O calmante que vem do sapo

Fertilizantes podem estar para jardins, assim como psicodélicos para o cérebro, criando novos caminhos para conexões neurais. Tendo em vista essa capacidade, o artigo Psicodélico serotogenético 5-MeO-DMT altera expressão de gene relacionado à plasticidade e gera efeitos ansiolíticos em ratos com estresse, em tradução livre do inglês, ganhou publicação no periódico especializado Molecular Psychiatry. A pesquisa, realizada por Margareth Nogueira, do Laboratório de Neurodinâmica do Instituto do Cérebro, ICe, se aproveita da substância 5-MeO-DMT, encontrada no sapo Bufo alvarius (sapo bufo), para verificar seus efeitos em ratos de laboratório.

O trabalho mostra a possibilidade de gerar efeito ansiolítico com o psicodélico, que chegou a durar cinco dias após a sua aplicação. Além disso, a pesquisa verificou outros mecanismos moleculares envolvendo a substância.

Sapo bufo é utilizado para extrair a substância usada no artigo para a Molecular Psychiatry – Foto: Joachim Müller/Flickr

Para realizar o estudo sobre esses mecanismos, Nogueira investigou a expressão de oito genes do organismo dos ratos, observando como se adaptariam à substância, a partir da aplicação do 5-MeO-DMT. São eles: Arc, Zif268, BDNF, CREB, mTORC1, NR2A, TRIP8b e NFkB. Em paralelo a isso, os pesquisadores motivaram estresse agudo nos animais e, logo depois, filmaram os animais no campo aberto e labirinto em cruz elevada — assim, checaram como o psicodélico poderia atuar como ansiolítico e ansiogênico nos organismos.

Na análise dos genes, houve aplicação da técnica de microdissecção por laser (Laser Capture Microdissection). Isso permitiu que fossem investigadas áreas do cérebro do camundongo. Já a técnica do RT-qPCR (que ganhou atenção quando começaram os testes de detecção de covid-19) foi usada para análise do RNA nos camundongos. Margareth Nogueira e Daiane Golbert (Laboratório de Neurodinâmica do ICe) já tinham conseguido progresso com o uso desse método de transcrição reversa e ampliação molecular.

O ICe possui diversos laboratórios de pesquisa, dedicados às áreas como Neurodinâmica e Atividade Neuronal, por exemplo – Foto: Cícero Oliveira/Agecom

O trabalho contou com a orientação dos pesquisadores do ICe Katarina Leão, do Laboratório de Atividade Neuronal e Audição, e Richardson Leão, do Laboratório de Neurodinâmica. Também colaboraram com o estudo Daiane Golbert (ICe), Richardson Menezes, e Helton Maia (ambos do Laboratório de Automação e Robótica do ECT), Raíssa Nóbrega de Almeida, Nicole L. Galvão-Coelho (ambas do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN), Andressa N. Siroky (Departamento de Estatística, DEST, da UFRN) e Thiago Z. Lima (ICe e DEST).

Avanços com o 5-MeO-DMT

O artigo é o primeiro a refutar um aumento geral da plasticidade no cérebro — capacidade de mudança de expressão dos genes, conforme as alterações do ambiente em que vive. Essa característica de adaptação, induzida pelo psicodélico, levou a uma análise sobre o mecanismo de ação da substância, que precisa de mais estudos sobre outras doenças. Por isso, ao falar sobre a plasticidade, Katarina Leão é taxativa.  “Estamos mostrando efeitos bem específicos no hipocampo [área do cérebro] e demonstrando que não há um aumento geral de genes relacionados à plasticidade com o uso de 5-MeO-DMT. Portanto, é difícil especular sobre outras condições neurológicas”, expõe a pesquisadora.

Margareth Nogueira, à esquerda, e os orientadores do estudo com o psicodélico, Katarina e Richardson Leão – Foto: Arquivo dos pesquisadores

Para Richardson Leão, as pessoas põem uma crença em psicodélicos, no geral, como antidepressivos. Segundo o pesquisador, a ação de algumas substâncias psicodélicas opera com poucos receptores no cérebro. “É possível que a substância faça muitas funções mais importantes que interagir com receptores de serotonina”, acrescenta.

Mesmo com esses limites, ao tratar a ansiedade em humanos por meio do uso do psicodélico, existem outras investigações científicas relevantes, incluindo a compreensão dos mecanismos da molécula. “Há uma discussão atual sobre se os psicodélicos precisam causar o efeito agudo, com possíveis alucinações e experiência psicológica, ou se é possível administrar uma droga modificada, não alucinógena, e obter os mesmos efeitos [desejados de ansiolítico]”, explica Katarina.

Induzido ao estresse, o organismo do rato mostrou os efeitos do 5-MeO-DMT; camundongo no labirinto em cruz elevada – Foto: Arquivo dos pesquisadores

É preciso mais testes para que se possa fazer tratamentos em humanos com o 5-MeO-DMT. Quando for seguro, aplica-se o ensaio clínico por meio de grupos de controle, o chamado duplo-cego. Nesta fase, um grupo de voluntários recebe a substância com efeitos potencialmente ativos e um placebo, que é inerte. “Um fato interessante sobre o 5-MeO-DMT é que seu efeito agudo (alucinógeno) é bem mais curto do que o de outros psicodélicos”, afirma Katarina. Com isso, a observação de um paciente teria que ocorrer por menos tempo, isso quando for possível estudos com seres humanos.

Fonte: Agecom/UFRN

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