Especial: Ayrton Senna e seu legado dentro e fora da pista 30 anos após sua morte

Domingo, 1º de maio de 1994. Grande Prêmio de San Marino de Fórmula 1. Autódromo Internacional Enzo e Dino Ferrari, em Ímola (Itália). Na sétima volta, precisamente às 9h13, pelo horário de Brasília, Ayrton Senna perde o controle da Williams que pilotava e bate violentamente no muro da curva Tamburello. O choque é fatal. O corpo do brasileiro é levado de helicóptero para o Hospital Maggiore, em Bolonha, onde o piloto teve a morte anunciada, aos 34 anos.

Nesta quarta-feira (1º), completam-se três décadas do fatídico dia. No Parco delle Acque Minerali, próximo ao circuito, onde ficava a Tamburello, uma escultura de bronze presta reverência a Senna. Inaugurada em 1º de maio de 2014, em festival que marcou os 20 anos da morte, ela é visitada por fãs de todos os cantos, que se aproximam para tocar, fotografar ou prestar homenagens, como fez um admirador no último dia 21 de abril ao deixar um capacete especial ao lado da estátua do ídolo.

Esse admirador é um dos brasileiros que disputam o Campeonato Mundial de Endurance (WEC, na sigla em inglês), categoria do automobilismo voltada a provas de longa duração. E é emblemático que o carioca Nicolas Costa, de 32 anos, pilote um carro da equipe McLaren, a mesma pela qual Senna conquistou seus três títulos na Fórmula 1 (em 1988, 1990 e 1991).

“Quando a gente pensa em Senna, pensa em McLaren automaticamente. Quando assinei contrato e estive na McLaren, vi o carro do Senna. Isso tudo traz uma emoção sobre o que você está fazendo e também uma responsabilidade”, afirmou Nicolas, que tinha quatro anos quando o tricampeão faleceu.

Se Nicolas pouco acompanhou Senna ao vivo, Cacá Bueno não somente o viu correr, como conviveu com o piloto na infância. Pentacampeão da Stock Car, principal categoria do esporte a motor brasileiro, ele é filho do narrador Galvão Bueno, com quem o ídolo da Fórmula 1 tinha forte amizade.

“Costumo falar que o Ayrton era o Brasil que dava certo. Todo domingo de manhã, nós acordávamos, esperávamos o Brasil dar certo [Senna ganhar a corrida], ele levantar a bandeira do Brasil, tocar a musiquinha [o ‘Tema da Vitória’, melodia que embalava os triunfos brasileiros nas transmissões de Fórmula 1] e aí a gente saía para fazer o que precisava. Com esse orgulho de ser brasileiro, essa lição de dedicação, o Ayrton impactou até gerações que não o viram correr”, recordou Cacá.

Além da inspiração aos pilotos que o sucederam nas pistas, Senna deixou como legado, por conta da tragédia que o vitimou, mudanças nas normas de segurança do automobilismo. No fim de semana em que o brasileiro faleceu, já havia ocorrido outra morte. Um dia antes, o austríaco Roland Ratzenberger bateu no muro da curva Villeneuve a 314 quilômetros por hora e não resistiu.

“É só olhar que hoje o carro tem crash test [teste de resistência, em inglês], proteção lateral [para cabeça], o halo [estrutura em arco que fica acima do cockpit, que é a área onde fica o piloto]. Os autódromos são muito mais seguros. O piloto pode ficar mais tranquilo e as famílias também”, declarou Felipe Massa, vice-campeão de Fórmula 1 em 2008 e atualmente na Stock Car.

Fora do Brasil

Sete vezes campeão da Fórmula 1, Lewis Hamilton afirmou, em diversas ocasiões, ter Senna como sua maior referência. No último dia 24 de março, quando o brasileiro faria 64 anos, o inglês fez uma publicação no Instagram em que se referia ao ídolo como seu herói. E ele não está sozinho. Outros pilotos da principal categoria do automobilismo já manifestaram serem fãs do brasileiro, como o monegasco Charles Leclerc e o francês Pierre Gasly.

O termo com o qual Hamilton se refere a Senna é reforçado pelo jornalista e escritor italiano Leonardo Guzzo. Ele é autor do livro “Veloz como o vento”, que retrata a vida do brasileiro em forma de romance. A obra foi publicada originalmente na Itália, em dezembro de 2021, com nome “Beco”, alusivo ao apelido de infância do piloto, e será lançada no Brasil nesta quarta-feira, em São Paulo.

