Cidade tropical do futuro

Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, arquiteto e urbanista, respectivamente, não codificaram Brasília em seus projetos nem consideraram o conceito de open source nos anos 1950. Ainda assim, suas visões projetavam o futuro, ao idealizarem Brasília como a nova capital federal do país. Desde então, o planejamento urbano evoluiu significativamente, incorporando inovações como diferentes formas de geração de energia e cidades fundamentadas na modernidade.

Singapura é um dos exemplos mais marcantes dessa evolução. A cidade-estado iniciou nos anos 1990 um estudo aprofundado sobre seu urbanismo e hoje figura entre as principais smart cities (cidades inteligentes) do mundo. No Japão, Yokohama também se destaca por apostar em sustentabilidade e resistência a desastres. Mais de meio século após o nascimento de Brasília, as inovações em cidades inteligentes chegaram ao Brasil, inspirando iniciativas como o laboratório Smart Metropolis, da UFRN, que busca criar soluções para cidades mais conectadas e sustentáveis.

Linha do tempo do Smart Metropolis – Arte: Jefferson Tafarel – Agecom/UFRN

Planejado em 2014, o Smart Metropolis nasceu com a premissa de integrar tecnologias de código aberto para auxiliar a administração pública na conexão de dados de diferentes áreas, como educação, infraestrutura, saneamento, saúde e segurança. A proposta visava oferecer uma solução mais eficiente para o gerenciamento da sociedade urbana. Com essa abordagem, gestores responsáveis por cada uma dessas áreas poderiam interpretar os dados de maneira mais clara, otimizando o uso de recursos disponíveis e aprimorando a capacidade de planejar e executar políticas públicas com inteligência e eficiência.

A virada de chave para o avanço do Smart Metropolis ocorreu em 2015, com parcerias firmadas com a Prefeitura do Natal e a Secretaria Estadual da Segurança Pública e da Defesa Social (SESED/RN). O impulso decisivo veio em 2016, quando a plataforma de código aberto FIWARE — gerida pela Fiware Foundation, uma organização alemã sem fins lucrativos que apoia projetos de cidades inteligentes — passou a colaborar com o projeto. Essas parcerias impulsionaram o desenvolvimento do Smart Metropolis, transformando-o em um laboratório de tecnologias para cidades inteligentes.

Fred Lopes, coordenador do Smart Metropolis (à esquerda) e Nelio Cacho, vice-coordenador do laboratório –  Foto: SmartMetropolis/Adpatado

Hoje, segundo Fred Lopes, coordenador do projeto, há diálogos ativos com consórcios de prefeituras interessadas em modernizar a gestão urbana e implementar soluções inovadoras.

“Estamos em conjunto, fechando uma força de cooperação também com o consórcio de prefeituras com abrangência nacional Ciga (Consórcio de Inovação na Gestão Pública), com 343 prefeituras: eles estão decididos a adotar FIWARE como protocolo de padronização de comunicação, de troca e de formatação de dados. E nós somos a referência da FIWARE no Brasil, com a UFRN e o laboratório Smart Metropolis”, disse.

Uma das principais soluções desenvolvidas pelo Smart Metropolis, fruto das parcerias e eventos que consolidaram o projeto, é a tecnologia dos Smart Geo Layers (Segol). “Uma plataforma que permite a visualização integrada dos dados, facilitando a tomada de decisões mais assertivas para políticas públicas”, explica Fred Lopes. A ferramenta torna mais acessível verificar diferentes relações e necessidades da gestão pública. Assim, é possível ter mais critérios para analisar e resolver problemas dentro da própria cidade.  “Outros órgãos com histórico de colaboração com o laboratório são: Polícia Rodoviária Federal, Ministério Público do Rio Grande do Norte e Exército Brasileiro. O Laboratório Smart Metropolis também tem fechado parcerias com a iniciativa privada, a exemplo do Grupo Interjato”, informa o coordenador do Smart Metropolis.

Segurança inteligente

Em vários projetos de cidades inteligentes no Brasil, um dos principais pontos a serem monitorados é a segurança. Para o tema, o laboratório já experimentou alguns projetos internamente na UFRN, que levaram a pensar na construção, por exemplo, de um aplicativo para segurança pública.

