Mais comodidade, mais acesso – Plataforma facilita monitoramento neurológico de prematuros

Cientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu plataforma que usa novas tecnologias, como internet das coisas e sistemas embarcados, para dispositivos de monitoramento das funções neurológicas de bebês em UTIs neonatais. O resultado foi alcançado focando na integração de tecnologia avançada de neuroimagem e acompanhamento de vídeo em tempo real, com o intuito de avaliar e analisar a atividade neurológica e o comportamento de recém-nascidos.

Professor do Instituto do Cérebro, Richardson Naves Leão salienta que, com o invento, profissionais de saúde podem detectar e tratar problemas como convulsões e outras anormalidades neurológicas prontamente, mesmo à distância, através da transmissão de dados por radiofrequência. “Este equipamento aprimora a capacidade do profissional remoto para fornecer cuidados especializados e melhorar os resultados para neonatos, especialmente em áreas com acesso limitado a especialistas em neurologia pediátrica”, destaca o docente.

A preocupação tem uma razão de ser. Leão pontua que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, condições neurológicas são a principal causa de incapacidade no mundo (e a segunda maior causa de morte). Recém-nascidos prematuros são a população mais vulnerável a lesões cerebrais, e a complexidade do monitoramento neurológico impede a adoção generalizada de cuidados neuroprotetores. Ou seja, as regras podem variar substancialmente.

Dispositivo de monitoramento neurológico transmite sinais em tempo real, permitindo a análise detalhada da atividade cerebral neonatal

Por outro lado, historicamente, as unidades de terapia intensiva neonatal (UTINs) adotaram uma série de procedimentos e tecnologias que aumentaram a taxa de sobrevivência de recém-nascidos de períodos gestacionais cada vez mais curtos. No entanto, quanto menor o tempo de gestação, maior a probabilidade de complicações neurológicas, que muitas vezes implicam em deficiências cognitivas, motoras e sensoriais permanentes. No Brasil, por exemplo, ocorrem entre 15 e 20 mil nascimentos com encefalopatia hipóxico-isquêmica por ano. Leão pontua que o paciente que acaba tendo a lesão neurológica enfrenta um preço altíssimo, tanto emocionalmente para a família e para si mesmo, quanto para o sistema de saúde, já que esta pessoa se torna um ‘eterno’ paciente do sistema.

“Para complicar ainda mais a situação, as manifestações clínicas de lesões cerebrais em recém-nascidos são muitas vezes incomuns quando comparadas a outros grupos. Especialmente em bebês prematuros, boa parte das convulsões ocorre sem sinais clínicos visíveis. Assim, o presente invento visa fornecer a detecção precoce e o diagnóstico de distúrbios neurológicos, melhorando a capacidade de intervir prontamente e aprimorar os resultados de saúde neonatal”, explica Leão. Mineiro graduado em Medicina na Universidade Federal de Uberlândia, o pesquisador cita que existe um protótipo construído usando impressoras 3d do laboratório.

Segundo Leão, há a inferência de que a tecnologia criada é um sistema barato de monitoramento neurológico capaz de fornecer um entendimento integral dos fenômenos. Buscando viabilizar a execução deste projeto, há a contribuição também de Tiago Carneiro Peixoto, especialista em governança atuante pelo Banco Mundial, que tem buscado formas de financiamos a iniciativa.

Richardson Leão segura o protótipo do dispositivo de monitoramento neurológico

“Além de gravar e analisar em tempo real os sinais elétricos do cérebro, o conhecido eletroencefalograma, a plataforma monitora outras variáveis como movimentos atípicos, mudança de temperatura, frequências cardio-respiratória e oxigenação do sangue. Essas facilidades foram desenhadas de uma forma a minimizar o efeito deletério de fios e cabos ao contato materno. Por exemplo, os eletrodos de eletroencefalografia são conectados com um conector de engate rápido para que a mãe amamente o bebê. Outra coisa que tive em mente quando desenhei essa plataforma foi fazer o máximo de medições sem contato. Para isso, todo o sistema é integrado em um dispositivo de vídeo de precisão com uma câmera térmica escamoteável”, descreve o cientista.

O docente realça também que a combinação entre vídeo e “imageamento” térmico “dá uma precisão incrível às medidas de temperatura e o fato da câmera térmica poder escanear todo campo de visão através dos motores aumenta muito a resolução da mesma sem aumentar o preço – isso tudo, empacotado num sistema que visa a simplicidade, pra não aumentar, ainda mais, a fadiga dos incríveis profissionais que trabalham nessas UTIs”.

O pedido para proteção intelectual e industrial da tecnologia foi realizado no mês de fevereiro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o nome “Sistema integrado para monitoramento neurológico neonatal”. Agora, os pormenores do equipamento ficam sob sigilo por 18 meses e, em seguida por mesmo período temporal, a invenção passa a ser analisada por peritos e técnicos do INPI. Acaso atenda aos critérios de patenteabilidade atividade inventiva, novidade e aplicação industrial, acontece a concessão, com a consequente expedição da carta-patente. Na UFRN, os inventores recebem suporte administrativo em todas as fases, através da Agência de Inovação (Agir).

