Na manhã quente de um povoado isolado na Bahia, um grupo de crianças cruzava os portões da escola com mais curiosidade que o habitual. Sob o olhar atento dos professores e com a presença da comunidade, um planetário inflável se destacava no pátio. Era um universo inteiro ao alcance daquelas mentes, que ainda não haviam sonhado com as estrelas. Quando entravam, olhos brilhavam, mãos se levantavam acompanhadas de perguntas inquietas.
Cenas como essa refletem a essência do Cometa Nordestino, um projeto que, em dois anos, percorreu 33 cidades e mais de 40 escolas dos estados do Rio Grande do Norte e da Bahia, levando a magia da ciência a locais onde educação de qualidade ainda é um desafio.
Ao longo desse período, o Cometa contou com a participação de 34 bolsistas e 16 professores nos três polos (UFRN em Natal-RN, UEFS em Feira de Santana-BA e IFBA em Vitória da Conquista-BA) contemplando diretamente mais de 20 mil pessoas em suas atividades. Mais do que ensinar conceitos de Astronomia ou Física, o Cometa despertou sonhos, acendeu curiosidades e abriu janelas para novos mundos.
Essa missão ganha ainda mais relevância diante do cenário histórico de desigualdades do Nordeste brasileiro, também refletidas no acesso à educação científica. Em muitas cidades da região, escolas enfrentam a ausência de laboratórios, materiais didáticos e profissionais especializados. Para crianças e adolescentes desses lugares, a Física e a Astronomia são, muitas vezes, conceitos distantes, abordados apenas nos livros– quando disponíveis. A lacuna não é apenas estrutural, mas de vivência.
O Cometa Nordestino nasceu para preencher esse vazio, conectando estudantes a um universo que antes parecia inalcançável. “Queremos abrir janelas para universos que essas crianças não sabiam que existiam”, explica o professor Leonardo Almeida, coordenador-geral do projeto.
Sonho itinerante
Embora o projeto tenha sido formalizado apenas em 2022, como parte de um edital do CNPq, sua história começou muito antes. No início dos anos 2000, o professor Marildo Pereira, juntamente com o professor Paulo Poppe e a professora Vera Martin, no Observatório Astronômico Antares, em Feira de Santana (BA), já lideravam pequenas ações de popularização da Astronomia. “Em 2007, encontramos um planetário guardado na casa de um funcionário do Observatório Astronômico Antares. Ele estava intacto, nunca tinha sido usado. Isso foi um marco para nós”, relembra Marildo.
Esse planetário, esquecido por anos, foi o ponto de partida para missões itinerantes que levaram ciência às escolas da região. “O impacto foi imediato. Quando as crianças entravam no planetário, viam o céu projetado e começavam a fazer perguntas, percebemos que estávamos provocando algo maior do que o aprendizado: estávamos inspirando sonhos”, conta.
A chegada do Cometa Nordestino, em 2022, transformou essa realidade. O projeto conectou os esforços dos polos de Feira de Santana, Vitória da Conquista e Natal (RN), formando uma rede de colaboração entre professores e estudantes.
Resultados que transformam vidas
O impacto do Cometa Nordestino vai muito além dos números. Embora tenha superado as metas iniciais– de 30 cidades para 32, atendendo mais de 40 escolas –, o projeto deixou marcas profundas nas pessoas e nas comunidades que alcançou. Cada missão, cada cidade visitada e cada sessão de planetário representou mais do que uma aula de ciência: foi uma oportunidade de transformar vidas, despertar curiosidades e reacender sonhos.
Ana Cláudia, estudante de Pedagogia e moradora do povoado de Fedegosos em Morro do Chapéu (BA), foi uma das beneficiárias do projeto. Ao recordar a chegada do Cometa em sua comunidade, sua emoção transparece. “Foi espetacular. As crianças ficaram deslumbradas. Para elas, foi como descobrir um mundo completamente novo”, relatou.
