O cenário geopolítico mundial, marcado por conflitos, disputas comerciais e rivalidades entre potências, têm resultado em uma crescente aplicação de sanções internacionais como ferramenta de pressão política e econômica. Essas medidas, geralmente impostas por organizações como a Organização das Nações Unidas (ONU) e blocos econômicos como a União Europeia (UE) ou por países como os Estados Unidos, visam isolar nações ou entidades envolvidas em práticas que violam normas internacionais.
O sistema bancário, essencial para a intermediação financeira global, é diretamente afetado por essas sanções, visto que as restrições ao comércio e à circulação de capitais afetam a estabilidade das operações financeiras. Neste artigo, discute-se o impacto das sanções internacionais no sistema bancário brasileiro, destacando os desafios regulatórios, as implicações econômicas e o papel do direito nesse contexto.
As sanções internacionais, em sua maioria, envolvem restrições financeiras, como o congelamento de bens, a proibição de transações financeiras com determinados países ou indivíduos, e o bloqueio de acesso a sistemas de pagamento internacionais. O Brasil, enquanto parte do sistema financeiro global e integrante de acordos e tratados internacionais, está sujeito às obrigações impostas por essas sanções, sobretudo no que se refere às suas instituições financeiras. Ainda que o país não tenha, em diversas ocasiões, imposto sanções de maneira unilateral, ele está vinculado às resoluções internacionais aprovadas em fóruns multilaterais.
No âmbito interno, o Banco Central do Brasil (Bacen) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) desempenham um papel fundamental na supervisão e cumprimento dessas sanções, garantindo que os bancos e outras instituições financeiras adotem práticas de conformidade. A Lei n.º 9.613/1998, conhecida como Lei de Lavagem de Dinheiro, impõe obrigações rigorosas sobre as instituições financeiras para evitar operações que possam estar relacionadas a atividades ilícitas ou a indivíduos sob sanção internacional. Assim, o cumprimento dessas normas é imperativo para evitar que os bancos brasileiros sejam penalizados por facilitar, mesmo que indiretamente, operações com pessoas ou entidades sancionadas.
Os impactos das sanções internacionais sobre o sistema bancário brasileiro são múltiplos e complexos. Em primeiro lugar, há um efeito direto sobre o comércio exterior. Quando sanções são aplicadas a países que mantêm relações comerciais com o Brasil, como foi o caso da Rússia e do Irã, os bancos brasileiros enfrentam dificuldades em realizar transações internacionais com instituições financeiras nesses países.
Além disso, as sanções podem resultar na diminuição do fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil, uma vez que investidores internacionais podem temer sanções secundárias caso realizem negócios com empresas brasileiras que mantêm relações com países sancionados. Esse cenário gera incertezas no mercado financeiro, afetando tanto o crédito quanto o investimento estrangeiro direto.
Outra implicação relevante é o aumento da responsabilidade das instituições financeiras brasileiras em realizar um controle rigoroso sobre seus clientes e transações. O conceito de compliance bancário, já bem estabelecido no Brasil, torna-se ainda mais central, pois os bancos precisam monitorar com cautela suas operações para garantir que não estão facilitando, intencionalmente ou não, a movimentação de recursos de entidades sancionadas.
A Lei n.º 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, reflete a seriedade desse cenário ao exigir das empresas, incluindo as instituições financeiras, a implementação de programas robustos de integridade e a adoção de medidas preventivas para evitar práticas ilícitas. No contexto das sanções internacionais, isso implica em uma maior vigilância no relacionamento com clientes e parceiros comerciais, especialmente aqueles localizados em jurisdições sujeitas a sanções.
Esses mecanismos de compliance exigem que os bancos brasileiros invistam em sistemas de monitoramento sofisticados e em treinamentos regulares para identificar transações suspeitas e assegurar que estejam conforme as normas internacionais. A responsabilidade por garantir que as operações financeiras estejam em linha com as sanções impostas também se estende aos intermediários financeiros e às fintechs, que precisam adotar controles rigorosos para mitigar riscos.
O fortalecimento dessas práticas de compliance e a adaptação às exigências internacionais podem aumentar a credibilidade das instituições financeiras brasileiras no mercado global, tornando-as mais competitivas e seguras para investidores estrangeiros. Além disso, o desenvolvimento de alternativas ao sistema tradicional de pagamentos internacionais, como o crescente uso de criptomoedas e a criação de redes de pagamento independentes, pode mitigar o impacto das sanções em alguns setores, desde que tais alternativas sejam devidamente reguladas.
