Descontaminação de ambientes

Todo acidente ambiental tem a potencialidade de deixar resquícios no local, apesar de todo o trabalho de limpeza que venha a ser feito. Ao mesmo tempo, nessa região pode existir microrganismos naturais com capacidade natural de degradar parcial ou totalmente um agente contaminante. Portanto, úteis no processo de reconstrução. Entretanto, esses elementos estão dispersos no bioma e espalhados, em alguns casos, por uma grande área geográfica. Assim, difíceis de mapear.

Pensando nesse problema, um grupo de quatro cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) criou e patenteou uma tecnologia capaz de detectar a presença e a ausência desses seres, através da assinatura espectral. A expressão está usualmente fora do senso comum, mas é de relativo fácil entendimento: a assinatura espectral é um conceito do sensoriamento remoto que se refere ao comportamento de diferentes objetos, superfícies e substâncias. Ela se baseia na interação da radiação com um objeto, que pode ser refletida, absorvida ou transmitida. As plantas, por exemplo, que detém o pigmento clorofila, absorvem uma parte do espectro da luz visível e refletem outra parte do espectro da luz, gerando uma assinatura espectral única. Assim sendo, uma assinatura espectral é única para cada objeto, permitindo diferenciar, por exemplo, tipos de solos e áreas cobertas de vegetação ou sem vegetação.

Carlos Alfredo Galindo Blaha, orientador da pesquisa que resultou na descoberta científica, pontua que a invenção tem como base teórica o sensoriamento remoto e considera a preocupação pela preservação e recuperação de áreas contaminadas pela ação de contaminantes petroderivados. “Essa técnica se caracteriza, principalmente, por permitir a obtenção de informações sobre a superfície terrestre sem que haja contato físico com o objeto, com a área ou mesmo com o próprio fenômeno em estudo. Com nosso método, podemos identificar assinaturas espectrais específicas do microbioma associados a outros elementos bióticos ou abióticos, permitindo assim a análise da ocorrência microbiológica perante um impacto natural ou antrópico em quaisquer ambientes terrestre ou aquático, provocado por um contaminante, por exemplo, petróleo ou quaisquer outro que provoque uma alteração no ambiente”, identifica o professor do Departamento de Biologia Celular e Genética.

Ele defende que a tecnologia pode ser utilizada como uma ferramenta de importante abrangência para muitas atividades industriais. Blaha cita como exemplo indústrias públicas, privadas ou parcerias público-privadas (PPPs) que exploram diversos recursos naturais bióticos ou abióticos (componentes sem vida de um ecossistema, como a água, gases atmosféricos e radiação solar), renováveis e não renováveis, no sentido de contribuir para o monitoramento de sua relação com o meio ambiente. “Por outro lado, também pode contribuir para as indústrias de recuperação ambiental que devem monitorar suas estratégias que visam mitigar e recuperar áreas degradadas ou impactadas”, complementa o docente.

Além de Blaha, a pesquisa contou com a participação do professor Paulo Sérgio Marinho Lúcio, também do Departamento de Biologia Celular e Genética, do professor Venerando Eustáquio Amaro, do Departamentos de Engenharia Civil (DEC) e também coordenador do Laboratório de Geotecnologias Aplicadas, Modelagens Costeira e Oceânica Marinha (GNOMO), além do mestre Bruno Gomes de Sousa. Com a concessão, o estudo recebeu o nome de “Método de captura e análise de assinatura espectral microbiológica para avaliação e monitoramento terrestre e hidrográfico sob contaminação por petróleo”, tendo seu depósito de patente feito em 2018.

Na época aluno do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Engenharia de Petróleo, Bruno de Sousa rememora que, durante o desenvolvimento das pesquisas na tese de doutorado, ele desenvolveu estudos para acessar o material genético de procariontes, seres formados por uma única célula, com potencial para biodegradar petróleo. Desse momento, algumas questões intrigaram os pesquisadores, sobretudo como saber da presença deles em um ambiente natural ou impactado e se teria capacidade de saber da presença deles abrangendo grandes áreas ou ambientes diferentes.

“Então, nessa época, pensamos em utilizar sensoriamento remoto e assinatura espectral dos procariotos para responder às nossas necessidades, mas não havia nenhuma informação nem metodologia relacionada, nada tinha sido publicado nem patenteado. O nosso trabalho então resultou em uma patente que consiste de um método capaz de identificar o que antes era desconsiderado por falta de dispositivos e equipamentos e metodologias, ou seja, consegue enxergar, através de assinaturas espectrais, a presença e ausência desses microrganismos em um ambiente de uma forma macro”, explica Bruno.

Essa conjunção de fatores converteu-se em uma colaboração interdisciplinar, com contribuições de cientistas de áreas aparentemente distantes, como ciências biológicas, engenharia civil, petróleo, genética e ambiental. Blaha frisa, por seu turno, que as pesquisas do grupo, assim como o método objeto da Carta Patente, também se enquadram em vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, por exemplo: Água Potável e Saneamento; Energia Acessível e Limpa; Indústria, Inovação e Infraestrutura; Cidades e Comunidades Sustentáveis; Consumo e Produção Responsáveis; Ação contra a Mudança Global do Clima; Vida na Água; Vida Terrestre.

Descoberta pode ajudar a implementar novas estratégias que ajudem a reconstrução ambiental em águas doces e águas salgadas

“A obtenção desta Carta Patente contribui de maneira muito importante, trazendo um estímulo a nossos esforços para continuar na pesquisa, nos desdobramentos já idealizados com o método desenvolvido, seguindo a ‘pauta mãe’ que é a preocupação pela preservação ou recuperação de áreas contaminadas, através do conhecimento do status quo dos microbiomas nativos e sua resposta perante um impacto ambiental”, descreve. Blaha, que ao lado de Paulo Sérgio Marinho Lúcio é responsável pelo Laboratório de Genética Molecular de Plantas e Biointerações, salienta ainda que a partir das pesquisas desenvolvidas, “podemos esperar novos horizontes e vislumbrar novas interações e colaborações que nos levem a dar os passos seguintes que possam resultar em protótipos”.

Para ele, o processo de patenteamento de alguma descoberta é um indicativo de que a UFRN se fortalece como fonte de inovação, que gera produtos e soluções industriais para a sociedade. “Para os docentes pesquisadores, que muitos deles desenvolvem ideias com a valiosa ajuda de pós-graduandos, é um fruto duplo, porque inclui o sucesso da própria atividade de orientação acadêmica, tanto quanto da formação de novos recursos humanos qualificados”, defende o professor do Departamento de Biologia Celular e Genética do Centro de Biociências.

Imagens: Cícero Oliveira

Fonte: Agecom/UFRN

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