Durante seu ciclo de vida, Dragon Ball Z: Kakarot (Multi) recebeu dois passes de temporada distintos. Enquanto dois terços do primeiro consistiam em batalhas contra chefes que se mostravam bem mornas dentro do contexto narrativo geral do game (Beerus e Freeza Dourado), o último pacote trouxe uma minicampanha própria que foi muito bem-aceita pela comunidade.
Tendo isso em vista, o segundo passe, lançado juntamente com as versões de PlayStation 5 e Xbox Series do título, se debruçou nesse feedback positivo e nos brindou apenas com expansões de história que individualmente serviam para tornar cada vez mais absoluta a lenda do pequeno saiyajin que foi mandado à Terra com o intuito de destruí-la, mas que acabou se tornando seu salvador improvável.
Assim, enquanto os dois primeiros conteúdos deste segundo season pass exploram as origens do protagonista, o lançamento de Goku’s Next Journey finalmente encerra com chave de ouro a experiência narrativa mais completa que a obra de Akira Toriyama já recebeu nos videogames. O epílogo, que apresenta Oob, a reencarnação purificada do Kid Boo, à audiência, era a cereja que faltava ao bolo.
Já em clima de fim de festa, o último pacote de DLC de Kakarot começa com um rápido flashback que faz o jogador reviver, em mais uma oportunidade, os momentos finais do embate contra o inimigo supremo do arco Z. Goku, entusiasmado pelo combate que acabou de travar, pede a Enma-Daioh, o juiz dos mortos, para que toda aquela força retorne um dia, mas como uma pessoa boa.
Dez anos depois, o mundo está em paz. Goku se torna avô da pequena Pan e decide, após muito tempo, participar do Torneio de Artes Marciais. Apesar de algumas idas e vindas, é aí que está o miolo de Goku’s Next Journey, visto que ele consiste principalmente no reaproveitamento intensivo de uma mecânica inserida na última atualização. No caso, trata-se das batalhas terrestres introduzidas em 23rd World Tournament, que prendem os personagens ao chão, bloqueando a habilidade de voo e exigindo a utilização de algumas estratégias de combate diferenciadas em relação à jogabilidade comum.
Antes da derradeira batalha contra Oob, o jogador ganha a oportunidade de controlar, por alguns instantes, a neta de Goku. Pan tem seu próprio conjunto de habilidades e acaba sendo bastante divertido colocá-la em ação. Não chega nem perto do que é jogar com o Kid Goku contra o Rei Demônio Piccolo, mas ainda assim é uma experiência bem agradável.
Em seguida, chega a vez de Goku. Em outra batalha contra chefe, é sempre bem engraçado para os veteranos ver o personagem, que a essa altura tem lá seus cinquenta e tantos anos, provocando um moleque que mal completou uma década de vida. Uma vez que o poder de Oob é despertado, a primeira parte do DLC se encerra com o final derradeiro da série original, quando o saiyajin simplesmente avisa que vai dar uma nova sumida no intuito de treinar a próxima geração de guerreiros — o que é uma desculpa esfarrapada, porque o Vegeta aponta que no fundo ele só queria explorar o potencial do jovem para uma nova luta de proporções galácticas.
Quando achamos que acabou, ainda há uma última surpresa que faz com que toda a aventura até aqui valha a pena. Depois de uma sequência de boss rush com Goku relembrando as batalhas contra Freeza, Cell e Kid Boo, seus três principais oponentes ao longo de Dragon Ball Z, chega a vez de acertar as contas contra seu rival histórico.
Essa última batalha contra Vegeta, uma liberdade criativa que o time de desenvolvimento decidiu tomar, é simplesmente magistral. Mesmo com uma discrepância considerável entre o nível do oponente e o nível do jogador, o desafio oferecido é considerável. Além disso, a percepção de evolução ao longo das várias fases da luta carrega um sentimento muitíssimo positivo de trabalho completo. É muito bom ver o príncipe dos saiyajins lutando desse jeito tão selvagem e sem amarras como foi o caso dessa luta final.
Em tal aspecto, o jogador entra neste último DLC consciente de que está se metendo em uma mina de carvão. Afinal, quem vê o teor do pacote já sabe o que esperar do combate contra o Oob, mesmo que haja um ponto alto do torneio em que é possível controlar a Pan contra o seu oponente que tem pelo menos umas três vezes o seu tamanho.
A questão é que, mesmo que o carvão seja justamente aquilo que estávamos procurando, sem mais nem menos, nós nos deparamos com uma verdadeira jazida de diamante ao presenciar, nesse combate surpresa, uma verdadeira ode ao legado da franquia até aqui.
No caso, é muito bom ver que a CyberConnect2, que ficou tão estigmatizada por conta dos Naruto Ultimate Ninja Storm, ainda sabe muito bem seus pontos fortes e onde é que estava o molho que dava o sabor para os jogos do ninja portador da Raposa de Nove Caudas: os momentos que pegam no emocional do fã já baleado.