“Por toda a vida, Senna buscou sua própria essência e estilo. A meta dele era ser original, pois ser original é ser autêntico. E se você é autêntico, é um herói. Um exemplo é a escolha do sobrenome da mãe, ‘Senna’, ao invés do ‘da Silva’. Ele dizia que havia muitos ‘Ayrton da Silva’ no Brasil, mas só um ‘Ayrton Senna’. Outro ponto era o capacete que trazia as cores da bandeira do Brasil, mas ao mesmo tempo de uma forma original, que era dele. Por fim, seu estilo de pilotar, com energia e criatividade. Ele se adaptava a qualquer situação, principalmente à chuva”, descreveu Guzzo.

“O herói clássico representa o excesso. De alguma forma, simboliza o limite que a humanidade pode chegar. E Senna se recusava a essas limitações. Ele se pressionava ao limite, queria ser a melhor versão possível de si mesmo. Ele dizia que corria para vencer, que não sairia da luta e iria até o fim. E há o ato final, que é a morte. Ele morre correndo, morre em batalha, como os heróis antigos faziam”, completou o jornalista.

Em 2012, os especialistas em automobilismo da emissora pública britânica BBC indicaram 20 pilotos como os maiores da categoria. O primeiro colocado na ocasião foi Senna. Além disso, segundo Guzzo, o brasileiro foi capaz de dividir a torcida italiana, reconhecidamente apaixonada pela equipe Ferrari. Na ocasião do acidente trágico, milhares de pessoas cercaram o hospital de Bolonha atrás de notícias e se desesperaram quando a morte foi anunciada.

“O corpo de Senna foi transportado de Bolonha para Paris [na França, de onde veio para o Brasil] no avião oficial da presidência da Itália, honra nunca antes oferecida a um esportista. Senna nunca foi calculista ou quis comprometer alguém. Queria somente vencer, provar a si e aos outros que era o melhor. Isso causava um frenesi nos fãs e realmente será insubstituível”, concluiu o escritor.

Fora das pistas

O legado de Senna se estendeu para fora das pistas, tanto no seu auge como após sua trágica morte o nome de Senna permaneceu forte, sendo sinônimo de vencedor.

Instituto Ayrton Senna

Fora das pistas, surgiu o Instituto Ayrton Senna. Fundada em novembro de 1994, a organização não-governamental (ONG) atua junto à educação de crianças e adolescentes do país. A iniciativa, segundo o site do instituto, leva adiante um sonho do próprio tricampeão ainda em vida. Conforme o último relatório divulgado, referente a 2022, mais de 36 milhões de estudantes e cerca de 200 mil educadores foram atendidos desde a criação da entidade.

“Ele [Senna] dizia que se a gente quiser modificar alguma coisa [na sociedade], é pelas crianças que deveríamos começar, por meio da educação. Levamos essa visão muito a sério. Um dos pensamentos do Ayrton é que todos têm potencial para vencer, desde que com as condições adequadas para isso. Nossos projetos buscam criar essas condições e remover barreiras educacionais”, explicou o vice-presidente do Instituto Ayrton Senna, Ewerton Fulini.

Brinquedos

No seu auge o nome de Senna rendeu alguns brinquedos, sendo o mais famoso o Autorama da Estrela, lançado em 1991 que homenageava a grande rivalidade entre o brasileiro e o piloto francês Alain Prost.

Autorama Estrela lançado em 1991

Em 2021 a Estrela lança em homenagem ao piloto brasileiro uma edição especial do seu autorama, em homenagem aos 30 anos do seu tricampeonato

Para essa edição, a Estrela trouxe um Autorama com os carros da Lotus e da McLaren, equipes nas quais Senna obteve suas maiores vitórias.

Autorama lançado em 2021 pela Estrela em homenagem aos 30 anos do seu tricampeonato.

As réplicas foram pintadas exatamente como os bólidos controlados pelo piloto brasileiro, que morreu em 1994 em um acidente a bordo de um carro da Williams no Grande Prêmio de Ímola, na Itália.

Videogames

Em 1992 em parceria com o próprio Ayrton Senna a Sega lança para os seus consoles caseiros (Mega Drive, Master System e Game Gear) o jogo Ayrton Senna’s Super Monaco GP, que seria uma continuação à franquia Super Monaco GP da Sega.

.O jogo trouxe algumas melhorias em relação ao seu antecessor, o Super Monaco GP, sendo elas, principalmente gráficas. Outras foram a atualizações das pistas, pois com a ajuda de Senna, o desenho delas ficou bem mais fiel às verdadeiras, bem como vários detalhes técnicos que o piloto brasileiro ajudou a melhorar.

O jogo trouxe as 16 pistas do campeonato de 1992 e, é claro, o próprio Ayrton Senna como o cara a ser batido. Porém, assim como o jogo antecessor, a Sega não tinha os direitos sobre os nomes dos outros pilotos, tampouco sobre as escuderias, e tiveram que usar, salvo algumas modificações, os mesmo pilotos e escuderias do primeiro Super Monaco GP.