A Central de Atendimento e Despacho (CAD), por sua vez, é um dos principais projetos nesse setor no âmbito do Smart Metropolis. “É o nosso 190 no Rio Grande do Norte: todo o processo de atendimento e despacho de ocorrências, desde o cidadão ligar até a viatura atender o cidadão, bem como o processo de controle para abastecer a viatura são feitas pelo CAD, por exemplo”, detalha Fred Lopes.

Nessa área, também foi importante o desenvolvimento do aplicativo Salve Elas, que pode ser usado em defesa das mulheres que estão em risco de violência doméstica. “Esse aplicativo facilita o contato sutil e, ao mesmo tempo rápido, com forças de segurança. A solução foi trabalhada ao longo de 2023 e lançada no final do ano passado pela governadora Fátima Bezerra. Desde então, vem sendo usado no dia a dia por essas mulheres”, detalha.

O impacto positivo que esses projetos vêm tendo na segurança passou a repercutir fora do país. “Alguns parceiros internacionais aqui na América Latina estão com interesse de conhecer o CAD integrado ao FIWARE, porque já o utilizam em algumas províncias, como na Argentina ou na Colômbia”, aponta Fred. Seja no uso para a segurança ou para a integração entre diversas pastas, o que acontece na utilização dessas ferramentas é fruto de uma perspectiva inovadora no contexto de gestão das cidades.

Ao trabalhar com o código aberto, os gestores têm uma capacidade maior de realizar adaptações, isto é, ver como a tecnologia pode ser aprimorada em relação à realidade sobre a qual eles estão responsáveis. “Uma cidade inteligente é aquela que traz possibilidades de uma vida feliz para o seu cidadão. Quando nós trazemos para esse conceito de tecnologia, é quando desenvolvemos tecnologias que vão impactar a vida na cidade, aquelas que o cidadão vai usar”, opina.

Smart Geo Layers

Diversas soluções em tecnologia da informação (TI) hoje dão conta de adaptar o serviço burocrático de administração pública, com o intuito de integrar as inúmeras partes da gestão. A distinção em relação ao Smart Geo Layers é que, diferente de outros produtos similares, existe uma maior facilidade no seu uso para os usuários leigos em programação. O projeto nasce a partir de uma colaboração com a prefeitura do Natal, como forma experimental. Já em 2020, o Smart Metropolis conseguiu aplicar o SGEOL com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), promovendo um repasse tecnológico à pasta.

O desenvolvimento do Smart Geo Layers teve impacto positivo no olhar dos gestores públicos fora do Rio Grande do Norte – Arte: IMD/Reprodução

“O que a gente vê na prática, com muitas plataformas de georreferenciamento, é que você precisa de conhecimento técnico, inclusive de TI, muito forte — às vezes, até precisa saber fazer consultas com SQL. Assim, para o gestor público, prefeito, secretário, para qualquer que seja o tomador de decisão, isso é muito complexo. Por isso, a gente desenvolveu (o Smart Geo Layers) para fazer suas consultas, análises etc. de modo mais amigável. A gente desenvolveu uma plataforma muito mais prática e com formato de financiamento bem mais adequado para órgãos públicos.”, afirma Fred.

O funcionamento do SGEOL já tem aplicação no Painel de Segurança do MIDR: o sistema captura informações relevantes das agências reguladoras relacionadas ao ministério, como a Agência Nacional de Águas, além de outras secretarias relevantes. Com isso, o SGEOL passa a se destacar como uma solução de grande porte: “já estamos conversando com pelo menos três ou quatro organizações para novos projetos aplicando o SGEOL”, completa Fred Lopes.

Plano de Gestão 2023–2027

A tecnologia dos Smart Geo Layers (SEGOL), desenvolvida pelo Smart Metropolis, alinha-se diretamente ao Plano de Gestão 2023/2027 da UFRN, atendendo aos critérios do Indicador 15, que prevê o Índice de programas estruturantes, projetos e cursos em extensão inovadora com impacto no desenvolvimento regional. Como uma plataforma voltada para a gestão pública inteligente, o SEGOL contribui para o fortalecimento da extensão universitária ao oferecer soluções tecnológicas capazes de promover uma melhor governança urbana e impactos positivos no planejamento das cidades, consolidando o papel da UFRN como agente transformador no desenvolvimento regional.

Imagem de capa: Reprodução

Fonte: Agecom/UFRN

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