Para os estudantes que participaram como bolsistas, o projeto também foi uma experiência transformadora. Álvaro Ferreres, estudante de licenciatura em Física, descreveu como o Cometa mudou sua forma de ensinar. “No início, eu explicava os experimentos de forma técnica. Mas o professor Marildo me mostrou que o mais importante é instigar a curiosidade das crianças. Isso é poderoso, porque transforma o aprendizado em algo ativo”, explicou Álvaro.
Além disso, os próprios bolsistas enfrentaram desafios que fortaleceram suas habilidades profissionais. No polo de Natal, histórias como as de Alana Costa e Eduarda Guedes destacam ainda o papel transformador do projeto, não apenas para as comunidades atendidas, mas também para os estudantes envolvidos.
Alana, bolsista desde o início, relembra os primeiros passos do Cometa: “Foi uma correria no começo. Nós não tínhamos nada pronto: nem os experimentos, nem as oficinas. Montamos tudo do zero, com muito trabalho em equipe. Hoje, olhar para tudo o que conquistamos– nossa sala, equipamentos – é motivo de orgulho. Nunca imaginamos que o projeto alcançaria essa proporção”, afirmou a discente, que se formou em Ciências e Tecnologia e atualmente cursa Engenharia de Materiais.
Já Eduarda, que entrou no projeto em agosto de 2023, ressaltou o impacto imediato do Cometa em sua vida acadêmica. “O Cometa me mostrou o quanto a extensão universitária é transformadora. Participei de eventos como o ‘Eclipse Solar Anular’, em que interagimos com pessoas de várias idades, e de missões em escolas, onde vi de perto como o projeto inspira e conecta as pessoas à ciência. Foi algo que mudou minha perspectiva sobre o papel da universidade na sociedade”, revela.
O Cometa não pode parar
Com o financiamento do CNPq garantido até maio de 2025, o Cometa Nordestino já começa a traçar seus planos para o futuro, mirando a expansão e a institucionalização do projeto. Para o professor Leonardo Almeida, coordenador do polo de Natal, a continuidade depende de transformar o Cometa em uma iniciativa permanente dentro das universidades participantes. “Queremos que o Cometa seja perene. É um projeto que tem um impacto muito grande e pode ser ainda maior, mas para isso precisamos garantir sua sustentabilidade”, explicou Leonardo.
A visão de Leonardo vai além das ações pontuais. Ele acredita que o Cometa é um modelo que pode ser replicado em outras regiões do Brasil. “Não estamos apenas mostrando ciência às comunidades. Estamos conectando as pessoas a ela, despertando o desejo de aprender e compreender. Essa ideia pode ser aplicada em qualquer lugar, desde que haja mais investimentos em projetos de divulgação científica”, ressaltou.
Os professores dos demais polos compartilham dessa visão otimista. Marildo Pereira, coordenador em Feira de Santana, reforça a importância de alcançar mais pessoas. “O Cometa deixou um rastro de inspiração, mas ainda há muitas comunidades que não conseguimos atender. Precisamos continuar e expandir para que mais crianças e jovens tenham acesso a essas experiências”, afirmou.
Seguindo essa linha de pensamento, Selma Vieira, coordenadora do polo de Vitória da Conquista, também enxerga o Cometa Nordestino como um projeto transformador. “Acho que o Cometa pode expandir para outras cidades do Nordeste, como era o objetivo inicial, mas é necessário ter mais projetos como esse no Brasil, pois não podemos atender toda a Bahia. A região é muito grande”, pontua.
Para Leonardo, o próximo passo é garantir que o Cometa siga sua jornada e continue impactando vidas. “O Cometa não pode parar. Ele é um projeto que acende uma chama, que desperta sonhos e inspira. Nosso papel agora é assegurar que ele alcance ainda mais lugares e transforme ainda mais histórias”, concluiu o professor.
Imagens: Elaine Oliveira
Fonte: Agecom/UFRN
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