O primeiro ataque a escola registrado no Brasil ocorreu em 1997, com um único óbito, sendo o perpetrador a única vítima fatal. Até o ano de 2008, foram contabilizados sete incidentes dessa natureza, com um número limitado de vítimas fatais. Entretanto, foi em 2011 que o Massacre de Realengo, que resultou na morte de 13 pessoas, alterou significativamente o panorama da violência escolar no país, tornando-se o primeiro evento de grandes proporções a causar profunda comoção nacional. A partir deste marco, observou-se um aumento expressivo nos atentados às instituições de ensino, o que evidencia a crescente gravidade e frequência desse tipo de crime no Brasil.
Em 2023, o Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas, vinculado ao Ministério da Educação, divulgou o relatório intitulado Ataques às Escolas no Brasil: Análise do Fenômeno e Recomendações para a Ação Governamental. O estudo revelou que, entre 2022 e outubro de 2023, foram registrados 36 ataques em escolas do território nacional, com 164 vítimas, sendo 49 fatalidades e 115 pessoas feridas. O crescente número de incidentes evidencia a gravidade do fenômeno e a urgência de um debate amplo sobre as causas estruturais dessa violência, bem como a implementação de políticas públicas eficazes para o seu enfrentamento.
No âmbito regional, o ataque ocorrido na Escola Estadual Berilo Wanderley, em Natal, no Rio Grande do Norte, em 2024, configura um episódio de significativa relevância. Uma aluna de 19 anos, aparentemente em surto, adentrou a instituição e efetuou disparos contra um colega, ferindo-o gravemente. Este evento, apesar de suas peculiaridades, reflete a persistência da violência nas escolas e a necessidade de respostas rápidas e adequadas por parte dos gestores públicos e das instituições de ensino, que devem adotar medidas preventivas e interventivas mais eficazes.
No que tange ao tratamento do problema da violência escolar, é imperioso destacar que a violência em questão não deve ser abordada apenas sob a ótica da segurança pública. A complexidade desse fenômeno exige uma análise multidimensional, que considere não apenas fatores externos, como o acesso a armas de fogo, mas também aspectos relacionados ao bem-estar psicológico dos indivíduos envolvidos. A Lei nº 14.819/2024, que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares, representa um avanço significativo nesse sentido, ao reconhecer a importância da integração entre as áreas da saúde, educação e assistência social para a promoção da saúde mental no âmbito escolar.
A Lei nº 14.819/2024 tem como objetivo a implementação de políticas públicas de saúde mental no ambiente escolar, por meio da articulação entre os diferentes sistemas de assistência social, saúde e educação. A norma estabelece diretrizes claras para o desenvolvimento de ações de promoção, prevenção e atenção psicossocial, com foco na comunidade escolar, englobando alunos, professores, profissionais da escola, bem como os pais e responsáveis. Através dessa integração intersetorial, a Lei visa proporcionar um ambiente escolar mais seguro e saudável, prevenindo o agravamento de quadros de violência e favorecendo a construção de um ambiente de convivência pacífica.
Dentre os objetivos principais da referida legislação, destacam-se: a promoção da saúde mental da comunidade escolar, a garantia de acesso à atenção psicossocial, a sensibilização da sociedade sobre a importância de cuidados psicossociais e a formação continuada de profissionais da educação, saúde e assistência social. A Lei também prevê ações de combate à violência, com especial atenção à eliminação de práticas de bullying e à promoção de um ambiente respeitoso e inclusivo nas escolas.
Além disso, a legislação impõe a criação de mecanismos de monitoramento e avaliação das ações implementadas, por meio de Grupos de Trabalho Intersetoriais, responsáveis pela execução das políticas de saúde mental nas escolas. Esses grupos devem elaborar planos de trabalho anuais, com a definição clara de metas, estratégias de execução e responsáveis pelas atividades, garantindo a efetividade das medidas e o cumprimento dos objetivos estabelecidos. A transparência e a prestação de contas também são aspectos essenciais, devendo ser garantidos relatórios anuais sobre o andamento das ações, com foco na avaliação de resultados.
Conclui-se que o fortalecimento das políticas públicas de saúde mental nas escolas, aliado à implementação efetiva da Lei nº 14.819/2024, representa uma estratégia crucial para a prevenção da violência no ambiente escolar. A partir de ações estruturadas de promoção da saúde mental e do acompanhamento psicológico contínuo de alunos e educadores, é possível identificar precocemente situações de risco, oferecendo suporte adequado e evitando a escalada de conflitos que podem culminar em tragédias como as já vivenciadas no Brasil. Dessa forma, a articulação entre as áreas de educação, saúde e assistência social, conforme estabelecido pela legislação em questão, é fundamental para a construção de um sistema de proteção eficaz que garanta a segurança e o bem-estar de todos os envolvidos no processo educacional.
*Advogadas Isabella Ferreira Barbalho Borja, Michelle Dantas Ferreira e Maria Helena Lins Ferreira.
Crédito da Foto: Reprodução/SinproGoias
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