Nesse contexto, o Marco Legal das Criptomoedas, sancionado em 2022, busca fortalecer a segurança das operações ao exigir que as empresas que lidam com criptomoedas mantenham registros detalhados das transações. Essa medida visa facilitar o repasse de informações aos órgãos de fiscalização, contribuindo para o combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro.
Outro aspecto relevante no cenário financeiro internacional é o desenvolvimento das moedas digitais emitidas por bancos centrais, conhecidas como Central Bank Digital Currencies (CBDCs). Essas moedas digitais são versões eletrônicas das moedas fiduciárias nacionais, emitidas e reguladas pelos bancos centrais, oferecendo maior controle e rastreabilidade nas transações financeiras. No Brasil, o lançamento da Drex, a CBDC brasileira, reflete os esforços do país para se atualizar tecnologicamente e se posicionar no mercado financeiro global.
Além de modernizar o sistema financeiro nacional, a Drex pode desempenhar um papel estratégico no contexto das sanções internacionais, ao permitir maior eficiência e transparência nas transações, ao mesmo tempo em que assegura a conformidade com normas globais. Essa inovação também abre oportunidades para integrar o Brasil em redes regionais ou globais de CBDCs, ampliando suas alternativas de comércio e reduzindo a dependência de sistemas tradicionais frequentemente impactados por sanções.
Um aspecto fundamental a ser destacado é o papel do direito internacional, uma vez que as sanções são, muitas vezes, impostas por resoluções de órgãos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU. O Brasil, como membro da ONU, tem a obrigação de implementar as sanções impostas por esse organismo, o que afeta diretamente o sistema bancário e as relações comerciais do país. Além disso, decisões judiciais internacionais, como as da Corte Internacional de Justiça, podem impor a observância de sanções que envolvam questões de direitos humanos ou violação de normas internacionais.
Internamente, o Poder Judiciário brasileiro tem sido chamado a se pronunciar sobre questões relacionadas à aplicação de sanções internacionais e suas repercussões no sistema bancário. Há casos em que empresas ou indivíduos afetados por sanções buscam o Judiciário para contestar o bloqueio de ativos ou a restrição de operações. O Judiciário, ao analisar esses casos, tem o desafio de equilibrar o respeito às normas internacionais com os direitos garantidos pela Constituição Federal, como o direito à propriedade e ao livre exercício de atividades econômicas.
A jurisprudência brasileira ainda é relativamente incipiente em relação à aplicação direta de sanções internacionais, mas decisões recentes indicam que os tribunais estão cada vez mais atentos às obrigações internacionais assumidas pelo Brasil. Nesse sentido, o artigo 4º da Constituição, que rege as relações internacionais do país, estabelece que o Brasil deve se pautar pelo princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o que inclui o cumprimento de sanções internacionais quando necessário para manter a ordem e a paz mundial.
O impacto das sanções internacionais no sistema bancário brasileiro tende a aumentar à medida que o contexto geopolítico global se torna mais complexo e fragmentado. As relações comerciais e financeiras com países como a China, a Rússia e o Irã, que estão frequentemente no centro de sanções internacionais, continuarão a representar desafios para o sistema bancário do Brasil. A capacidade das instituições financeiras brasileiras de operar nesses ambientes depende diretamente da adoção de mecanismos de conformidade cada vez mais rigorosos e da articulação com reguladores internacionais.
Em suma, o sistema bancário brasileiro está inserido em um cenário internacional que exige constante adaptação às normas e sanções impostas por atores globais. A conformidade com essas exigências, embora desafiante, é essencial para garantir a inserção do Brasil no mercado financeiro global e para proteger a integridade de suas instituições financeiras diante de um contexto internacional em constante mudança.
Com a adoção de práticas rigorosas de compliance e governança há um fortalecimento da confiança internacional no sistema financeiro brasileiro, tornando-o mais competitivo e atraente para investidores. Ao apoiar pequenos e médios negócios e impulsionar setores emergentes, as instituições financeiras também contribuem para o crescimento sustentável e a inserção do Brasil em um mercado global cada vez mais complexo e interconectado.
Nesta esfera, o direito desempenha um papel estratégico na consolidação de um sistema financeiro robusto e alinhado às exigências globais. Por meio de regulamentações claras, tratados internacionais e decisões judiciais, ele fornece a segurança jurídica necessária para que as instituições financeiras operem com confiança, mesmo em cenários adversos. Além disso, o Direito regula a adoção de inovações tecnológicas, como as moedas digitais, e promove a cooperação internacional no combate a crimes financeiros, garantindo que o Brasil esteja preparado para enfrentar os desafios de um mundo globalizado.
*Advogados Henrique Filgueira e Vitória Machado.
Crédito da Foto: FREEPIK
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