O Estado de Direito e o Devido Processo Legal

Foto: Caio Gomez/CB/D.A Press

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Este parágrafo introdutório apresenta duas questões para reflexão: 1) Se eu não sou parte legítima em um determinado processo judicial e não fui informado da existência de um processo em meu nome na condição de réu, posso ainda assim ser processado por questões conexas à demanda? 2) O fato de um sócio comum entre empresas é pressuposto suficiente para configurar a formação de Grupo Econômico, sem que haja o devido processo legal para o reconhecimento formal de um grupo econômico de fato ou de direito?

Os dispositivos do Código de Processo Civil (CPC) de forma expressam regulamentam a formalização das partes em um processo judicial:

Art. 238. Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.

Parágrafo único. A citação será efetivada em até 45 (quarenta e cinco) dias a partir da propositura da ação. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)

Art. 239. Para a validade do processo, é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

O devido processo legal é um pilar central do Estado de Direito, protegido pela Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso LIV, que dispõe: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O artigo 7º do CPC também reforça que “é assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

A letra da lei é clara: a caracterização de uma conduta antijurídica deve ser submetida ao devido processo legal. Por exemplo, a mera abstração de uma notificação, mesmo que originada de um órgão judicial, não instaura um processo ou torna automaticamente alguém réu, passível de sanções.

Além disso, o CPC, art. 10, estabelece que “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Quanto ao reconhecimento de grupo econômico, destacam-se os seguintes conceitos:

1. Integram um grupo econômico as organizações (econômica, civil ou comercial) que se submetam a um controle comum, interno ou externo, ou nas quais qualquer das empresas sob controle comum seja titular de, ao menos, 20% do capital social ou votante, direta ou indiretamente.

2. Para fundos de investimento, considera-se que integram um grupo econômico os cotistas que detenham, direta ou indiretamente, participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo, bem como as empresas controladas pelo fundo envolvido na operação, ou aquelas nas quais o fundo possua participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante.

A Lei nº 13.467, de 2017 (Reforma Trabalhista), no art. 2º, §2º, estabelece que “sempre que uma ou mais empresas, ainda que com personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou integrem um grupo econômico, serão solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.

Nesse sentido, conforme o Código Civil, art. 927, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Ainda que a legislação e a doutrina apresentem definições sobre a formação de grupos econômicos, é imprescindível a comprovação por meio de provas, respeitando-se o caso concreto. A segurança jurídica deve ser observada, especialmente considerando a complexidade das dinâmicas societárias, que envolvem organizações multinacionais e transnacionais. A constituição de uma empresa pressupõe a formalização de estatuto ou contrato que regem as relações jurídicas, com aspectos contábeis, patrimoniais e estatutários preestabelecidos.

Os temas envolvidos refletem a recente decisão do STF na PET 12404, que determinou a suspensão da plataforma X (anteriormente conhecida como Twitter) em todo o território brasileiro. A decisão impõe uma multa diária de R$ 50 mil às pessoas físicas e jurídicas que tentaram burlar a ordem judicial por meio de subterfúgios tecnológicos para acessar a plataforma. Além disso, houve o bloqueio judicial de contas para garantir o pagamento das multas aplicadas à referida rede social, com o Judiciário reconhecendo a responsabilidade solidária entre as empresas X Brasil Internet Ltda., Starlink Brazil Holding Ltda., e Starlink Brazil Serviços de Internet Ltda.

Se a empresa X não possui representação formal no Brasil e ignora as determinações judiciais, a posição firme da Suprema Corte é justificada, sendo necessário preservar os requisitos do devido processo legal. Ademais, prossegue o inquérito envolvendo Elon Musk, sócio majoritário da rede social X, para investigar – (INQ) 4957 – supostos crimes de obstrução à justiça, organização criminosa e incitação ao crime.

Todavia, a questão não deveria afetar indiscriminadamente usuários comuns, caberia ao Estado-Juiz garantir que suas decisões sejam direcionadas a quem de direito, responsabilizando apenas os envolvidos em ilícitos, sem comprometer a segurança jurídica ou os princípios democráticos consolidados.

Por fim, o avanço tecnológico e as novas relações jurídicas no ambiente digital apresentam desafios complexos ao Poder Público, uma vez que envolvem interesses econômicos de grande magnitude. A regulamentação de um mundo virtual, frequentemente intangível, exige uma abordagem cuidadosa para que direitos fundamentais não sejam violados. Ao mesmo tempo, a sociedade deve preservar a ética, o respeito à liberdade e à dignidade da pessoa humana, utilizando a inteligência intra-artificial (soft skills) de maneira responsável, orientada para a promoção de condutas virtuosas.

*Autores e advogados do escritório MDR Advocacia: Ricardo MedeirosMarcos Délli e Rodrigo Cavalcanti.

Crédito da Foto: Caio Gomez/CB/D.A Press

Fonte: Assessoria de Imprensa

 

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