O modo carreira permaneceu o mesmo, sendo que agora você pode escrever seu nome e sua nacionalidade ao iniciar o jogo, coisa que não havia no primeiro e você passava toda a temporada correndo como “Player 1” do país “Your Country”.

A estratégia no modo carreira não mudou, sendo que, para conseguir ganhar o campeonato e fechar contrato com a melhor equipe – a Madonna – você teria que subir aos poucos, vencendo primeiro as equipes mais fracas, assim abrindo caminho até chegar às melhores equipes, capazes de rivalizar com a Madonna.

A participação de Ayrton Senna foi primordial nas melhorias do jogo. Senna apontou vários detalhes dos circuitos, dos carros e até a dirigibilidade destes, trazendo mais realismo ao jogo.

Um dos detalhes importantes apontados por Senna foi o uso da zebra. No jogo anterior o carro perdia velocidade ao subir na zebra, porém, com os apontamentos de Senna, isso mudou, deixando mais próximo a realidade com o que Senna e os próprios pilotos estavam acostumados nas pistas de Fórmula 1. Neste caso, tinha-se que descobrir o momento certo de freada para que você não desse de cara numa placa ou jogasse o carro para fora da pista. Este realismo foi um dos principais motivos da dificuldade do jogo ter aumentado.

Além disso, podemos ouvir a voz de Senna nos motivando o tempo todo durante as provas. A priori a Sega pretendia colocar comentários sobre cada uma das pistas com a voz de Senna, mas, devido ao pouco espaço do cartucho, isso não foi possível. Senna, inclusive, chegou a gravar esses áudios.
Um detalhe interessante foi que, na pista de Barcelona, Senna havia se negado a fazer os áudios. Por ser a primeira vez que ele iria correr nela, não seria possível falar sobre a pista. Senna chegou a declarar: “Não posso fazer isso. Como eu vou falar de algo que eu não conheço?“. Porém seu profissionalismo e compromisso eram tão grandes que, assim que terminou a sua primeira volta, ele logo pegou o gravador e fez os comentários sobre a pista.

Em 1996, dois anos após sua morte, a Sony lançou uma série de jogos de Kart em homenagem ao Tricampeão, o Ayrton Senna Kart Duel. Trata-se de um jogo de corrida de karts no estilo simulação, com gráficos poligonais em 3D.

O jogo é bem curto, com poucas pistas disponíveis. Mas ainda assim, dá para ter algum divertimento com ele. Há ainda um memorial de Senna, que traz fotos e estatísticas do brasileiro durante os seus dez anos de Formula 1. O que ninguém esperava na época é que o game viraria uma franquia, indicativo de que as vendas foram boas o suficiente, com certeza puxadas pelo nome de Senna.

A Sony ainda lançou mais duas continuações, o Ayrton Senna Kart Duel 2, em 1997, e o Ayrton Senna Kart Duel Special, em 1999.

Quadrinhos e Mangás

Entre 1991 e 1992, o piloto protagonizou os mangás GP Boy e F No Senkou – Ayrton Senna no Chousen (Fの閃光 -アイルトン・セナの挑戦?), publicados na revista Weekly Shōnen Jump da editora japonesa Shueisha, patrocinadora da escuderia McLaren.

GP Boy e F No Senkou – Ayrton Senna no Chousen

Akira Toriyama, autor de Dragon Ball, ilustrou o mangá BattleMan F-1 GP sobre o Grande Prêmio da Alemanha de 1990, vencido pelo piloto brasileiro, tendo inclusive posado para fotos com Senna, além de ilustrar os personagens de Dragon Ball comemorando as vitórias de Senna.

Ilustração de Akira Toriyama em homenagem à Senna

Já nos quadrinhos o piloto ganhou uma versão infantil chamada Senninha, publicada nos anos no 90 pelas editoras Abril e Brainstore e nos anos 2000 pela HQM Editora.

Em 2015, o serviço de assinaturas de quadrinhos digitais Social Comics, pertencente ao Grupo Omelete, assinou um contrato com o Instituto Ayrton Senna para disponibilizar todas as histórias em quadrinhos do personagem.

Ayrton Senna ainda é o maior ídolo brasileiro, transcendeu as faixas da corrida, se tornando um herói nacional, sendo considerado como um dos maiores pilotos de todos os tempos. Senna deixou um legado riquíssimo que, mesmo após 30 anos de sua morte, ainda ecoa, como aquelas manhãs de domingo.

*Com informações de GameBlast, Só Notícia Boa, VDDB e Wikkipédia

Imagens: Reprodução

Fonte: Agência Brasil

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