Usar o mesmo material que compõe a rolha de uma garrafa de vinho para produzir um saborizante para sorvetes. O resultado é um dos caminhos possíveis que surgiu do novo depósito de pedido de patente realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), no último mês de dezembro, e que contou com a participação dos inventores Thalita Medeiros Barros, Jussara Câmara Cardozo, Carlos Alberto Martínez-Huitle e Elisama Vieira dos Santos.
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De malas prontas para fazer parte de seu doutorado na Alemanha, no Max Planck Institute for Chemical Energy Conversion, Thalita Barros salienta que a patente consiste no desenvolvimento de uma metodologia para a obtenção de compostos fenólicos a partir da biomassa de cortiça. A cortiça é um material de origem vegetal, obtido da casca dos sobreiros (Quercus suber), leve e com grande poder isolante e adsorvente. Thalita pontua que o grupo de pesquisadores conseguiu quantificar cinco compostos, dentre os quais o ácido siríngico, a vanilina e o ácido vanílico se destacam. “Esses materiais são compostos fenólicos de alto valor agregado. Insumos para a indústria, são precursores aplicados à indústria de cosméticos, indústrias alimentícias e indústrias farmacêuticas. A vanilina e o ácido vanílico são aplicados como saborizantes no sorvete de baunilha, por exemplo”, situa a doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química da UFRN.
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Orientadora da pesquisa, Elisama Vieira dos Santos explica que, para chegar aos compostos, o processo utilizou a eletrossíntese de persulfato como agente oxidante útil para a produção de moléculas precursoras da indústria. A eletrossíntese é uma técnica na área química que utiliza energia elétrica para produzir novos compostos a partir de reações químicas e eletroquímicas. Ela acrescenta que a integração de sistemas eletroquímicos para a produção dos oxidantes, tais como o persulfato, peróxido de hidrogênio e percarbonato, garante um processo eficiente e de alta precisão, aumentando o rendimento e a pureza dos compostos extraídos. O uso desses oxidantes reduz a dependência de produtos químicos agressivos, minimizando os resíduos tóxicos e os impactos ambientais do processo.
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Cientista que integra o grupo do Laboratório de Eletroquímica Ambiental Aplicada (LEAA) e do Grupo de Energias Renováveis e Sustentabilidade Ambiental, Elisama complementa que o resíduo de cortiça é um material renovável e amplamente disponível. “Promover o aproveitamento de resíduos naturais, oferecendo uma alternativa ambientalmente amigável para a sua produção, ao substituir métodos tradicionais mais poluentes e dispendiosos e, por conseguinte, promover a economia circular, são eixos de atuação do nosso grupo de pesquisa. Especificamente sobre esse nosso último depósito, a flexibilidade e escalabilidade deste processo são evidenciadas pela possibilidade de ajustar proporções de biomassa. A metodologia produzida e as condições de operação permitem que o método seja adaptado para diferentes volumes de produção e aplicações industriais”, destaca.
Alto nível de maturidade
Recém-chegado da Europa, onde recebeu em dezembro, na Inglaterra, o título de Fellow da Royal Society of Chemistry (FRSC), concedido pela instituição do Reino Unido pelo reconhecimento a cientistas que tenham feito contribuições notáveis para o avanço da química, o professor do Instituto de Química Carlos Alberto Martínez-Huitle destaca que o LEAA possui uma sólida experiência em estudos de reatores eletroquímicos com produtos aplicados na indústria.
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“Neste sentido, o nível de maturidade tecnológica deste processo é alto, estando localizado na escala entre o nível seis e sete, ou seja, passível de ser aplicado em escala comercial. Interessante salientar que temos outros reatores de pequeno e médio porte, também protegidos por patenteamento, que servem para o tratamento de água de reuso, ou que podem ser utilizados para algumas atividades humanas, como a irrigação. Esse conjunto da obra, digamos assim, fez com que algumas empresas já demonstrassem interesse em estabelecer parcerias mais próximas”, contextualiza o docente do Instituto de Química, também vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Química.
Por sua vez, Elisama menciona ainda que a patente combinou conhecimentos de áreas distintas, como eletroquímica, química orgânica, engenharia de processos, ciência de materiais e sustentabilidade, o que reforça a importância de abordagens multidisciplinares na resolução de desafios científicos e tecnológicos. Segundo a cientista, atualmente o Laboratório de Eletroquímica Ambiental e Aplicada estuda outros tipos de resíduos agroindustriais de abundância local e regional, assim como está empenhado em valorar os produtos produzidos por métodos de extração ambiental sustentáveis.
Imagem de capa: Cícero Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN
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