes termos:

Os direitos previstos na Convenção 169 se aplicam a ‘povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais’ e ‘povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independente de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou todas elas’.

Nos dois casos, a autoidentificação é o critério fundamental para definir que povos são esses. Assim, no Brasil, a Convenção 169 se aplica tanto aos povos indígenas quanto às comunidades quilombolas.

Por outro lado, qual seria a finalidade da escuta da comunidade da Redinha, só após a conclusão do mercado e se o equipamento a ser licitado à iniciativa privada trará mais prosperidade para região. Além disso, o tema já foi tratado em outro processo, oportunidade em que tal questão restou superada.

A despeito desse contexto, a PGM aguardará a intimação processual para se manifestar nos autos, como deve ser feito, sem qualquer exploração midiática ou ideológica.”

‘Impactos dramáticos’

Com as obras realizadas no mercado, o MPF concluiu que “tais intervenções vêm gerando, de forma contínua, impactos dramáticos na subsistência, saúde, modos de vida e dignidade dessa comunidade”.

A ação é baseada em laudo antropológico do MPF e em relatório técnico do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O laudo demonstra que a Redinha é composta por comunidades tradicionais, que “se entrelaçam em história, parentescos e atividades produtivas”, sendo essas: a comunidade de pescadores, a comunidade África e a comunidade ribeirinha do mercado público.

Segundo o MPF, as relações de parentesco e comunidade se manifestam nos costumes, nas tradições religiosas, nas respectivas organizações coletivas, nos conhecimentos específicos transmitidos por gerações, e, sobretudo, na interdependência econômica relacionada à pesca.

Mercado da Redinha em Natal/RN – Foto: Thiago César/Inter TV Cabugi

Consulta à comunidade

➡ A realização de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) à comunidades tradicionais sobre intervenções em seus territórios está prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e tribais, da qual o Brasil é signatário.

Os princípios que estabelecem esse direito visam garantir a legitimidade e a efetividade das ações governamentais, considerando o impacto das decisões na vida dessas populações.

O procurador da República Camões Boaventura explicou que a CPLI “deve ser culturalmente adaptada para alcançar seus objetivos, o que implica a necessidade de que os povos consultados compreendam plenamente o processo”.

“Para isso, é crucial desenvolver métodos que respeitem a realidade específica de cada comunidade, envolvendo suas lideranças e entidades representativas. Assim, a consulta não deve ser um mero procedimento formal, mas um processo dialógico que inclui diversos agentes”.

Crédito das Fotos: Kleber Teixeira/Inter TV Cabugi e Thiago César/Inter TV Cabugi

Fonte: G1 RN

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