Gamificação tem se tornado um termo cada vez mais utilizado e inserido tanto em contextos de educação, trabalho e até de saúde, sendo um assunto que vem despertando minha curiosidade nos últimos tempos. E enquanto eu me exercitava e divertia com o jogo Fitness Boxing 3: Your Personal Trainer, entendi que havia me inserido na gamificação através desse título.
Parando para pensar um pouco mais, notei que há outros fatores nos quais também estou inserido na gamificação, com aplicativos como o Duolingo. Mas até que ponto essa tendência de gamificar as atividades do dia a dia são positivas e onde isso pode se tornar uma armadilha?
Nintendo: diversão, saúde e bem-estar
Quando a Nintendo trouxe a proposta de games que incentivariam atividades físicas no Nintendo Wii, após a dura vida do Gamecube, os jogadores hardcores, jornalistas e — muito provavelmente — setores da indústria torceram o nariz. No entanto, ao conquistar o público casual e até mesmo aqueles que não davam tanta importância para videogames, mas encontraram no Wii uma forma divertida de se divertir, a coisa mudou.
O Wii e seus jogos como o Wii Sports foram um sucesso avassalador e, ainda que o primeiro jogo de exercícios não tenha surgido no Wii, o Wii Fit é que acabou se tornando o grande marco desse gênero de jogos.
Ainda no Wii surgiram grandes franquias que colocavam os jogadores para mexer seus esqueletos, como Just Dance, que, embora tenha se tornando um multiplataforma, deu seus primeiros passos — ou movimentos de dança — no console da Nintendo.
Com o passar do tempo, a Big N acabou por dar continuidade aos seus jogos e outras iniciativas de esporte e saúde ao longo de todos consoles desde o Wii, como pode ser lido aqui, tal qual aquele que atualmente faço uso, o Fitness Boxing 3.
No entanto, é claro que nem tudo são flores e nenhum dos jogos de esporte e bem-estar podem substituir de fato uma rotina saudável e de treino real. Servindo mais como uma medida paliativa, mas divertida, tanto para pessoas que, de outra forma, talvez estivessem sedentárias. Inclusive há diversos estudos acadêmicos que trabalham sobre a efetividade desses títulos como promoção, ou não, de saúde, bem como também na área da educação.
A coruja verde e a gamificação dos estudos
Imagem conceitual do Duolingo para Switch feito por usuário do Reddit.
Quando o assunto é educação e estudos, não conseguiria não citar o Duolingo, aplicativo de ensino de línguas que, provavelmente, se destacou e muito por seu aspecto de jogo: com rankings, atividades diversas incentivadas através de pontos e recompensas de conquistas, bônus, etc., fazendo com que a galera mais competitiva não os abandone nunca.
Mas aqui a coisa começa a ficar menos bela porque, por muito tempo, o Duolingo, apesar de se vender primariamente como uma plataforma de ensino de línguas, sempre sofreu com alguns apontamentos sobre ser bastante raso. É claro que o aplicativo acabou se tornando cada vez mais robusto e hoje conta com muito mais funções e opções, mas seu aspecto de jogo ainda é seu grande atrativo.
Mas apenas uso o Duolingo como um exemplo, pois a gamificação na área da educação tem levantado dúvidas justamente sobre até que ponto é possível utilizar um ambiente gamificado, sem que ele acabe se tornando limitado por regras e foco em competição, ou seja, como a gamificação um atrativo, mas sem criar um ambiente de artificialidade e rivalidade excessiva.
E visto que jogos voltados para saúde hoje são uma realidade inegável nos consoles, em especial da Nintendo, será que poderíamos ter um retorno dos jogos voltados para a educação, porém mais competitivos? Vale lembrar que o próprio Super Mario já foi protagonista de uma quantidade de jogos educativos como o Mario’s Early Years! Fun With Numbers.
Playbor/playbour, a gamificação do trabalho
Agora, o ponto que tem chamado ainda mais atenção quando o assunto é gamificação: o trabalho. Uma rápida pesquisa em qualquer navegador de busca relacionando o tema gamificação com trabalho, é possível encontrar inúmeras referências e, novamente, pesquisas científicas que se debruçam sobre o assunto.
Diz-se que a gamificação tem sido usada para aumentar a produtividade e melhorar a experiência dos funcionários. Aplicativos como Trello e Slack utilizam elementos de jogos para incentivar o cumprimento de tarefas e a colaboração. Há também iniciativas individuais de cada empresa para promover esse novo elemento.
Mas também se discute sobre o uso da gamificação para criar um playbor/playbour, ou seja, uma diluição dos conceitos de trabalho, lazer, produção e consumo, mascarando o trabalho como diversão, mas não exatamente pagando pela produtividade dos funcionários. Cuidado para não se tornarem speedrunners do mercado de trabalho sem se darem conta!
Gamificação é o futuro ou uma distopia?
Uma coisa é certa, a gamificação é algo que claramente veio para ficar e, assim como qualquer ferramenta, precisa ser usada da melhor forma possível. A superficialidade de algumas implementações, o risco de criar ambientes excessivamente competitivos e a dependência de recompensas externas são questões que precisam ser consideradas. Para aproveitar ao máximo o potencial da gamificação, é essencial equilibrar seus elementos lúdicos com objetivos reais e significativos.
Mas agora, até onde os videogames farão parte desse mundo tão gamificado? Será que teremos títulos e franquias próprias focadas em educação ou até mesmo como ferramentas do mercado de trabalho, assim como já temos um mercado de jogos de saúde e bem-estar, assim como o recém lançado Fitness Boxing 3: Your Personal Trainer?
Lúcio Amaral é jornalista e advogado pós-graduado em Direito e Processo Trabalhista. Certificado de Estudos Aprofundados em Psicanálise. Ganhador do II Prêmio de Rádio e Jornalismo em Saúde e Segurança do Trabalho, promovido pelo MPT em 2008.
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