Em vídeo, Leão fala um pouco mais dos benefícios da invenção

“Eu acho que a única forma de criar uma plataforma que pretende universalizar o cuidado neurológico é a acadêmica e, nessa perspectiva, é preciso protege-la. Aqui na academia temos milhares de cabeças multidisciplinares, que não têm o medo de ‘serem cortadas’ se não produzirem algo que o chefe quer. Também quero ressaltar que essa plataforma foi desenhada pensando na produção em massa, para reduzir ainda mais o custo, que em consequência, facilita a universalização do monitoramento neurológico”, circunstancia Leão.

Da prática, hipóteses

Aliar teoria com a prática é fundamental. A frase, meio que senso comum, esconde que quando uma delas é feita com poucas condições materiais e profissionais, a junção tende a produzir resultados ‘pela metade’. Richardson Leão relembra uma passagem de quando seu pai, Cílio Leão, fazia eletroencefalograma no interior de Minas Gerais há meio século. “Ele dizia que os pacientes dele que desenvolviam epilepsia na adolescência tinham histórico de convulsões neonatais causadas por febre, algo que não se vê nos livros, já que convulsões febris são consideradas benignas. Para piorar, as manifestações de fenômenos neuropatológicos como convulsões são, em grande parte, atípicos em prematuros, podendo ocorrer sem aquela manifestação motora clássica, silenciosamente, e sem monitoramento, a lesão neurológica ocorre de forma descontrolada”, destaca.

Uma das iniciativas inspiradas por essa patente é a universalização do monitoramento neurológico na prática da medicina, haja vista o potencial de favorecimento que a ‘ferramenta’ implica. “O monitoramento usando vídeo EEG permite a detecção e intervenção rápida nas convulsões, o que melhora muito o prognóstico e minimiza sequelas. Sem dizer o que ainda não se sabe! Eu acredito que se esse acompanhamento for universalizado, como por exemplo a oximetria ou o eletrocardiograma foram, vamos começar a encontrar relações entre lesão neurológica neonatal e distúrbios como autismo ou déficit de atenção. Enfim, são milhares de vidas que poderiam ser salvas e ainda, proteger o cérebro desses bebês no nascimento dão a eles uma maior chance de viverem uma vida plena”, reflete o pesquisador.

Sensor integrado acompanha a oxigenação cerebral do bebê, proporcionando monitoramento contínuo sem causar desconforto na pele

Pensando nisso, e para unir a teoria e prática, Leão atualmente, junto com Anna Christina do Nascimento Granjeiro Barreto, médica da Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC-UFRN-Ebserh), e o professor Eduardo Bouth Sequerra, também do Instituto do Cérebro, montou um grupo “obstinado” com a universalização do monitoramento neurológico neonatal. “Inclusive foram essas duas figuras que me inspiraram a correr atrás disso. O Eduardo já trabalha nessa área de neurodesenvolvimento há anos e é uma das autoridades nos estudos de Zika congênita.u Já a doutora Anna Christina faz um trabalho maravilhoso na UTI neonatal da MEJC. Nessa iniciativa, queremos agora acabar com qualquer tipo de impedimento entre o contato bebê e mãe. Nessa perspectiva, queremos fazer um sistema totalmente sem fio que possa ser usado como um band-aid na testa”, conta com o sotaque mineiro ainda mais entusiasmado.

Para isso, o docente relata que o grupo conta com a expertise do professor Wallace Soares, do Departamento de Engenharia de Computação e Automação (DCA), para desenvolver um sistema de eletroencefalografia e espectroscopia de infravermelho próximo, uma técnica usada no registro da oxigenação cerebral. Há também a colaboração de um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), através sobretudo do professor Cristiano Legnani . “O monitoramento, para ser efetivo, tem de ocorrer 24h por dia. Contudo, a aplicação de eletrodos pode causar lesões bem dolorosas na pele dos bebes, principalmente prematuros, por isso conseguimos o privilégio de contar com o Nanolab da UFJF para a criação de materiais novos para esses eletrodos, que não causem lesões e permitam o monitoramento contínuo”.

Plataforma analisa padrões de movimento e comportamento neonatal, utilizando inteligência artificial para aprimorar diagnósticos

Leão indica que outro fator dos experimentos é a perspectiva do uso da inteligência artificial e a redundância para melhorar a qualidade das medidas. “Assim, ao invés de usarmos componentes eletrônicos caríssimos feito em pequena escala, com o propósito específico de medir a atividade cerebral, podemos usar componentes de uso geral, que tem especificações ligeiramente inferiores que podem ser compensadas no firmware da plataforma. É um caminho para baratear os custos de produção”, frisa o docente.

Para tanto, ele cita um exemplo recente de como algoritmos mais inteligentes podem compensar o hardware inferior. “A história da deepseek versus o chatGPT é emblemática até: onde a primeira fez o que a última faz usando hardware inferior para  processamento paralelo. Ou seja, o fusca da deepseek empatou com a ferrari do chatGPT porque o motorista, ‘conhecedor da pista’, era mais habilidoso. Para a implementação dos algoritmos de aprendizado de máquina e IA, eu tenho a sorte de trabalhar também com uma das mentes computacionais mais brilhantes que conheci, o Helton Maia Peixoto, da Escola de Ciência e Tecnologia”, finaliza Leão.

Imagens: Cícero Oliveira

Fonte: Agecom/UFRN

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