Análise: Legacy of Kain Soul Reaver 1&2 Remastered nos lembra do real propósito de uma remasterização

Estamos vivendo a geração dos remakes e remasters. Enquanto alguns são considerados desnecessários, outros são agraciados pela crítica e público como uma oportunidade de reviver clássicos do passado ou até mesmo apresentar de uma forma mais interessante algumas obras de gerações passadas para os novos jogadores.
A série Legacy of Kain, composta por cinco jogos lançados entre 1996 e 2003, é uma franquia de ação e aventura com uma forte ênfase em sua narrativa e ambientada em um mundo de fantasia sombria chamado Nosgoth, onde vampiros e forças sobrenaturais desempenham um importante papel na mitologia deste universo. Legacy of Kain foi desenvolvida pela Silicon Knights e Crystal Dynamics e publicada pela Eidos Interactive
Em 2024, a Crystal Dynamics, em parceria com a Aspyr Media, traz para o grande público a coletânea Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered, composta por dois dos jogos mais aclamados da franquia. O projeto chega nos mesmos moldes das coletâneas Tomb Raider I-III Remastered Starring Lara Croft, lançada em fevereiro deste ano, e Tomb Raider IV-VI Remastered, que chega em fevereiro de 2025, proporcionando uma experiência fidedigna com suas contrapartes originais, lançadas entre 1999 e 2001.

Um conto sobre vingança e redenção

Capa da versão para PS

Legacy of Kain: Soul Reaver, originalmente lançado para PlayStation em 1999, recebeu uma versão para Dreamcast no ano seguinte e para PC anos mais tarde. Neste, que é o segundo jogo da franquia, o jogador assume o papel de Raziel, um vampiro que serviu como tenente leal de Kain, o imperador vampiro e antagonista da trama.

Raziel é traído e lançado no Abismo pelo próprio Kain após revelar-se um ser mais evoluído ao desenvolver asas. Ressuscitado como um espectro pelo enigmático ser conhecido como Elder God, Raziel inicia uma jornada em busca de vingança contra Kain e seus irmãos vampíricos, agora degenerados, enquanto descobre os segredos de uma Nosgoth corrompida após anos de influência maligna de seu algoz.
A história aborda temas como destino, livre-arbítrio e corrupção, com diálogos elaborados e personagens bem complexos para os padrões da época. A jornada de Raziel não é apenas de vingança, mas de autodescoberta de sua nova forma de existência e confrontação com verdades ocultas sobre o mundo e sua própria existência antes de se tornar um ceifador de almas.

Legacy of Kain: Soul Reaver é um jogo do gênero ação e aventura. Dentre as principais dinâmicas de gameplay, o jogador tem a capacidade de alternar entre o plano material e o plano espectral. Essa habilidade é usada para resolver quebra-cabeças e superar obstáculos, já que o ambiente sofre uma influência física durante a transição entre os planos.

Soul Reaver tem uma estrutura de mundo semiaberto que até flerta com o gênero metroidvania, onde Raziel consegue acesso a novas áreas ao adquirir habilidades como escalar paredes ou atravessar superfícies. O combate é baseado em ataques corpo a corpo e no uso de armas improvisadas.

Uma das principais mecânicas do jogo consiste na habilidade de Raziel de consumir as almas de seus inimigos para recuperar energia para se manter no plano físico. Em dado momento da história, ele se torna capaz de empunhar a Soul Reaver, uma espada espectral poderosa que se torna parte de sua existência, além de uma importante peça na trama.

Legacy of Kain: Soul Reaver 2, lançado em 2001 para o PlayStation 2 e anos depois para PC, é a continuação direta de Soul Reaver, aprofundando a narrativa complexa e filosófica da série. O segundo capítulo da saga de Raziel mantém o foco no protagonista e seu confronto com o destino, a vingança e as forças que moldam o mundo de Nosgoth.

Após os eventos de Soul Reaver, Raziel continua sua busca por vingança contra Kain, ao mesmo tempo em que explora os mistérios do passado e do destino de Nosgoth. A trama envolve viagens no tempo, com Raziel sendo manipulado por forças ocultas, como o misterioso Elder God e o enigmático Moebius, o Guardião do Tempo.
Durante sua jornada, Raziel descobre segredos sobre os Pilares de Nosgoth, chocantes revelações sobre sua própria existência e o papel que ele e Kain desempenham no equilíbrio do mundo. A narrativa densa de Soul Reaver 2 explora temas como livre-arbítrio, redenção e os paradoxos sobre tentar evitar o que já está predestinado a acontecer.
Embora mantenha a essência de ação e aventura do primeiro jogo, Soul Reaver 2 apresenta algumas mudanças, como o foco na narrativa, trazendo uma jornada mais linear que a anterior, com menos ênfase em exploração e quebra-cabeças complexos.

O combate foi aprimorado, permitindo que Raziel utilize habilidades espectrais e limitando o uso da Soul Reaver, que, mesmo sendo muito poderosa, agora pode causar malefícios se usada em demasia. As viagens no tempo se tornaram um elemento central da jogabilidade, juntamente com a transição entre os planos físico e espectral, permitindo que Raziel explore versões diferentes de Nosgoth em eras distintas para resolver puzzles e acessar algumas áreas.

