A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) obteve nesta terça-feira, 11, o patenteamento de uma nova substância pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A substância é destinada à produção de soros contra venenos de animais peçonhentos, como serpentes, escorpiões, lacraias, aranhas, abelhas, lagartas, vespas, sapos, rãs e insetos. Matheus de Freitas Fernandes Pedrosa, um dos autores da descoberta, destaca que uma das principais vantagens da invenção é a redução dos efeitos colaterais em comparação aos imunoadjuvantes tradicionais. Essa eficácia é alcançada graças à utilização de nanopartículas de quitosana, um produto biocompatível e biodegradável.
“A formulação desenvolvida pode salvar diretamente vidas humanas e de animais vítimas de acidentes com animais peçonhentos, proporcionando um tratamento eficaz por meio de um soro inédito, com alta aplicabilidade terapêutica, produzido a partir da composição farmacêutica patenteada”, salienta o professor do Departamento de Farmácia da UFRN.
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O ‘novo soro’ é fruto da tese de Karla Samara Rocha Soares, pesquisa vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas. Ela cita caprinos e equinos como exemplos de utilização da nova tecnologia na área veterinária. Ela identifica que o novo imunoadjuvante pode ser usado também na produção de vacinas, com potencial de aplicação em tratamentos para a população.
Os soros contra animais peçonhentos são importantes porque evitam sequelas físicas, neurológicas e mortes causadas pelo veneno. Apesar dos acidentes com animais peçonhentos serem mais comuns em áreas rurais, não é raro acontecer também em ambientes urbanos, principalmente com aranhas e escorpiões, que se proliferam nestes locais devido ao desequilíbrio ecológico. Em 2023, o Brasil registrou 341.806 acidentes envolvendo animais peçonhentos, um crescimento superior a 16% em relação ao ano anterior.
Atuando como pesquisador em tecnologia farmacêutica e nanotecnologia aplicadas para moléculas de interesse farmacêutico e biotecnológico para saúde humana e animal, Arnóbio Antônio da Silva Junior explica que a composição dos sistemas nanoparticulados que receberam a carta patente utilizam nanopartículas de quitosana reticulada com tripolifosfato. Essas nanopartículas são obtidas por gelificação iônica, um processo capaz de formar estruturas gelatinosas. Nelas estarão as proteínas dos venenos.
“Na nossa linha de pesquisa, a gente tem bem documentado que, através das nanopartículas, a gente consegue modular a velocidade de apresentação e liberação dessas moléculas no organismo, como também a gente tem achado onde é possível modular, de certa forma, a resposta do organismo à possível imunização. Então a gente associou essas propriedades dos nanocarreadores à necessidade que se apresentava para um novo adjuvante para desenvolver um soro contra a picada de animais peçonhentos, situação que resultou no patenteamento”, descreve Arnóbio. A invenção recebeu o nome de “Sistemas nanoparticulados de quitosana aplicados como imunoadjuvantes na produção de soros contra venenos de animais peçonhentos” e, além dos três, a professora Kátia Solange Cardoso Rodrigues dos Santos Geraldi integra também a equipe de inventores.
Patenteamento
O processo de pedido de patente pode ser trabalhoso e até demorado. Foi esse o caso desta carta, depositada em 2012. Contudo, isso não significa que, uma vez registrada a patente, essa proteção legal seja válida para sempre. Essa ‘validade’, atualmente, é de 20 anos ou de 15 anos contados a partir da data do depósito, a depender da modalidade: se patente de invenção ou caso de modelo de utilidade. De maneira simplificada, a primeira é o tipo de patente que protege a atividade inventiva, enquanto a segunda protege objetos de uso industrial.
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Para receber o documento, significa que a pesquisa se submeteu a avaliações que, no fim, buscam averiguar se ela atendia aos três critérios de patenteamento: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Ou seja, uma invenção deve ser nova, não podendo existir em nenhum outro lugar do mundo. Além disso, deve ser inventiva, ou seja, o processo de criação deve envolver engenhosidade e não ser óbvio para um técnico no assunto. Por fim, deve ser possível replicá-la em escala industrial.
Com a agora sexta concessão, Matheus Pedrosa entra no grupo de cinco cientistas com mais cartas patentes dentro da UFRN. Para ele, o processo de patenteamento valida e formaliza o conhecimento, contribuindo para o avanço do estado da arte ao tornar as informações da invenção acessíveis à comunidade científica. “O patenteamento também impulsiona o investimento em pesquisa e desenvolvimento, facilita parcerias industriais e atrai financiamento. Ao proteger as inovações, o processo pode promover a transferência de tecnologia, fomentar colaborações acadêmicas e industriais, além de tornar a instituição mais competitiva no cenário internacional”, defende.
O tempo não para
No Laboratório de Tecnologia e Biotecnologia Farmacêutica (Tecbiofar), onde os experimentos ocorreram, há uma paixão intensa em aliar a teoria com a prática. Como resultado, novas formulações surgem, utilizando conhecimentos da farmácia e ferramentas advindas da ‘tecnologia nano’. “Novas criações estão sendo desenvolvidas contendo componentes isolados das peçonhas, com comprovada atividade farmacológica. Essas formulações estão sendo avaliadas para atividades antimicrobiana, antifúngica e antitumoral. Especificamente, no caso da peçonha do escorpião Tityus stigmurus, um estudo recente revelou um conjunto de toxinas com elevado potencial biotecnológico”, pontua Matheus Pedrosa.
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Sem promessas ilusórias, a análise da pesquisa citada por Pedros identificou substâncias com atividades farmacológicas promissoras, como um peptídeo hipotensivo (TistH), que tem mostrado potencial para potencializar o efeito da bradicinina (capaz de reduzir a pressão arterial), além de apresentar atividade antifúngica. “Nesse contexto, nanopartículas de quitosana foram formuladas para carrear o peptídeo TistH, utilizando os métodos de incorporação e adsorção. Os nanossistemas obtidos demonstraram alta eficiência de incorporação, superior a 96,5%, e biocompatibilidade, sem efeitos adversos para o corpo, seja hemolíticos ou citotóxicos. As nanopartículas também demonstraram potencial de liberação sustentada e mostraram atividade antifúngica contra cepas de Candida, com resultados promissores, especialmente contra Candida albicans, C. parapsilosis e C. tropicalis, espécies de fungos que podem causar infecções orais, penianas e vaginais em seres humanos”, destaca o pesquisador.
Sem deixar que o tempo pare, Pedrosa salienta que a tecnologia patenteada está em processo de otimização e testes para liberação modificada, ajustada a necessidades específicas, e eficácia terapêutica, com o objetivo de avançar para ensaios clínicos e possíveis aplicações em tratamentos para infecções e doenças tropicais. Sem alarde, faz parte do trabalho dos cientistas o avanço nos estudos pré-clínicos, cujos resultados laboratoriais estão bem promissores. “A tecnologia está na fase de otimização das formulações e avaliação de suas aplicações terapêuticas em diferentes tipos de infecções e doenças. O próximo passo será a realização de estudos clínicos mais amplos para validar o uso dessas nanopartículas em seres humanos”, ressalta Matheus. Parafraseando o poeta, o Tecbiofar é um exemplo de lugar onde, sem a pretensão de ficar escondido fazendo fita, todo dia é dia e tudo em nome da ciência.
Imagens: Cícero Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN
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