O Governo do Estado vem descumprindo há oito meses o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) para implementação do Complexo Cultural da Rampa. No acordo, firmado em maio do ano passado, o Estado se comprometeu a editar os termos de contratação do plano museológico e definir o modelo de gestão até outubro passado, entre outras medidas, o que acabou não ocorrendo. Os atrasos motivaram um pedido de execução do TAC pelo órgão ministerial e o caso será definido na Justiça. O Governo informou que fará reunião para indicar futuro do equipamento.
O descumprimento dos prazos das etapas iniciais inviabiliza a implementação do Complexo da Rampa em si. Isso porque conforme o TAC, a criação do museu – que vai contar a história da aviação e da participação do RN na Segunda Guerra Mundial – deveria ter começado logo após a publicação do termo de referência do plano museológico e a definição do regime de exploração. “O TAC definiu prazo de um ano após a contratação do plano museológico. Esse atraso acaba ‘empurrando’ a criação do Museu para frente”, pontua o promotor Afonso de Ligório, titular da 60ª Promotoria de Justiça de Natal.
Na petição endereçada à Justiça, o Ministério Público cita “inércia estatal” e destaca o prejuízo cultural e turístico à população com a inatividade do espaço. “A inércia estatal se agrava quando é considerada a Cláusula Nona (que trata da criação do museu)”. “As consequências do descumprimento do TAC são graves e impactam diretamente a sociedade. A população é privada do acesso à cultura e à história, o desenvolvimento cultural do Estado é prejudicado e o patrimônio público é subutilizado”, diz trecho do documento.
Atualmente, o Complexo Cultural da Rampa está sendo utilizado para eventos e exposições pontuais, mas sem perspectivas de quando funcionará plenamente. Com o rompimento do contrato com a Casa da Ribeira, que apresentava diversas irregularidades, segundo o MP, a Rampa passou a ser administrada pela Fundação José Augusto (FJA). A reportagem entrou em contato com o diretor-geral da FJA, José Gilson Matias, para repercutir as razões que levaram ao não cumprimento do acordo firmado na justiça, mas ele não quis falar sobre o assunto.
O procurador-geral do Estado Antenor Roberto diz que a governadora Fátima Bezerra (PT) reunirá os órgãos estatais envolvidos para avaliar os meios de cumprimento do TAC. “Ela vai cobrar o atendimento ao TAC porque na hora que a gente assina, a gente tem que cumprir. Como PGE nós acompanhamos a construção do TAC, mas as medidas não eram mais de nossa responsabilidade, eram de gestão da Fundação e da Cultura. Agora a gente volta à cena enquanto PGE porque se trata de um descumprimento e ele [MP] está executando e voltamos à discussão na Justiça”, afirma.
Para o promotor Afonso de Ligório, a justificativa do órgão jurídico é um indicativo de que não houve vontade do Governo para instalação do Museu da Rampa. “A gente sequer recebeu um pedido de prorrogação dos prazos, o que demonstra uma inércia total”, diz. “É como se não tivesse ninguém engajado em cumprir um documento que o Estado formalmente assinou. O Estado já teve tempo suficiente para pensar. O gestor, por exemplo, pode decidir em um dia o modelo jurídico de exploração e isso não foi feito”, complementa o promotor.
Atraso acumula multas que somam R$ 80 mil
O Termo de Ajustamento de Conduta prevê ainda uma cláusula penal, que estabelece multa mensal de R$ 10 mil, portanto o Estado já acumula R$ 80 mil em multas por descumprimento dos prazos. As multas devem ser revertidas para o Fundo Estadual de Preservação Ambiental (Fepema), mas ainda não foram executadas. “Eu preferi executar a obrigação de fazer, para que o Estado cumprisse o que o próprio Estado se comprometeu a fazer”, explica o promotor Afonso de Ligório.
O Ministério Público pede na Justiça que em 30 dias o Governo do Estado faça a análise da prestação de contas, elabore termo de referência para contratação do plano museológico e defina o modelo jurídico de exploração econômica do Complexo Cultural da Rampa (licitação, chamamento público, PPP ou administração direta). A petição sugere ainda que o Museu da Rampa seja criado, de acordo com o plano museológico que for concebido, em até seis meses. O processo está na 4ª Vara da Fazenda Pública de Natal.
TAC foi assinado há mais de um ano
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado em 8 de maio do ano passado com o objetivo de solucionar inconsistências, rescindir o contrato com a Casa da Ribeira e conceber o Complexo da Rampa. O TAC é um desdobramento de uma série de reportagens da TN, que revelou, por exemplo, que o Estado havia retomado o contrato suspeito com a Casa da Ribeira para tocar o projeto do Museu. Após a repercussão, o contrato foi novamente suspenso e posteriormente extinto.
O contrato em questão com a Casa da Ribeira custou R$ 126,9 mil e autorizou a instituição privada a captar até R$ 7,47 milhões via renúncia fiscal para implementar o projeto “Complexo Cultural Rampa: Arte. Museu. Paisagem”. Segundo a Casa da Ribeira, deste valor, foram captados R$ 3,47 milhões e executados R$ 2,64 milhões. O TAC estabeleceu ainda que a Casa da Ribeira devolvesse R$ 768,4 mil à Fundação José Augusto, o que foi feito, de acordo com o Governo. O Ministério Público cobra uma análise da prestação de contas.
O acordo de cooperação do Estado com a Casa da Ribeira foi alvo de investigação por diversas irregularidades, como direcionamento de contratação, captação irregular de recursos, incapacidade técnica da Casa da Ribeira e fraude em assinatura. A primeira suspensão do contrato ocorreu em junho de 2022, atendendo recomendação do MP. A retomada do acordo foi formalizada em 9 de dezembro de 2022. O retorno não foi divulgado pelo Governo e nem comunicado à PGE. No dia 17 de janeiro de 2023, o contrato voltou a ser suspenso. Em maio de 2023 o acordo foi rescindido.
Museu contará história da Segunda Guerra
A destinação principal do Complexo da Rampa, localizado no bairro de Santos Reis, zona Leste de Natal, deverá ser para a apresentação da história de Natal dentro da Segunda Guerra Mundial. O decreto (nº 10.393/1989) determina o caráter e natureza do museu, “dando-lhe a finalidade de localizar, recolher, inventariar e expor peças e documentos com a história da aviação e da Segunda Guerra ocorridos no Rio Grande do Norte”.
Atualmente no Complexo está instalada a Secretaria Extraordinária de Cultura do Estado/Fundação José Augusto, além de uma exposição da Segunda Guerra Mundial e duas exposições temporárias, abertas ao público desde o dia 28 de janeiro, quando foram comemorados no local os 80 anos da Conferência Potengi – encontro histórico entre o presidente brasileiro Getúlio Vargas e o chefe dos Estados Unidos da América, Franklin Roosevelt, em 28 de janeiro de 1943, em Natal.
A Rampa é um conjunto de edificações construídas entre as décadas de 30 e 40, que ajudaram e fizeram parte direta da história da aviação mundial. O equipamento ganhou notoriedade no início dos anos 1940, quando os primeiros hidroaviões começaram a utilizar o local como base militar. Mais tarde, durante o conflito mundial, a posição estratégica de Natal, situada no “cotovelo” da América do Sul, abrigou a maior base militar dos EUA fora daquele país, tornando-se a pista de pouso mais movimentada da época.
Imagens: Alex Régis
Fonte: Tribuna do Norte