Uma ótima experiência…

As remasterizações de Soul Reaver 1 e 2 são, sem dúvidas, muito bem-vindas hoje, visto que os jogos já possuem 25 e 23 anos, respectivamente. Acredito que este seja o real propósito de uma remasterização: proporcionar o acesso a materiais como filmes, músicas ou, no nosso caso, jogos, com todos os benefícios que as tecnologias atuais têm para nos proporcionar uma experiência satisfatória de algo que, em sua forma original, não seriam tão interessantes, especialmente para  uma nova geração de espectadores, ouvintes ou jogadores.
Assim como as já citadas coletâneas de Tomb Raider, Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered traz os dois jogos em uma proporção 1:1 de suas contrapartes originais. Se você é daqueles que conhece cada cantinho do jogo, é bem provável que você se sinta em casa por aqui.

Minha experiência em jogá-los novamente, com gráficos renovados — que podemos alternar para o “modo clássico” a qualquer momento — e devidamente adaptados para os controles atuais, é algo bem gratificante. Acredito que essa experiência seja bem mais agradável e surpreendente para os que, assim como eu, tiveram acesso às versões originais de Soul Reaver 1 e 2. Para os que vão conhecer a série agora, a coletânea é uma ótima forma de adentrar a mitologia gótica e sombria de Nosgoth e, quem sabe, também se juntar a uma legião de fãs da obra.

Além das melhorias visuais e técnicas, Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered conta com algumas novidades para os dois jogos. A primeira é a adição de uma bússola para ajudar os jogadores na orientação pelo mundo — que não se mostrou nem um pouco útil, na verdade. Em Soul Reaver, um mapa foi adicionado — este sim, mais útil —, mostrando as localidades de Nosgoth e listando os upgrades de cada área para ajudar na obtenção de todos os aprimoramentos para Raziel.

Uma galeria com artes e materiais promocionais também faz parte do pacote, dando mais valor histórico para a coletânea e saciando um pouco mais a sede por conteúdo para os fãs da série. É uma seção na qual vale a pena gastar alguns minutos para apreciar.

…mas que ainda tem suas falhas

Apesar de muita coisa boa, Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered ainda peca devido às mesmas falhas de outras coletâneas disponíveis no mercado. A principal delas, na minha opinião, é não trazer pelo menos Legacy of Kain: Defiance, o capítulo final da série, que encerra a saga de Raziel e Kain. Talvez ele tenha ficado de fora por conta da jogabilidade mista entre os dois personagens, mas seria importante tê-lo por motivos de contexto narrativo, visto que o desfecho da saga de Raziel ocorre justamente neste episódio.
Lembre-se de salvar seu jogo periodicamente, senão…

Tecnicamente, para os padrões atuais, a presença de uma funcionalidade de salvamento automático também seria bem-vinda. Entendo a importância artística de manter a autenticidade de uma experiência quando estamos falando de uma remasterização, mas estamos em 2024 e acredito que muita gente já tenha perdido o velho hábito de buscar um ponto de salvamento antes de fechar o jogo.

Em Soul Reaver, pelo menos temos a opção de salvar o jogo a qualquer momento, mas, se esquecermos de fazer isso, boa parte de seu progresso pode ser perdido. Já em Soul Reaver 2, bom, o jeito é sempre estar atento sobre onde cada obelisco de salvamento está para saber a hora de correr para lá e salvar seu jogo antes de terminar sua jogatina do dia.

A ausência de suporte ao nosso idioma também me deixou um pouco chateado, visto que tivemos esse luxo na coletânea de Tomb Raider e eu esperava ver essa atenção nos remasters de Soul Reaver também. Não dá pra ter tudo, mas o que já temos, apesar desses deslizes, está de bom tamanho.

Um legado preservado

Legacy of Kain: Soul Reaver 1&2 Remastered é uma coletânea que revigora dois clássicos cultuados da era PlayStation, trazendo-os de volta para o público moderno. Apesar de seus inevitáveis deslizes, como a ausência de um capítulo crucial da série e funcionalidades que poderiam melhorar a experiência de jogo, os remasters brilham ao oferecer gráficos aprimorados, controles atualizados e melhorias sutis que respeitam o material original.
Para fãs antigos, é uma ótima oportunidade de reviver a complexa mitologia de Nosgoth, enquanto novos jogadores têm uma entrada digna em uma saga sombria e filosófica que continua a ser relevante. No fim, trata-se de uma coleção que, apesar de imperfeita, cumpre o seu papel mais importante: manter vivo o legado de uma grande obra.

Prós

  • Graficamente renovado e fiel ao estilo artístico original;
  • Proporciona uma ótima experiência de jogabilidade para jogadores modernos;
  • Uma trama à frente de seu tempo, abordando temas filosóficos e morais que enriquecem a obra;
  • O mapa em Soul Reaver e a galeria de artes da coletânea agregam valor à experiência;
  • Oferece um excelente ponto de partida para os que desejam conhecer e explorar a série Legacy of Kain.

Contras

  • A ausência de Legacy of Kain: Defiance, o capítulo final, prejudica o contexto narrativo completo;
  • Diferentemente de outros remasters da própria Crystal Dynamics, não possui suporte para português;
  • A ausência de salvamento automático é inconveniente para os padrões atuais;
  • Enquanto o mapa é útil, a bússola não mostra nenhuma utilidade real na jogabilidade.
Legacy of Kain Soul Reaver 1&2 Remastered — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 5

Análise de Alexandre Galvão 

Fonte: GameBlast

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