A presunção de inocência e a execução provisória de pena: conflito ou justiça?

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Com a promulgação da Lei nº 13.964/2019 (pacote anticrime), introduziu-se a possibilidade de execução provisória da pena para condenações proferidas pelo Tribunal do Júri quando a sentença ultrapassa 15 anos de reclusão.

O art. 492, inciso I, letra “e”, do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que: “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.

A regulamentação desse instituto para crimes dolosos contra a vida (como homicídio, aborto, infanticídio, genocídio, auxílio ao suicídio e crimes conexos) levanta questionamentos: teria sido uma escolha acertada do legislador? A definição de um limite temporal (pena superior a 15 anos) estabelece, de certa forma, uma hierarquização da gravidade do crime? Afinal, uma condenação de 14 anos, por exemplo, seria significativamente menos grave? A fixação desse parâmetro temporal pode sugerir um enfraquecimento da presunção de inocência, princípio essencial para assegurar a justiça.

A presunção de inocência existe para garantir que o ônus da prova e o direito de defesa plena desempenhem um papel central, protegendo o indivíduo de condenações precipitadas. Somente o devido processo legal pode conferir legitimidade à imposição de uma pena. Nesse sentido, tanto a prisão cautelar quanto a prisão provisória devem ser amplamente justificadas, e o flagrante delito deve captar o exato momento em que o crime está sendo cometido.

No entanto, tais princípios parecem ser desafiados pela execução provisória da pena em crimes contra a vida, após um longo processo de investigação, denúncia e julgamento. Desde o inquérito conduzido pela Polícia Civil, sob a supervisão do Ministério Público, até a sentença definitiva, há um extenso caminho a ser percorrido, que inclui o julgamento pelo Tribunal do Júri e a fixação da pena pelo juiz. A complexidade e as múltiplas etapas processuais garantem que o veredito final seja fruto de um procedimento detalhado e criterioso.

A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, com repercussão geral, que “os vereditos do Tribunal do Júri são soberanos, permitindo a imediata execução da condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”. Essa posição levanta a questão: ao permitir a execução provisória da pena, a Lei Anticrime não atendeu ao clamor social por uma resposta mais rigorosa à criminalidade? Ou será que, ao relativizar o princípio da presunção de inocência, a Suprema Corte cedeu a pressões por justiça em uma sociedade que vive acuada pela violência?

Este texto apresenta mais perguntas do que respostas, refletindo a contínua incerteza jurídica sobre o tema. A segurança jurídica parece estar em xeque, com a Corte Suprema assumindo um papel central na criação de normas que, por vezes, não passaram pelo crivo do povo ou de seus representantes no Congresso Nacional. Esses representantes, muitas vezes omissos ou imprecisos, falham em acompanhar as mudanças sociais que desafiam as bases da convivência pacífica.

Enfim, o debate sobre a presunção de inocência e a execução provisória de pena tem ocupado o centro das discussões jurídicas, inclusive recentemente, quando renomados juristas se posicionaram de forma superficial, ora defendendo uma abordagem garantista, ora reformista. O momento parece exigir uma rediscussão mais profunda sobre a segurança pública e a adoção de medidas que promovam a paz social.

*Autores e advogados do escritório MDR Advocacia: Ricardo Medeiros, Marcos Délli e Rodrigo Cavalcanti.

Crédito da Foto: Reprodução

Fonte: Assessoria de Imprensa

 

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