Em Kakarot, por sua vez, é acalentador lutar contra um Vegeta completamente sem amarras ao mesmo tempo que sequências de flashback pipocam na tela durante cutscenes de transição e quick time events. É claro que tudo isso vem encapsulado em animações de qualidade técnica sublime, como o título já entregava desde sua edição base, lançada no começo de 2020.
A forma com que os desenvolvedores resgataram a luta original, quando poderes ainda eram medidos através do famigerado nível de luta, e adaptaram para essa nova escala galáctica atesta o quanto eles sabem muito bem o que estavam fazendo com o jogo. É um verdadeiro espetáculo que consegue provocar o sentimento de nostalgia ao mesmo tempo que nos fascina com o frescor de uma releitura tão minuciosamente trabalhada — um feito que Dragon Ball Super tentou com muita força em vários momentos, mas que fracassou de maneira retumbante, diga-se de passagem.
Nota-se que esse sentimento de melancolia nostálgica se faz presente em alguns outros momentos, especialmente nas missões secundárias. Um deles, por exemplo, consiste em Goku tendo que lidar com um fã do antigo Rei Demônio, um passado que o próprio Piccolo deixou para trás. Adicionalmente, é sempre muito bacana ver a reunião do elenco de Dragon Ball Z depois que todos eles seguiram suas vidas, cada um para o seu lado.
O humor também está muito bem regulado e realmente evoca ao que o Toriyama costuma fazer durante seus momentos mais descontraídos. Isso se torna evidente em uma sidequest em que o Mestre Kame pede ajuda a Goten e Trunks (agora adolescentes, deixando isso bem claro) com a promessa de que eles receberiam um tesouro como recompensa, solicitação que eles prontamente acatam na expectativa de que, conhecendo o velho tarado, tal tesouro consistiria em revistas de sacanagem impróprias para menores.
Apesar de conseguir provocar a sensação de dever cumprido ao finalmente completar, de uma vez por todas, um título tão robusto como é o caso de Dragon Ball Z: Kakarot, o DLC Goku’s Next Journey ainda é uma atualização que pouco complementa a nível mecânico, simplesmente amarrando os nós em uma conclusão que, apesar de tudo, faz parte da história principal. É uma situação específica que faz com que este pacote seja essencial para uma conclusão definitiva do jogo base, mas que individualmente seja esquelético demais para demonstrar alguma utilidade.
É claro que, a essa altura do campeonato, fica difícil inventar moda, mas é nosso dever analisar algo que não deixa de ser um produto e precisa justificar a sua existência como um pacote isolado. A sorte é que o 23rd World Tournament e o Bardock: Alone Against Fate conseguem sustentar o peso bruto do passe de temporada por si só.
Sai daí magnífico poder agora
Embora consiga trazer um sentimento bem satisfatório de conclusão narrativa para Dragon Ball Z: Kakarot, Goku’s Next Journey não oferece um pacote muito robusto no que diz respeito a conteúdo de jogabilidade bruta, relegando-se mais a essa função de finalmente dar por encerrada esta incrível e definitiva releitura da aventura de Goku nos videogames. Em tal aspecto, ele é como uma lua. O astro responsável por trazer à tona o poder oculto dos saiyajins não carrega luz própria, mas sua existência é imprescindível para a manutenção de todo o ecossistema ao qual ele pertence.
Prós
- Controlar a Pan é uma graça;
- Missões secundárias ainda têm seu charme;
- O fanservice final da luta contra o Vegeta traz a sensação definitiva de trabalho concluído;
- Consolida a posição de Dragon Ball Z: Kakarot como a melhor releitura, a nível narrativo, da obra de Akira Toriyama.
Contras
- Superficial demais a nível mecânico;
- Apesar de tudo, o epílogo conhecido como End of Z ainda é parte da história principal.
Dragon Ball Z: Kakarot – Goku’s Next Journey — Multi — Nota: 7.0Versão utilizada para análise: PS4
Nota do Autor: É uma coincidência triste que a produção final da minha cobertura de quatro anos de Dragon Ball Z: Kakarot estivesse já pronta e agendada para ser publicada logo no dia em que seria divulgada a notícia do falecimento do mestre Toriyama. Em respeito, não foi movida uma vírgula do texto já redigido anteriormente. Ainda assim, chega a ser simbólico que a situação tenha batido com este epílogo, que mostra Goku ficando para trás e passando o bastão para uma próxima geração. Com isso, Goku’s Next Journey continua sendo o laço que enfeita o embrulho de presente que é aquela que eu considero a releitura definitiva da saga Z nos games — e a melhor forma de aproveitar esse legado é jogando-a.
Texto de João Pedro Boaventura
Fonte: GameBlast