Com alto consumo e descarte inadequado, o plástico é um problema urgente na visão de ambientalistas ao redor do mundo. Só para se ter uma ideia, apenas no ano de 2022, cada pessoa gerou, em média, 64 quilos de detritos desse material no Brasil, segundo relatório publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrema).
Para além de efeitos facilmente perceptíveis, como a poluição de diferentes ambientes, uma pesquisa vem investigando consequências da dispersão do plástico na natureza mais difíceis de se enxergar a olho nu. Intitulado Revelando as ameaças ocultas: efeitos genotóxicos dos microplásticos em peixes de água doce, o estudo avaliou experimentalmente alterações na saúde de peixes após serem alimentados com microplástico.
“Avanços nas pesquisas de ecotoxicologia, ramo da ciência que estuda os efeitos de substâncias químicas na saúde dos organismos, têm revelado possíveis riscos à saúde de animais e humanos associados à ingestão de microplásticos”, comenta Juliana Deo Dias, professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL/UFRN) e orientadora da pesquisa.
Diferente da maioria dos estudos atuais, cujos testes avaliam efeitos mais específicos — alterações na atividade de enzimas do fígado, por exemplo —, a pesquisa considerou um cenário no qual o microplástico pode afetar simultaneamente diversos processos fisiológicos, como o metabolismo e o crescimento dos organismos. No artigo, publicado no periódico Aquatic Toxicology, os resultados apontam danos genéticos à espécie analisada.
Experimento
No experimento, os pesquisadores escolheram estudar a carpa comum (Cyprinus carpio), espécie com grande relevância para a aquicultura por ser uma das mais cultivadas no mundo. Os peixes foram expostos a microplásticos (fragmentos de plástico menores do que 5 milímetros) em concentrações e quantidades compatíveis com as encontradas nos ecossistemas aquáticos.
Ao todo, foram utilizadas 90 carpas juvenis, separadas em três grupos. O primeiro foi alimentado somente com ração comercial, sem adições, sendo o grupo controle. Já o segundo e o terceiro receberam ração misturada, respectivamente, a uma baixa e a uma alta concentração de microplástico, a fim de serem avaliados nos quesitos molecular, morfológico, fisiológico e de organismo.
Após 21 dias, os pesquisadores examinaram o metabolismo respiratório, verificaram o peso e o tamanho dos peixes, removeram os órgãos do trato intestinal para medi-los e pesá-los, bem como coletaram amostras de sangue e analisaram os micronúcleos. Essas etapas foram desenvolvidas no Uruguai, onde Maiara Menezes, primeira autora do artigo, realizou parte do doutorado em parceria do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGeco/UFRN).
Ameaça oculta
De certa forma, os resultados trouxeram informações surpreendentes. Não houve efeitos adversos nos órgãos intestinais; o metabolismo respiratório não foi afetado; tampouco prejudicou o crescimento dos peixes durante o período experimental. Uma consequência oculta, porém, foi revelada: o aumento da frequência de células sanguíneas com micronúcleos em indivíduos expostos ao microplástico se comparados ao controle, indicando danos genéticos às células da carpa.
Na avaliação dos autores, os componentes tóxicos presentes no plástico podem, portanto, afetar a saúde dos peixes levando em conta uma exposição a longo prazo, uma vez que este dano genético nas células deve ser ampliado com o tempo, provocando uma série de outros efeitos fisiológicos. Mas a ameaça não se restringe apenas a essas espécies, alerta a pesquisadora.
“Considerando os altos níveis de poluição dos ecossistemas naturais e das áreas urbanizadas e, consequentemente, a grande exposição de animais e humanos ao microplástico, sobretudo por um tempo indeterminado, faz-se necessário que novas e urgentes medidas de combate à poluição sejam tomadas. Isso é importante a fim de evitar prejuízos à saúde, não apenas dos peixes, mas de todos os organismos vivos, inclusive nós, humanos”, conclui.
Assinam o trabalho — além da professora Juliana Dias e de Maiara Menezes — os pesquisadores Bruno Wanderley, do DOL/UFRN, Franco Teixeira de Mello, Lucia Ziegler e Juan Manuel Gutiérrez, da Universidade da República do Uruguai.
Fonte: Agecom/UFRN